sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Quem tem medo de Yoani Sánchez? É necessário um real debate sobre o que se passa em Cuba e o verdadeiro caráter do regime castrista

Diego Cruz da redação do site do PSTU

Desde o dia em que aterrissou no Brasil, a blogueira cubana Yoani Sánchez vem enfrentando protestos de militantes pró-regime castrista. Em Feira de Santana (BA), chegaram a impedir a exibição do documentário "Conexão Cuba-Honduras" que tem a blogueira como uma das entrevistadas. Além de defender o governo cubano, essas manifestações impulsionadas pela UJS/PCdoB e outros setores, atacam Yoani como "agente da CIA", supostamente bancada pelo imperialismo com o objetivo de desestabilizar Cuba.

Esses protestos mostram parte do respaldo que o regime cubano ainda encontra em vários setores da esquerda. Outros setores, no entanto, como o PSTU, não integram nem apoiam essas manifestações. E mais ainda, defendem a necessidade de se abrir uma real discussão sobre Cuba e o que representa o governo encabeçado pelos irmãos Castro. É esse o debate que os manifestantes que perseguem Yoani querem impedir que aconteça.

Cuba em debate
O que é Cuba hoje? Um bastião do socialismo que sobreviveu ao débâcle do chamado “socialismo real” na década de 1990, ou um país capitalista com uma ditadura que se perpetua graças à repressão e perseguição aos seus opositores? Por que essa discussão desperta tantas paixões em todo o mundo? A primeira resposta certamente é que, quando falamos de Cuba, estamos nos referindo a um país que foi palco de uma das mais importantes revoluções do século XX.

O regime castrista goza ainda da autoridade política e do prestígio conquistados com a revolução que, em 1959, depôs a ditadura de Fulgêncio Batista e pouco depois expropriou a burguesia. A primeira e única revolução socialista da América Latina transformou a pequena ilha do caribe do "quintal dos EUA" como era conhecido, em um país com índices sociais comparáveis aos dos países desenvolvidos. A reforma agrária e investimentos maciços nas áreas sociais extinguiram pragas do capitalismo como a miséria, o desemprego e o analfabetismo. Não foi por menos que Cuba se tornou em um exemplo para gerações de ativistas socialistas ao redor do mundo.

Cuba, porém, não é só um exemplo do que é possível avançar ao se expropriar a burguesia e o imperialismo. É uma prova também de que, tudo o que não avança, retrocede. No caso, o país, governado por uma burocracia estalinista desde o início, viu o capitalismo ser restaurado pelas mãos do próprio setor que dirigiu a revolução. Os três pilares de uma economia de transição ao socialismo hoje já não existem: o monopólio do comércio exterior, a propriedade estatal e o planejamento econômico pelo Estado.

A restauração do capitalismo imposta pela ditadura Castro principalmente a partir dos anos 1990, levou de volta à ilha velhos problemas sociais, como uma desigualdade cada vez maior, pobreza e antigas chagas do capitalismo que haviam desaparecido, como a prostituição que se prolifera nas áreas frequentadas pelos turistas estrangeiros. Em Havana, regiões ricas e sofisticadas dedicadas ao turismo e à burocracia castrista convivem ao lado de áreas pobres e literalmente caindo aos pedaços. Já os trabalhadores são obrigados a sobreviverem com um salário médio de 18 a 20 dólares por mês.

Em 2011, o governo anunciou a demissão de nada menos que um milhão e trezentos mil trabalhadores das estatais no país, como forma de se "reduzir" o peso do setor público. A dura verdade, que os defensores do regime castrista se negam a reconhecer, é que o capitalismo há muito é uma realidade em Cuba, assim como os demais males inerentes de uma sociedade capitalista. Confundem e transformam em uma só coisa a revolução cubana e a burocracia castrista.

O que restou no país, além do capitalismo, foi o controle de uma ditadura de partido único, que não permite qualquer liberdade de expressão e organização. Quando os militantes da UJS/PCdoB impedem Yoani Sánchez de falar ou qualquer debate sobre o tema, estão tentando bloquear aqui no Brasil esse mesmo debate que não pode ser feito em Cuba. Se não concordam que existe hoje uma ditadura, por que não argumentam e apresentam seu ponto de vista? Lamentavelmente, é essa a discussão que tanto temem esses ativistas. Mais do que qualquer suposto agente da CIA.

Yoani e as liberdades democráticas

Mas quem é essa figura chamada de “terrorista” pelos defensores do castrismo? Yoani Sanchez é filóloga e se tornou conhecida quando, em 2007, passou a publicar o blog "Geração Y", com fortes críticas ao regime cubano. Passou a denunciar perseguições e intimidações do governo e a ganhar notoriedade em grandes veículos de comunicação mundo afora. É colunista, por exemplo, do espanhol El Pais e, no Brasil, tem seus posts publicados pelo Estadão. Antes da reforma migratória, teve seu visto de saída negado 20 vezes pelas autoridades cubanas.

