Na noite desta segunda-feira (30), o programa Roda Viva, da TV Cultura, entrevistou Jair Bolsonaro (PSL-RJ), o candidato da extrema-direita a presidente da República. O programa registrou recorde de audiência na TV e na internet.
À vontade e sem nenhuma vergonha, Bolsonaro defendeu abertamente o período de ditadura civil-militar no Brasil. Apoiou a atividade de torturadores, como o Coronel Ustra, e disseminou mentiras quando, por exemplo, relativizou a morte do jornalista Vladimir Herzog, embora o Estado brasileiro tenha sido condenado recentemente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por seu assassinato.
Repetiu a cartilha ultrarreacionária contra os oprimidos, reafirmando posições já conhecidas, como as que justificam a escravização dos negros africanos na América, as que fundamentam a LGBTfobia nas escolas e as que relativizam a igualdade entre homens e mulheres.
Além disso, Jair Bolsonaro assumiu implicitamente a execução do suposto assaltante que o rendeu quando estava armado em 1995. O candidato afirmou que, se eleito, daria licença para matar a policiais e soldados e consideraria o MST um movimento terrorista.
Ao discurso opressor agregou propostas neoliberais para a economia. Defendeu a entrega e a privatização de estatais e a redução ainda maior dos direitos dos trabalhadores. Afirmou, por exemplo, que os trabalhadores rurais deveriam ter menos direitos. Lembremos que o candidato votou a favor da reforma trabalhista de Temer.
Defendeu, também, o golpe parlamentar que levou Temer ao governo – o presidente mais impopular da história recente.
A entrevista demonstrou, uma vez mais, o conteúdo fascista e patronal da candidatura de Bolsonaro à Presidência da República.
Queremos Bolsonaro fora do segundo turno
Um dos principais desafios da esquerda e de todos setores democráticos de nosso país é realizar uma ampla campanha política contra Bolsonaro, buscando impedir a sua chegada no segundo turno das eleições presidenciais de outubro. O candidato militar, que aparece em primeiro lugar nas pesquisas sem o nome de Lula, vem demonstrando resistência aos ataques da grande imprensa e mantém dinâmica ascendente. É incorreto subestima-lo, e mais ainda adiar para depois o combate contra o monstro fascista.
Negar a importância desta tarefa é ser condescendente com o perigoso avanço da extrema-direita, que ganhou, diante da crise nacional, audiência de dezenas de milhões de brasileiros.
É preciso explicar ao povo que Bolsonaro quer destruir os direitos sociais, trabalhistas e democráticos, e entregar o patrimônio público aos estrangeiros. Explicar também que seu governo representaria o aumento da violência à mulher, das mortes de negros e da perseguição às LGBTs.
Aos que estão seduzidos pelo discurso de que não que não havia corrupção e desordem na Ditadura, é preciso lembrar que o regime defendido pelo capitão reformado foi solo fértil para o enriquecimento ilícito de grandes empresas (como empreiteiras), num período em que a exploração e desigualdade social cresceram brutalmente e que o povo não tinha liberdade para se manifestar.
Todas as candidaturas da esquerda devem estar unidas no combate sem tréguas a Bolsonaro. A luta contra o neofascismo brasileiro é uma tarefa urgente e prioritária. Vamos derrotá-lo falando verdades simples aos trabalhadores, oprimidos e à juventude, demonstrando que o candidato da extrema-direita quer condenar o povo a um inferno de exploração e opressão, em que as poucas liberdades e direitos conquistados serão estrangulados.
segunda-feira, 30 de julho de 2018
Sete propostas pra construir um Brasil para a maioria
A crise brasileira não pode ser resolvida por meio da conciliação com o andar de cima. Os grandes capitalistas e os governos já perceberam isso e conduzem uma guerra contra os direitos e as condições de vida da classe trabalhadora e dos oprimidos.
É hora de apresentar um programa anticapitalista, que constitua um verdadeiro contra-ataque às medidas golpistas. Por isso, nessas eleições, estamos com a candidatura de Guilherme Boulos e Sonia Guajajara (PSOL/PCB). Sete das nossas principais propostas programáticas são apresentadas a seguir.
