quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Haiti precisa de médicos, não de soldados



Da Redação do OPINIÃO SOCIALISTA - PSTU


O povo haitiano começou a enfrentar a Minustah, a tropa de ocupação estrangeira liderada pelo Brasil. Depois do desastre causado pelo terremoto de janeiro e do fracasso da operação de ajuda internacional, os haitianos continuam vivendo em acampamentos em Porto Príncipe. A epidemia de cólera tornou a situação intolerável. Mais ainda ao se saber que foram soldados nepaleses da Minustah que trouxeram o cólera para o país. O povo começou a se rebelar.

Houve mobilizações de rua violentamente reprimidas pelas tropas em Le Cap – segunda cidade mais importante do país – que causaram duas mortes. Em Porto Príncipe, no dia 18, os manifestantes enfrentaram e puseram para correr a polícia haitiana. Depois de reprimidos duramente pela Minustah, parte do acampamento de Champ de Mars também se rebelou. Nos braços, os haitianos levavam ramos de árvores, que na simbologia vudu quer dizer enfrentamento até a morte. Os soldados da Minustah fugiram.

A tentativa do governo e das tropas de ocupação de controlar a situação com uma forte repressão não está dando certo. Tampouco as eleições presidenciais, que vão ocorrer no próximo dia 28, atraem a atenção da população. Pode haver uma abstenção gigantesca.

Até hoje, os trabalhadores brasileiros acreditam que as tropas brasileiras estão no Haiti em missão humanitária. Na verdade estão lá para garantir a ordem, a aceitação do plano econômico das multinacionais têxteis que produzem jeans no Haiti pagando salários miseráveis. Os soldados não fizeram nenhuma rede de esgotos ou de água em seis anos de ocupação. Em compensação reprimiram muitas greves e manifestações de protestos.




Uma gigantesca operação de mídia passou uma ideia de um grande papel das tropas no salvamento dos feridos depois do terremoto. Tudo mentira: as tropas se dedicaram a proteger seus quartéis, sem nenhum papel real no resgate dos feridos. Por isso foram salvas apenas 150 pessoas quando morreram 250 mil haitianos.

O fracasso da operação de ajuda internacional pode ser comprovado nos dias de hoje: um milhão e meio de pessoas seguem vivendo em acampamentos em Porto Príncipe. Na realidade se transformaram em favelas permanentes sem água ou esgoto.

Agora a epidemia de cólera pode devastar esses acampamentos. Essa doença se alastra pelas fezes dos pacientes contaminados. Toda a capital do país se transformou em um gigantesco multiplicador da doença... e também em um barril de pólvora.

Dor e revolta sacodem o povo haitiano. As tropas trouxeram o cólera. As tropas reprimem suas mobilizações. As tropas não reconstruíram o país. As tropas...

Pode ser que as imagens dos soldados atirando contra o povo acorde os brasileiros. Trata-se de uma vergonhosa repressão contra um povo sofrido e explorado. O Haiti precisa de médicos e não de soldados. Exigimos do governo o imediato retorno das tropas brasileiras.

Chamamos a uma campanha classista de solidariedade aos trabalhadores haitianos. Não confiamos no governo Préval, nem nas tropas de ocupação. Por isso propomos o envio de médicos, enfermeiros e remédios, junto com Batay Ouvriye e outras organizações de luta do povo haitiano.

[ 23/11/2010 10:28:00 ]

terça-feira, 23 de novembro de 2010

POR QUE VOTAMOS NO PROFESSOR JUCA

Apesar de não ser eleitor no processo de escolha do novo Reitor da UEMA, incorporo este texto do companheiro Carlos Leen que está disponível no seu blog.


Para ver a cara de decepção da supra “intelligentsia” neo-conservadora que assolou boa parte do sistema administrativo da Uema. Para ver as dondocas e doutoras-madames com seus xiliques esganados terem que engolir ver um negro, rastafari, de chinelas de couro conduzir os rumos da universidade que não se restringirá somente a formar cidadãos para o mercado, mas também transformadores dessa sociedade.