A esquerda castrista acusa Yoani de ser uma “agente do imperialismo”, guiada pela CIA e o próprio governo norte-americano. Para embasar tal tese, citam, por exemplo, os prêmios que a blogueira recebeu de veículos da imprensa internacional e documentos vazados pelo Wikileaks que relatariam reuniões da cubana com representantes do governo dos Estados Unidos. Em seu périplo pelo Brasil, a blogueira criticou a posição do governo brasileiro em relação aos Direitos Humanos em Cuba, condenou o embargo norte-americano à ilha e chegou a elogiar as últimas medidas do governo Castro: “as reformas econômicas que tem feito estão na direção correta”.


Protesto contra a blogueira cubana no Brasil

Suposições sobre suas reais motivações à parte, fato é que a blogueira faz uma crítica correta a partir de um fato concreto: a ausência de liberdade de expressão e organização em seu país. Ou os defensores do castrismo também dirão que vigora a democracia na ilha? Seria possível, por exemplo, organizar um partido que se coloca como oposição à burocracia castrista, como o PSTU, em Cuba? Ou como o PSOL? Ou qualquer partido ou organização sindical que tenha como objetivo organizar os trabalhadores e o povo de forma independente do governo? Sabemos muito bem que não.

O mais perverso dessa história é que a ausência de liberdades na ilha faz com que a única oposição à burocracia castrista que aparece como alternativa ao povo cubano seja composto pela direita e os gusanos (os exilados da revolução que se refugiaram na Flórida e que desejam reaver suas propriedades expropriadas). Ou Yoani que, apesar de corretamente reivindicar a democracia em seu país, tem como horizonte político um regime democrático burguês (por isso elogia as recentes medidas do governo).

A infeliz posição da esquerda castrista no Brasil, por sua vez, tem seu grau de responsabilidade, ao entregar de bandeja à direita a bandeira por liberdades democráticas em Cuba. É patético observar, por exemplo, o deputado Jair Bolsonaro, defensor da ditadura militar no Brasil, condenar a ditadura cubana.

O castrismo é responsável ainda por reforçar um estereótipo de socialismo associado a caricaturas totalitárias, como a China ou Coreia da Norte. O socialismo deveria não só aceitar como estimular debates e opiniões diversas. Deveria contrapor-se ao capitalismo e ao monopólio de seus grandes conglomerados de mídia com a mais ampla liberdade de expressão e crítica.

Já é hora de a esquerda identificada com o castrismo desfazer-se de seu arsenal de calúnias e acusações estalinistas e debater essas questões de forma franca, com ideias e argumentos.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Renúncia do Papa expõe crise no Vaticano

Do site do PSTU
Na última segunda-feira, 11, o papa Bento XVI anunciou que vai renunciar ao pontificado no próximo dia 28 de fevereiro. Seria muito simplista acreditar nas suas justificativas: Joseph Ratzinger, ou Bento XVI, alega estar velho e cansado para continuar à frente da Igreja. Parece mais, na verdade, uma retirada tática, ou melhor, uma forma de lidar com a crise pela qual o catolicismo está passando e de tentar evitar um possível aprofundamento causado pela abertura de uma disputa de poder descontrolada após a morte do papa.

Joseph Ratzinger foi escolhido para sucessor de Karol Wojtyla, o João Paulo II. Ele já trabalhava há 24 anos ao lado de João Paulo II, como responsável pela Congregação Doutrina da Fé, o novo nome da Santa Inquisição. Bento XVI, em sua juventude, foi membro da juventude hitlerista. Ele ficou conhecido por seu ultraconservadorismo. Ratzinger, entre outras barbaridades, combateu os homossexuais, o sexo sem fins reprodutivos, os movimentos feministas, os métodos contraceptivos, o divórcio.

Igreja em crise
Pode parecer forçado fazer algumas analogias históricas, mas não se pode desconsiderar que a última renúncia, de Gregório XII, aconteceu em 1415 em meio a uma das maiores crises da Igreja, durante a chamada Grande Cisma, quando existiam, na prática, três papas. Por trás de tudo isto, estava o colapso final do feudalismo e, principalmente, do teocentrismo com todos os seus significados. Ser obrigado a renunciar agora parece uma tentativa de se localizar diante de uma crise de proporções distintas, mas profundas. Em suma, talvez o papa não tivesse mais condições físicas de se colocar à frente do Vaticano para lidar com coisas bem concretas: os escândalos de pedofilia, as denúncias de corrupção etc.

Contudo, independentemente da linha dura de Bento XVI, a Igreja tem perdido espaço não só institucional, com o crescimento dos evangélicos e pentecostais, mas também em termos ideológicos. Por mais contraditório que seja com o aumento da opressão no mundo, os movimentos têm arrancado algumas conquistas que acabam resgatando o caráter secular e laico na legislação sobre o aborto, a união civil LGBT etc. Neste sentido, a figura de Bento XVI está grudada demais às suas declarações ultraconservadoras sobre o assunto. Seu afastamento não significa uma mudança de postura, mas pode ser uma maneira de envernizar a cara retrógrada da Igreja e diminuir a podridão que vem cada vez mais à tona.

De qualquer forma, mais do que tirar o time de campo, Bento XVI conseguiu garantir que continuará comandando a transição nos bastidores. Independentemente de qualquer possível adaptação às novas necessidades ou de qualquer que seja a nacionalidade do novo pontífice, as linhas gerais do Vaticano continuarão as mesmas.