Nenhum direito a menos 1) Revogação das contrarreformas de Temer Depois de dar um golpe, Temer aprovou contrarreformas que retiram direitos sociais e trabalhistas da população, afetando sobretudo as mulheres, os negros e os mais pobres. Defendemos a revogação de todas elas, como a Emenda Constitucional que congela os investimentos sociais por 20 anos, a reforma trabalhista e a do ensino médio. E somos contra a reforma da previdência que todos os candidatos da direita defendem. É preciso mais direitos sociais e democráticos, começando pela efetivação e ampliação dos já existentes.
Gerar emprego e renda2) Redução da Jornada de Trabalho e elevação do salário mínimo
O desemprego e o sub-emprego atingem quase 30 milhões de brasileiros, em grande parte jovens. A jornada de trabalho no Brasil, de 44 horas, é uma das mais altas do mundo. Com a redução para 40 horas semanais, sem redução salarial, é possível gerar 3 milhões de novos empregos com carteira assinada.
Temos 44,5 milhões de pessoas que ganham menos de 1 salário mínimo por mês. O valor do mínimo é de apenas R$ 954,00, absolutamente insuficiente para as necessidades básicas de uma família. Com a elevação imediata e progressiva do salário mínimo, seria possível retirar da pobreza dezenas de milhões de brasileiros.
Combater a desigualdade social3) Taxar os mais ricos e realizar a auditoria da dívida
Apenas cinco bilionários brasileiros concentram patrimônio equivalente à renda da metade da população. Para mudar esse cenário, defendemos uma reforma tributária de caráter progressivo, buscando taxar os mais ricos e diminuindo os impostos dos mais pobres. Atualmente, os milionários pagam proporcionalmente muito menos impostos do que os trabalhadores. Isso significa que devemos ter mais impostos sobre os lucros das grandes empresas, altas rendas, patrimônio e herança. Quem ganha até 7 salários mínimos deve ser isento do pagamento de imposto de renda.
Para completar, é preciso acabar com a farra dos bancos. O pagamento da dívida pública transfere renda para especuladores nacionais e estrangeiros. O pagamento dos elevados juros tem drenado recursos públicos que deveriam ser investidos nas áreas sociais. Para garantir esses pagamentos, existem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Emenda Constitucional que determinou o teto de gastos públicos. É preciso, portanto, revogar essas leis e auditar a dívida pública, suspendendo o pagamento de todos os títulos ilegítimos e/ou em posse dos grandes capitalistas nacionais e internacionais.
Defender a soberania nacional4) Reversão das privatizações e investimentos sociais
Temer avançou na privatização da infraestrutura do país (estradas, portos, aeroportos) e das empresas estatais, com o Petrobras e a Eletrobrás. A entrega do pré-sal às multinacionais deu um novo salto depois do golpe. Querem privatizar também os Correios e os bancos públicos. E a Embraer foi vendida à Boeing a preço de banana. A soberania nacional, já muito enfraquecida, está sendo enterrada de vez. Defendemos que esses bens sejam retomados pelo Estado, a começar por garantir uma Petrobras 100% estatal, para estarem a serviço da população trabalhadora e do desenvolvimento soberano do país.
Por outro lado, é preciso investir maciçamente nos serviços essenciais previstos na Constituição, como saúde, educação, moradia e transporte público. É preciso, também, elaborar um amplo plano de investimentos em infraestrutura e capacidade produtiva, que aposte em novas matrizes energéticas e num modelo de desenvolvimento que possibilite a convivência equilibrada entre os seres humanos e a natureza.
As vidas das mulheres, negros e negras e LGBTs importam5) Combate às opressões
No Brasil, a desigualdade social se combina fortemente com a opressão às mulheres, negras e negros e LGBTs. Por isso, avançar no sentido da justiça social significa, também, combater toda forma de violência e discriminação.
As mulheres devem ter salários iguais aos dos homens, acesso ao aborto legal e seguro e uma rede integrada de combate à violência à mulher. Além disso, é necessário que haja uma ampla rede de creches e serviços públicos, que possibilite a socialização do trabalho doméstico.