E principalmente, meu voto em Prof. Juca é ideológico. Com ele na reitoria teremos mais chances de ver a tão sonhada descentralização acadêmica e administrativa sair do papel.

Voto em Juca para que ele inicie sem vacilar as articulações com o poder político para programar o PCCS (Plano de Cargos, Carreiras e Salários) dos servidores.

Eu voto em Juca para que os Diretores de curso e os Chefes de Departamento possam exercer suas responsabilidades acadêmicas junto ao sistema de controle acadêmico, ou seja, a descentralização da gestão do sistema acadêmico.

Eu voto em Prof. Juca para nunca mais ter que ver uma Universidade Estadual do Maranhão servir de trampolim político de candidaturas sem compromisso com os rumos da educação superior no estado. De gente que não almeja outra coisa há não ser o poder pelo poder, que desvia milhões inadvertidamente enquanto os estudantes vêem-se obrigados a comer “sticks” de frango no RU por uma semana, com as bolsas de estudos atrasadas.

Autonomia acadêmica e administrativa para a Universidade, rompimento ideológico e físico dos muros que separam academia e sociedade, superação total dos interesses coletivos frente aos interesses imediatos e individualistas de grupos, apropriação da estrutura da universidade para fins sociais e ambientais e não somente mercadológicos com dignidade para os trabalhadores (as) e estudantes da instituição. Estas e tantas outras pautas é que me fazem declarar abertamente o voto em Professor Juca.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

RACISMO E INTOLERÂNCIA CONTRA O DIGNO E LUTADOR PROFESSOR JUCA, CANDIDATO A REITOR DA UEMA


Professor Juca, NEGRO e LUTADOR em defesa da UEMA.


Publicado no Blog do Professor Paulo Rios

No dia 14 deste novembro, o Sr. Marco Aurélio D’eça [blogueiro do coronelismo eletrônico miranteano] lançou um post denominado “candidato a reitor da Uema desrespeita decisão do Consun e mostra desconhecimento da lei”. O candidato a que se refere o Sr. blogueiro trata-se do professor Joaquim Teixeira Lopes, o Juca; querido de seus alunos e respeitado pelos professores da universidade desde sua admissão na instituição no ano de 1981, bem como dos alunos do antigo CEFET, hoje, IFMA.

Não é o caso de jogar ossos e carne de segunda para os cães que ladram nas páginas do Sr. Blogueiro, açulando desta forma o racismo e a mais ampla desqualificação dessa montanha que pariu dezenas de ratazanas de acordo com os inúmeros “comentários” oriundos de mentes insanas e jogados na vala comum.

Meus caros, chamar o professor Juca, de Mussum? O que é isso, cara-pálida? Quem foi o coitado que se escondeu atrás do “nome” Luis Fredson e que não tem coragem de enfrentar o debate sobre os rumos da Universidade Estadual do Maranhão?

Camaradas, tanto o companheiro Juca – candidato a reitor - quanto a professora Célia Costa [candidata a vice-reitora], são docentes que, além de compromissados com o seu mister acadêmico quer seja na pesquisa, no ensino ou na extensão; também são valorosos militantes da luta pela autonomia da universidade pública, democrática e de qualidade e pela melhoria das condições de trabalho e de remuneração, incluindo a luta histórica pela aprovação do Plano de Cargos e Salários dos servidores administrativos.

Ambos foram e continuam sendo protagonistas de inúmeras conquistas do corpo docente, a exemplo das paralisações e greves nos governos de Roseana Sarney, Zé Reinaldo e Jackson Lago. Estas lutas permanentes, durante a primeira década do terceiro milênio, revelaram a liderança e o respeito da ampla maioria dos professores, alunos e servidores técnico-administrativos da UEMA.


Quanto ao douto Sr. blogueiro que afirmou que o professor Juca havia “desrespeitado” (sic!) o casuísmo perpetrado pela maioria do Conselho Universitário e em retribuição ao atual reitor, tornou-o candidato a tri-reeleição, ou melhor, o candidato a chefe de uma ditadura civil no âmbito da universidade e, talvez, ainda, mais um caudilho a dirigir a UEMA, como nos velhos/novos tempos de autoritarismo e atraso na condução dos destinos de nossa instituição de ensino superior.

