A visita do Papa Francisco ao Brasil foi seguida por uma enorme
exaltação da mídia e dos governantes ao “papa dos pobres”. Adulações de
todo tipo foram repetidas exaustivamente a todo o momento em que o
“santo padre” aparecia na TV. “Revelações” sobre sua “simplicidade,
simpatia, humanidade e despojamento” alimentaram enorme fervor
religioso. Algo que não causou nenhum constrangimento ao esquecido
princípio da laicidade que deve vigorar na relação entre o Estado com
qualquer religião.
Não menos importante foi a tentativa dos políticos em “colar” na imagem
do Papa Francisco. A mais óbvia movimentação nesse sentido foi o
discurso de recepção da presidente Dilma, que relacionou as supostas
realizações do seu governo e o de Lula com o discurso de defesa dos
pobres realizado pelo pontífice.
Recuperar terreno perdido
A principal missão do papa Francisco em sua visita foi a de recuperar o
terreno perdido da Igreja Católica em dois campos: na periferia das
grandes cidades e entre a juventude.
Apesar do Brasil ainda ser a maior nação católica do mundo, na última
década, a Igreja teve uma redução de 1,7 milhão de fiéis, um
encolhimento de 12,2%, segundo o IBGE. Se, em 1970, havia 91,8% de
brasileiros católicos, em 2010 essa fatia passou para 64,6%, segundo o
censo de 2010. Ao mesmo tempo, as mais diversas igrejas evangélicas
saltaram de 5,2% da população para 22,2%.
A perda de fiéis da Igreja Católica aconteceu, sobretudo, nas
periferias das grandes cidades. Foi nelas que os pentecostais atuaram
como guias espirituais e como figuras centrais do assistencialismo,
diante da completa ausência do Estado e de serviços públicos. É
importante ressaltar que a década de 1990, período em que houve o maior
declínio da Igreja, também foi a época de expansão da favelização, do
desemprego estrutural causado pela globalização capitalista e o
neoliberalismo. Isso resultou em maior degradação social, resultando no
aumento da violência urbana, do alcoolismo, desagregação familiar etc.
Do ponto de vista religioso, os pentecostais foram mais bem sucedidos em
sua estratégia de oferecer uma resposta à crise social provocada pelo
neoliberalismo. Foi nessa década que eles também entraram maciçamente na
política.
Nesse sentido, não causa espanto o discurso do Papa, que reorienta a
Igreja a ir à periferia. Em plena Favela da Varginha, no Rio, ele fez um
dos discursos de cunho social mais importante de seu pontificado,
atacando as desigualdades que existem no mundo e chamando a igreja a
“abraçar” os marginalizados.
Contudo, é um engano pensar que esse discurso representa uma “virada à
esquerda da Igreja”, como alentam diversos integrantes da Teologia da
Libertação. Em um dos seus últimos pronunciamento no Brasil, o papa
atacou às propostas “ideológicas” que trazem o risco de "fazer
fracassar" o trabalho da Igreja. E chamou de "reducionismo socializante"
a prática da Teologia da Libertação.
Juventude e a Igreja
Já na 26° Jornada Mundial da Juventude (JMJ), a vinda do Papa Francisco
procurou recuperar o prestígio junto à população mais jovem. Nessa
parcela da população, o catolicismo perdeu terreno não só para as
igrejas evangélicas, mas também para um numero cada vez maior daqueles
que dizem “não ter religião” - mais de 15 milhões, segundo o IBGE.
Os elementos da crise econômica mundial, já presentes no país, atinge
em cheio a juventude. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego do Brasil
entre os jovens de 18 a 24 anos é de 12,4%, em 2012. Também é a
juventude pobre que sofre mais com o caos dos serviços públicos e com a
violência das grandes periferias.
Foi essa situação que produziu as grandes manifestações realizadas em
junho. Com muita habilidade, o Papa Francisco pronunciou discursos em
apoio aos protestos. Exaltou a luta “contra a corrupção” e chegou a
pedir para que os jovens “saiam às ruas como fez Jesus".
Naturalmente, este apoio do Papa aos protestos é visto com muita
simpatia por setores da juventude. Afinal, muitos destes jovens que
protagonizaram as “jornadas de junho” estavam presentes na JMJ. Contudo,
isso não pode esconder o enorme fosso que separa as aspirações da
juventude e a velha doutrina conservadora da Igreja Católica.
Doutrina conservadora
A juventude deve ter total liberdade para professar sua fé. Do mesmo
modo que outros jovens devem poder escolher a religião que quiserem ou
simplesmente não optar por nenhuma crença religiosa. Mas não se pode
ignorar que a conservadora doutrina da Igreja Católica – apesar de ser
apresentada com uma nova roupagem - não vai ao encontro das bandeiras
levantadas em junho. Tampouco é compatível com as aspirações daqueles
que lutam contra a opressão machista e aos LGBTs.
A Igreja tem posição clara sobre estes temas. Segue em sua campanha
contra o sexo antes do casamento e contra o aborto. Na JMJ distribuiu
uma cartilha que veicula informações equivocadas de que zigoto, embrião e
feto são crianças e que, portanto, o aborto seria um assassinato.
Também atua em favor do Estatuto do Nascituro que prevê, por exemplo, a
bolsa estupro e uma restrição ainda maior aos direitos sexuais e
reprodutivos das mulheres.
Para a Igreja, o matrimônio é a “sagrada e indissolúvel” união entre um
homem e uma mulher. Quando ainda era o Cardeal de Buenos Aires, o Papa
Francisco assumiu uma luta encarniçada contra a aprovação do casamento
entre pessoas do mesmo sexo na Argentina. Liderou passeatas contra essa
proposta, que terminou sendo aprovada.
O problema é que a Igreja Católica tenta impor suas crenças para o
conjunto da sociedade. Tenta impor a todo o mundo o seu modo de vida
prescrito pela sua fé, desrespeitando a crença e as convicções daqueles
que pensam diferente, algo absolutamente inaceitável.
Por isso, o PSTU apoiou e participou das manifestações que denunciam a
política reacionária defendida pela Igreja. Denunciamos os recursos
públicos gastos pelo Estado com a visita do Papa Francisco, bem como as
inúmeras isenções fiscais que a Igreja Católica recebe do Estado
supostamente laico. O novo discurso apresentado pelo Papa à juventude e
ao povo pobre não esconde o velho conservadorismo da Igreja que sempre
defendeu os ricos e poderosos.
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