O racismo deve ser combatido, em primeiro lugar, colocando fim ao extermínio do povo negro pelas mãos da polícia e do crime organizado. E passa também pelo fortalecimento de políticas públicas, como o sistema de cotas, pela efetiva implementação da lei 10.639, que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, e pelo avanço na demarcação das terras quilombolas e indígenas.
Já em relação aos LGBTs, defendemos uma política nacional de combate à violência, a criminalização da LGTBfobia, o acesso a uma saúde pública especializada e direito às pessoas trans ao reconhecimento de sua identidade de gênero. É necessário, também, uma política de acesso e permanência de pessoas trans nas universidades e no mercado de trabalho e discussão sobre gênero, sexualidade e discriminação das LGBTs nas escolas, tendo em vista o combate à discriminação e o bullying escolar.
Basta de extermínio da população negra e pobre6) Segurança pública para defender a vida
Os índices de mortes violentas não param de subir. As violentas operações policiais nas favelas e periferias passam longe de pegar os verdadeiros criminosos. O maior exemplo disso é a intervenção federal e militar no Rio de Janeiro. O resultado continua sendo o de sempre: seguidas mortes de inocentes (inclusive crianças) e nenhuma redução dos índices de criminalidade. A atual política de segurança não visa o combate ao crime, mas sim o controle e repressão, levando ao encarceramento em massa e ao extermínio do povo negro e pobre.
Uma política de segurança pública deve ter um princípio oposto: a defesa da vida. Para isso, é preciso ter uma polícia desmilitarizada, controlada socialmente, voltada para a prevenção e equipada para a investigação. Também é necessário iniciar um processo de legalização e regulamentação das drogas, começando pela maconha. A ilegalidade cria o tráfico, produzindo violência e impedindo o tratamento de saúde dos usuários.
Mais poder para o povo7) Reformas democráticas para mudar o sistema
O sistema político-eleitoral é controlado pelos grandes empresários e banqueiros. Seja por meio do financiamento de campanhas (caixa 1 e 2), seja pelo milionário lobby empresarial e corrupção instalados em Brasília, os distintos setores da classe dominante têm em suas mãos o Congresso, o Governo e o Judiciário.
Para começar a mudar essa realidade, defendemos seis medidas democráticas: (1) expropriação dos bens de todos políticos corruptos e empresas corruptoras; (2) fim de todos privilégios e dos supersalários dos políticos, juízes e da cúpula das Forças Armadas; (3) plebiscitos e referendos para que a população decida sobre as principais questões nacionais; (4) fim vitaliciedade, e elegibilidade e revogabilidade para os cargos da magistratura e do Ministério Público; (5) democratização da mídia, para quebrar o monopólio dos meios de comunicação; (6) fim do Senado, com a constituição de uma Câmara Única com mandatos revogáveis.
Essas e outras medidas democrático-radicais só poderão ser efetivadas com a força da mobilização e organização popular e operária, que deve ser a base de sustentação de um governo dos trabalhadores e do povo comprometido com a construção de uma sociedade socialista.
quinta-feira, 21 de junho de 2018
Da criança negra com fome no shopping ao ator Leno Sacramento: O racismo é cruel
Salvador, a cidade mais negra fora da África é também a mais racista
Nessa semana a capital baiana foi destaque no noticiário nacional, primeiro pelo caso inacreditável em que o segurança do Shopping da Bahia, o antigo shopping Iguatemi, tentou impedir que um cliente pagasse um almoço para uma criança negra, chamada Matheus, de 12 anos idade, que trabalha na rua vendendo bala. O vídeo que circulou nas redes sociais com milhares de visualizações mostra o exato momento em que o segurança tenta de todas as formas evitar que o almoço seja comprado, inclusive chega a tentar colocar a criança para fora do shopping à força por meio de empurrões, mas não foi permitido pelo homem que queria pagar a refeição. A situação só foi resolvida quando o supervisor da segurança chegou ao local e garantiu que a criança pudesse comer.
O Ministério Público da Bahia abriu um inquérito civil para investigar a responsabilidade do Shopping da Bahia em uma possível prática de racismo institucional. A Ordem dos Advogados (BA) vai oficiar o shopping para que o mesmo esclareça de forma oficial o que aconteceu, o que vão fazer para reparar o ocorrido, como pretendem garantir o acesso de jovens negros da periferia e se terão uma política de inclusão de funcionários.