Acaso o Sr. blogueiro e seus “comentaristas” não saibam, o art. 34 do Estatuto da UEMA requer o quorum qualificado de dois terços de seus integrantes, referendado pela comunidade universitária (docentes, servidores técnico-administrativos e discentes), devendo, ainda, ser aprovado através de Decreto pelo governador(a) do estado.

Se o Sr. blogueiro sente saudades do autoritarismo e de seus casuísmos, a exemplo do famoso “Pacote de abril”, do general-presidente Ernesto Geisel e da criação do senador biônico. A propósito, será que o Sr. blogueiro e seus “comentaristas” querem criar o reitor biônico?

Para concluir, devo refutar a acusação do Sr. blogueiro de que o professor Juca faz a “política rasteira”. Nós sabemos muito bem quem é que faz e fez a política rasteira, corrupta, patrimonialista, sem nenhuma transparência, aparelhamento do gabinete para fins eleitoreiros e negação da democracia interna na universidade. São exatamente as mesmas figuras que, sintonizadas com a oligarquia Sarney/Roseana, criaram uma oligarquia interna dentro da UEMA e mandam e desmandam, a exemplo de César Pires, Waldir Maranhão, José Augusto e os demais satélites que pululam em torno desse grupo.

Essa tentativa do Sr. blogueiro miranteano de legitimar essa ilegal e antidemocrática manobra e o casuísmo adstrito a essa imoralidade deve ser enfrentado, de modo que os setores combativos e democráticos têm o desafio de impedir a perpetuação no poder de pessoas ou grupos, o que tem levado à privatização aberta da universidade, situação incompatível com os valores democráticos e com os anseios da comunidade universitária da Universidade Estadual do Maranhão.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A DANÇA DAS MOEDAS. Por JOSÉ MARTINS.

Não é fácil encontrar uma moeda capaz de cumprir o papel de equivalente universal do valor. Desde o final da 2ª Guerra (1945), aos trancos e barrancos, o dólar cumpre esse papel. A dificuldade é maior ainda quando se procura substituir o dólar dessa função por uma ficção burocrática qualquer e imaginar que isso possa ser a coisa mais simples do mundo.



Sempre que volta a discussão sobre o valor das moedas internacionais, nunca é demais lembrar aquela brincadeira de Marx, parafraseando o liberal inglês William Gladstone, de que “nem mesmo o amor enlouqueceu tanta gente quanto as cogitações acerca da essência do valor da moeda”. Na insana discussão do G20 (as 20 maiores economias do mundo), em Seul, na última semana, por exemplo, os dirigentes do moderno sistema imperialista, principalmente seus capatazes das economias dominadas da América Latina, Ásia, etc. se contorciam mais uma vez em torno daquelas perigosas cogitações.



Para Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, antigo Secretário do Comércio dos Estados Unidos, por exemplo, a solução para as atuais turbulências cambiais seria um “novo sistema monetário usando o ouro como moeda padrão de reserva internacional”. Um alto burocrata norte-americano com medo do dólar norte-americano? Se assim o fosse, ele poderia ter aproveitado esse momento de suprema sapiência e formulado de maneira completa o único modelo capitalista de comércio internacional possível de funcionar com a volta da “relíquia bárbara” de que falava Keynes na reunião de Bretton Woods, em 1945: a volta simultânea do mercantilismo (1).

SAUDADES DA ERA DOURADA – No início do século 21, em tempos de novas ondas de superprodução de capital e suas catastróficas conseqüências, os economistas tornam-se mais românticos do que nunca. Procuram, pelo menos no discurso, imaginar a segurança de tempos em que a produção de capital ainda era ainda muito incipiente. Tudo era bem menos perigoso para os piratas chegando à Ilha do Tesouro do que para os capitalistas sobrevoando Wall Street com helicópteros de Bernanke abarrotados de quase um trilhão de dólares.