Matheus é de uma família pobre, moradora do bairro de Pernambués, o bairro mais negro de Salvador com 53 mil moradores e fica próximo ao shopping. A sua Mãe, com 57 anos, vende balas e salgadinhos nos ônibus da cidade para sustentar 8 pessoas, três filhos, dois netos e os pais que moram numa cidade do interior baiano.
Em uma nota enviada à imprensa, o Shopping da Bahia declarou que o segurança foi afastado do trabalho, de contato com o público, e está passando por um processo de reabilitação, voltando a afirmar que não há nenhuma orientação para uma abordagem que vá “além de coibir ações de comércio informal e de pessoas (crianças e adultos) que tentam abordar clientes com pedidos de dinheiro, alimentos ou produtos. A decisão do cliente é soberana e tem que ser respeitada, sem nenhuma ação violenta ou que gere constrangimento.”
No entanto, esse caso em que o segurança do Shopping da Bahia tentou impedir que um rapaz pagasse uma refeição a uma criança pobre e negra deve ser avaliado por duas perspectivas.
A primeira é que sabemos que todos os shoppings do Brasil têm recomendações de caráter racista e higienista, de modo que os shoppings devem receber pessoas negras em situações de trabalhadoras das lojas ou como consumidoras, contanto que elas estejam dentro de um padrão aceitável de comportamento. No ano passado, por exemplo, um pai acusou o Shopping Pátio Higienópolis de São Paulo de cometer racismo contra o seu filho negro, que foi ‘confundido’ com um mendigo, mesmo a criança usando a farda da Escola Sion que fica localizado no mesmo bairro nobre. A segurança do shopping chegou e perguntou ao artista plástico Enio Squeff se o menino o ‘estava incomodando’, justamente por ser uma criança negra.
Nós vimos também como os mesmos shoppings de São Paulo e de outras cidades trataram os ‘rolezinhos’ quando jovens negros e da periferia, privados de espaços públicos e de lazer em seus bairros, escolheram se divertir nos shoppings centers.
Os shoppings são espaços pensados para ser o templo do consumo e ostentação da classe média branca, qualquer corpo estranho a esse é altamente vigiado, pois o que não faltam são histórias de perseguições dos seguranças, acusações infundadas de roubo e desprezo dos vendedores das lojas com os consumidores negros, que são vistos como incapazes financeiramente de pagarem por determinados produtos.
Eu ouvi muitas pessoas dizerem que o antigo Iguatemi, agora Shopping da Bahia, durante os governos Lula – Dilma, em que houve aumento do poder de compra dos trabalhadores, estava se “tornando do povão”. E o que era se tornar do povão? Receber consumidores negros em grande escala. E por isso o recém criado Salvador Shopping se tornou reduto das pessoas brancas, era nítido como o Salvador Shopping ficou bem mais embranquecido.
A outra questão é a atitude do segurança, ele mesmo falou que estava cumprindo ordens, como nós sabemos que estava. O Shopping da Bahia em uma nota cínica e canalha jogou a responsabilidade para o seu funcionário, lógico, a corda só arrebenta do lado mais fraco. Ao mesmo tempo que para cumprir ordens é necessário que esse mesmo segurança concorde com elas, porque não é incomum que agentes públicos e privados quando querem, em certa medida, são negligentes com as normas e regras estabelecidas. O que o segurança fez foi reproduzir racismo e preconceito de classe, elementos formadores da sociedade brasileira. Ainda mais num período em que o desemprego está altíssimo, o segurança vive constrangido pela ameaça de não seguir as regras e ser colocado para fora, tendo obrigações de se sustentar, assim como possivelmente a sua família. Em momentos de crise, a submissão se torna uma ferramenta necessária para a sobrevivência dos trabalhadores e uma forma de controle para o grupo dominante.
O segundo caso diz respeito ao ator negro Leno Sacramento, do Bando de Teatro do Olodum, que foi baleado na perna por policiais civis, após ser ‘confundido’ com homens que assaltaram na região do centro da cidade, que assim como Leno Sacramento, também estavam de bicicleta. A versão dos policiais é que ao receberem o chamado sobre homens assaltando de bicicleta, acharam que Leno era um dos suspeitos de participarem do crime e que Leno não obedeceu a ordem de parada. O policial civil que efetuou o disparo disse que atirou para o chão e o que afetou a perna do ator foram os estilhaços da bala.
Em depoimento prestado à própria Polícia Civil, Leno Sacramento contou que estava andando de bicicleta, indo para o teatro, quando ouviu pessoas o mandando parar, quando olhou para trás, muito antes de colocar os pés no chão, ouviu um disparo, quando viu, a perna já estava sangrando muito e o tiro não foi de raspão como foi dito no dia, mas a bala atravessou sua perna. O ator disse que “estava ferido e machucado, mas a dor que ele sentia é da bala que pegou nele na quarta-feira, mas que antes pegou em vários negros que não podem falar.”
Bastou apenas os policiais civis saberem que homens de bicicleta assaltaram no centro da cidade que o primeiro homem negro que estava de bicicleta foi baleado, sem nem ser revistado. Na mentalidade policial, qualquer crime cometido no ambiente público só tem pessoas negras como suspeitas e culpadas. E por mais que exista uma relação entre o lugar social do crime e as pessoas que o cometem, somente os corpos negros são vistos como aqueles que podem ser violados por tapas, chutes, socos e projéteis de arma de fogo. O recado dado pelo Racismo é que nós homens negros não podemos andar de bicicleta, pois até assim somos considerados suspeitos/criminosos.
A delegada chefe da Corregedoria da Polícia Civil, numa entrevista coletiva, disse que o tiro é o último recurso ensinado na academia de polícia. E quando perguntada se o caso configuraria racismo, a delegada respondeu que as investigações ainda estão no começo, mas que a priori isso não foi “detectado e os próprios policiais são negros”. Leno Sacramento participou do filme “O Pai ó”, da peça “Cabaré da Raça” e atualmente encena o monólogo “Encruzilhada”, que justamente aborda a violência racial no Brasil.
Porém, a manifestação do racismo é impessoal, não ocorre apenas quando um branco discrimina um negro pela sua cor. Por mais que os brancos sejam responsáveis diretos e indiretos pela existência do racismo em nossa sociedade, a Raça enquanto elemento social é criadora de uma concepção sobre as pessoas, sobre aquilo que elas podem ser ou são. E foi justamente baseado nessa concepção que um homem negro poderia ser o ladrão, que o policial nem revistou Leno, já chegou atirando na sua perna como se o mesmo fosse culpado e estava sendo punido por isso.
Se os policiais são negros, isso só mostra como o racismo é duplamente violento, pois retira das pessoas negras a autopercepção, elas não se reconhecem como tais, carregam consigo o auto-ódio, porque a representação positiva em nossa sociedade é a branca. As pessoas negras não se beneficiam em nada quando reproduzem racismo, já que elas não deixam de ser negras. Inclusive, numa sociedade como a nossa, de minoria branca, a reprodução social do racismo é necessária para garantir aos brancos todos os privilégios sociais, culturais, econômicos e políticos que eles têm. O papel do racismo é sempre garantir vantagens a um único grupo racial.
O que aconteceu com Leno Sacramento não é nenhum fato isolado como bem gostam de dizer os órgãos de assessoria das polícias civis e militares, quando essas ações acontecem. Nós sabemos muito bem que a prática da polícia brasileira é de atirar primeiro e perguntar depois, principalmente quando se trata de pessoas negras.
Os policiais militares que atiraram no pintor Nadinho, no dia 21 de Abril, na cidade de Candeias, Região Metropolitana de Salvador, acabaram de ser indiciados por homicídio doloso, ao balearem o artista plástico pelas costas, no seu ateliê, após atenderem uma chamada de roubo em que um suspeito estaria escondido numa casa.
A versão inicial dada pelos policiais militares é que o pintor Nadinho estava armado e atirou. Agora, depois do laudo do IML e da reconstituição feita, os mesmos policiais dizem que não podem afirmar com precisão que Nadinho estava armado, mas dizem que ele segurava algum objeto. No entanto, os PMs apresentaram uma arma calibre 38, com numeração raspada, além da perícia comprovar que a vítima não tinha pólvora nas mãos. E já existem relatos, indícios e provas suficientes que demonstram que o Auto de Resistência se tornou um instrumento policial para a “produção de uma realidade”, cujo objetivo é criminalizar a vítima para construir a legítima defesa e justificar mortes, através de uma narrativa que os policiais são ‘recebidos a tiro’ e só fazem reagir para se defenderem. Afinal, morto não fala e nem conta história, por isso, muitas vezes o que acaba prevalecendo é o discurso baseado na autoridade policial.
No começo do mês também veio a público uma filmagem feita por turistas sobre uma abordagem truculenta e selvagem de policiais militares realizada no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, na qual um jovem negro é agredido e torturado, por estar portando, supostamente, um baseado de maconha. A filmagem de 11 minutos mostra 4 PMs tentando colocar o jovem dentro de uma viatura enquanto a população pede para que os policiais parem de agredi-lo. Não satisfeito, um policial militar se volta contra as pessoas que estavam gritando e parte para cima de uma mulher negra dando tapas no rosto e puxando pelos cabelos, mesmo as pessoas dizendo que ela estava grávida.
No fim de semana, entre a sexta0feira 08/06 e o domingo 10/06, Salvador e Região Metropolitana foram banhadas de sangue com 31 homicídios, a maioria deles ocorridos após o assassinato brutal de um Policial Militar num bairro periférico de Salvador na madrugada de sábado. Os homicídios em série aconteceram nos bairros pobres, com característica de atuação de Grupos de Extermínio, só no bairro de São Cristóvão 5 jovens foram assassinados por homens encapuzados em dois carros.
Nas regiões do Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas e Chapada do Rio Vermelho, em que o PM foi morto, mais de 5 pessoas já foram mortas após a intensificação da ação policial, que estão lá supostamente atrás dos responsáveis pelo assassinato. Além dessas mortes, taxistas que trabalham nas localidades também denunciaram abordagensviolentas da PM que os acusavam de estarem dando fuga aos traficantes.
E não à toa as polícias baianas estão entre as que mais matam em serviço, ficando atrás apenas das polícias do Rio de Janeiro e São Paulo, com 456 mortes em 2016. O que ocorreu com Leno Sacramento é só um exemplo cristalizado pelas estatísticas divulgadas pelo Atlas da Violência de 2018, no qual, em 2016, o Brasil chegou a marca de 62 mil homicídios, sendo que 33.590 vítimas eram do sexo masculino, jovem, negro e tinham entre 15 e 29 anos de idade.
Segundo o Atlas, no período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%. Esses números também são os mesmos para as mulheres, a taxa de mulheres negras assassinadas teve um aumento de 71%, quando comparado com as mulheres não negras.
E seja o segurança do shopping querendo impedir uma criança negra de se alimentar ou um policial civil que atira num homem negro tido como criminoso pela sua condição natural de homem negro, o que está em curso no Brasil é um processo histórico que vem sendo amplamente denunciado pela militância antirracista, um Genocídio, uma política de ‘higiene racial’, que faria Hitler ficar orgulhoso dos nossos governantes. Tudo isso em 2018, no ano em que se completam 130 anos da Abolição da escravidão. Quem realmente são as pessoas livres no Brasil?
*Henrique Oliveira é mestrando em História Social pela UFBA e colaborador da Revista Rever
quinta-feira, 14 de junho de 2018
Dia 20 de junho é dia de lutar pela data-base do funcionalismo
STF vai retomar o julgamento sobre a revisão anual de salários do funcionalismo público. Tod@s às ruas!
Esse ano, a Constituição Federal completa 30 anos. Foi um produto do processo político que destituiu a ditadura militar no país e as poucas concessões que existem no seu texto foram fruto da luta dos trabalhadores na década de 1980 com lutas e greves. Muitos direitos que lá estão foram, nesses últimos anos, atacados. A aprovação da PEC do Fim do Mundo no governo Temer, que hoje se expressa na Emenda Constitucional 95, impedindo investimentos na saúde, assistência e educação por vinte anos, é um exemplo.
Mas há outros elementos que estão no texto da carta magna que também não são levados a sério pelos governos. Entre tantos outros, está no inciso X do artigo 37 o texto que garante o direito do funcionalismo a revisão anual de seus salários:
“X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;”
Após a EC 19/98 que produziu a última redação acima, todos os governos e poderes da República nunca reconheceram a auto aplicabilidade desse dispositivo da Constituição. A exigência pelo direito à data-base anual tornou-se, ao longo do tempo, uma reivindicação histórica dos trabalhadores do funcionalismo público.
Diferentemente dos trabalhadores da iniciativa privada, o funcionalismo público não tem direito à negociação salarial e à data-base anual, precisando em muitos momentos fazer greve para pressionar por negociação salarial. Atualmente, muitas categorias do funcionalismo estão sem negociação e sem a reposição inflacionária, diminuindo seu poder de compra, precarizando as condições de vida dos trabalhadores que carregam a máquina do estado nas costas.
O julgamento foi suspenso em 2014 por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, já tendo sido computados os votos dos(as) ministros(as) Marco Aurélio (relator), Carmem Lucia e Luiz Fux, favoravelmente ao recurso. Já os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Roberto Barroso e Teori Zavascki – posteriormente substituído por Alexandre Morais, que não votará na quarta-feira (20) – foram contrários à garantia da data-base. A decisão, agora, será pelos votos dos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Melo e Edson Fachin.
Qual o papel que o STF vai cumprir nesse momento, vai seguir de joelhos aos interesses do capital e sacrificar mais uma vez os trabalhadores do funcionalismo público ou irá fazer valer o texto da Constituição Federal?
Agora é hora de mobilização nas ruas para pressionarmos o restante dos ministros a votarem a favor dessa reivindicação justa dos trabalhadores do funcionalismo. É incrível que esse tema ainda tenha que ser julgado pelo STF. Não seria necessário, já que o texto da Constituição é categórico em garantir a revisão anual dos salários do funcionalismo.
Em reunião nessa quarta-feira, tanto o Fonasefe, como o Fonacate, que são os principais fóruns das entidades do funcionalismo federal, acordaram um calendário de mobilização com os seguintes eixos: em defesa dos serviços públicos; revogação da Emenda Constitucional 95 e pela data-base, já, para todo o funcionalismo.
É muito importante que os fóruns estaduais do funcionalismo possam organizar reuniões com urgência e construir esse calendário para a semana que vem.
Confira o calendário de mobilização:
19/06 – Terça-feiraAto em Brasília em dois momentos:
14h – Em frente ao MPOG
17h30 – Vigília em frente ao STF
20/06 – Quarta-feiraAto nos estados, nos tribunais e justiça federal.
*Gibran Jordão e membro da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
Defensores do regime militar repetem o mesmo discurso mentiroso usado no golpe de 1964
Vários vídeos inundam as redes sociais defendendo uma intervenção militar em nosso país. Infelizmente, eles estão ganhando ainda mais audiência. Os setores mais arrivistas da extrema-direita se aproveitam do verdadeiro ódio popular em relação ao governo ilegítimo de Temer, para defender sua derrubada pela via de um novo regime militar. Ou seja, defendem uma alternativa ainda mais reacionária para o país.
Mas, o que chama a atenção, é que mais uma vez os defensores da ditadura repetem o mesmo discurso farsante de que a intervenção militar seria a única saída possível para acabar com a corrupção e, incrivelmente, garantir a democracia.
Nada novo. Este foi exatamente o mesmo discurso usado pela elite militar e seus apoiadores em 1964, para justificar e tentar legitimar o golpe e o início do regime da ditadura militar. “Ressurge a democracia” – essa era a manchete estampada na primeira página do jornal O Globo, no dia 1º. de abril de 1964.
O discurso do momento apresenta sua requentada proposta de ditadura militar, tentando camuflar o que é impossível esconder. Falam que os militares ficariam no poder pouco tempo, fechariam o Congresso, mas só para impedir que os políticos corruptos continuem nos seus mandatos e não possam mais concorrer. E, depois deste período, segundo eles de transição, organizariam novas eleições apenas com os políticos “fichas limpas”.
Evidentemente, ninguém vai defender uma intervenção militar dizendo o que de fato ela representa. Ou seja, que os militares irão cassar, perseguir, torturar e assassinar todos e todas que se levantem contra esse regime opressor e ditatorial. Nem vão anunciar que os militares ficarão no poder por mais de 20 anos, sem eleições presidenciais.
Pois é, esse mesmo discurso mentiroso foi utilizado para ganhar a opinião pública para apoiar o golpe. Também em 1964 se falou que os militares ficariam apenas um ano no poder, e organizariam uma eleição presidencial democrática em 1965. Ficaram no poder até 1985.
A única consequência política real de uma intervenção militar é uma ditadura: que significa, na prática, o fechamento do regime político, o fim das liberdades democráticas, a perseguição aos sindicatos, ao movimento estudantil, aos movimentos sociais e aos partidos políticos; enfim, silenciar toda crítica e oposição.
O atual regime democrático carrega um forte componente autoritário. É evidente que não devemos defender o regime político como está. O máximo que temos hoje é uma democracia para os ricos e poderosos, alijando, na prática, a maioria da população de plenos direitos sociais e políticos. Mas, a saída não é acabar com os já mínimos espaços democráticos existentes. Ao contrário, avançar cada vez mais para um regime político que garanta espaços democráticos cada vez maiores e significativos para a maioria da população.
Corrupção é uma marca da ditadura militarJunto com a farsa de que a intervenção militar seria uma transição para uma verdadeira democracia, logo aparece o discurso de que ela seria também a única forma efetiva de acabar com a corrupção na política brasileira.
Além de inúmeras falcatruas e negociatas que envolviam militares de altas patentes e que ocupavam postos chaves no regime, o que é comum em todo o período é que nenhum destes escândalos foi seriamente investigado, com seus principais responsáveis, corruptos e corruptores, realmente punidos. Mesmo atualmente, não é surpresa pra ninguém que existam denúncias de corrupção no interior das Forças Armadas brasileiras.
No início desta semana, veio a público mais uma confirmação “insuspeita” sobre a presença constante da corrupção quando os militares ocuparam o poder. Um telegrama da Embaixada dos EUA no Brasil, direcionado ao seu governo, datado de março de 1984, afirma que justamente a forte presença de corrupção nos governos militares minou a popularidade do regime e do último presidente militar, General Figueiredo.
A Embaixada dos EUA afirma, ainda, como sempre, preocupada com a defesa do regime militar, que a oposição da época iria utilizar cada vez mais as denúncias de corrupção para defender o final deste regime.
Que o povo decidaCada vez mais, a bandeira do Fora Temer deve estar nas mãos do povo trabalhador e da esquerda socialista. Não temos nenhum motivo para defender que este presidente ilegítimo permaneça no cargo. A direita mais tradicional, com Alckmin e Rodrigo Maia, e a extrema-direita, com Bolsonaro, não têm moral para levantar essa bandeira, pois apoiaram o golpe parlamentar do Impeachment, a posse de Temer e seu programa contra o povo.
Ao defender a saída de Temer, devemos repudiar qualquer outra manobra reacionária, como uma eleição indireta via Congresso Nacional – para substituir Temer por Rodrigo Maia ou, pior, a famigerada defesa da intervenção militar.
Nossa proposta é que o povo decida, em uma eleição realmente livre, democrática e com novas regras, tanto para Presidente da República, como para todo o Congresso Nacional. Defendemos a libertação de Lula e o direito dele concorrer, pois foi condenado sem provas, em uma operação política que é parte do golpe parlamentar.
A nossa defesa dos direitos democráticos de Lula não se confunde com o apoio ao seu projeto político. Somos contra a reedição das alianças com a velha direita e aplicação de um programa que não rompa com os interesses dos ricos e poderosos, aplicados pela direção do PT nos 13 anos que administraram o país.
O povo trabalhador, a juventude e o conjunto dos explorados e oprimidos têm alternativa: Guilherme Boulos e Sônia Guajajara, para Presidência da República, pela aliança inédita entre partidos de esquerda e movimentos sociais combativos, formada pelo MTST, PSOL, PCB, APIB, entre outros movimentos e organizações.