Na época do mercantilismo, não era preciso acumular capital, bastava saquear e entesourar reservas internacionais (ouro e outros metais preciosos). Ou, em suas etapas mais avançadas, bastava para um país, alem de saquear o próximo, vender mais mercadorias para o exterior do que comprar: exportar era a solução! Bastava gerar superávits comerciais cada vez maiores e acumular ouro, muito ouro. E entupir o tesouro nacional com inúteis reservas internacionais. Mas a conta dessa preguiça histórica não demorou muito a chegar. Lembram do fim que levou Portugal, Espanha, grandes potências da era mercantilista clássica (2)?

Questionado sobre essa proposta de Zoellick, o conhecido economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, preferiu inteligentemente considerá-la como uma bobagem: “A idéia de um papel monetário para o ouro foi uma idéia que ele jogou para o ar. Acho pouco provável que ele tenha uma idéia completamente formulada sobre o tema, ou que ele vá aparecer mais tarde com uma proposta completamente desenvolvida. É apenas uma idéia pela metade que escorregou para dentro do discurso antes de ser completamente pronta. Acho que vai escorregar para fora e desaparecer muito rapidamente” (3)

Pelo menos alguém ainda procura manter a compostura e manter a discussão em níveis aceitáveis. Não é o caso, infelizmente, de um ilustre economista brasileiro, atual ministro da Fazenda, que andou propondo, com ares de grande originalidade, uma “cesta de moedas” como nova referência monetária internacional, quer dizer, uma nova e revolucionária moeda padrão de reserva internacional, substituindo o dólar norte-americano. A proposta de Guido Mantega disputa pau a pau com a de Zoellick o primeiro lugar das insanidades proferidas na última reunião do G-20 em Seul. Para ajudar no voto de nossos leitores para decidir quem deve ganhar tão valoroso prêmio, vamos a mais detalhamentos da originalíssima proposta

A “CESTA” DE MANTEGA – Essa panacéia do ministro brasileiro para todos os problemas do mercado cambial mundial, além de não ser nem um pouco original como proposta, já existe praticamente há bom tempo. Desde Bretton Woods, final de 1945, logo depois de encerrada a 2ª Guerra Mundial, a proposta da delegação inglesa (chefiada por Keynes) propôs o Bancor para substituir o ouro como padrão de reserva internacional.



O Bancor seria exatamente uma cesta das principais moedas conversíveis do sistema. A proposta foi recusada pela delegação norte-americana, não só porque o Bancor não passava de uma ficção burocrática, ninguém poderia apoiar uma coisa que não poderia funcionar, mas porque a “proposta” norte-americana era simplesmente a imposição do dólar, sua moeda nacional, como a nova moeda padrão de reserva internacional. Foi aprovada.

Em 1969, talvez para brincar de especialistas em moeda, os burocratas do FMI criaram um frankstein parecido ao Bancor, chamada Direito Especial de Saque (DES). Não passa de um título bancário pela metade, sem grande utilidade. O DES não circula no mercado privado, só entre bancos centrais. Seu valor é determinado pela variação média da taxa de câmbio do dólar, euro, libra inglesa e iene japonês. Mais precisamente, através de média ponderada: soma de uma quantia específica das 4 moedas com a cotação em dólar estadunidense, com base nas taxas diárias de câmbio do mercado de Londres. Quer dizer, além de não cumprir na prática o papel de uma verdadeira moeda (e nem de uma “quase-moeda”, como um título público qualquer), a cotação diária do DES é dada em dólar norte-americano! Girou, girou, e caiu no colo da moeda padrão de reserva de fato. Como foi dito antes, não é fácil encontrar uma moeda capaz de cumprir o papel de equivalente universal do valor.

Assim, a única e grandissima novidade da “cesta de Mantega” é que seu autor propõe, sem qualquer preocupação com o ridículo, que além das moedas conversíveis do DES, sejam incluidos também o real, o yuan chinês, a rúpia indiana, o rublo russo e outros rebotalhos sem qualquer conversibilidade no mercado mundial real de moedas. Talvez com tão nobres companhias, o DES verde-amarelo de Mantega pudesse aposentar o dólar e reinar galhardamente por um mundo do capital lindamente pacífico e pleno de boas intensões.




O problema, então, é que o ministro brasileiro se esqueceu de explicar: primo, por quê o DES do FMI (composto por uma cesta de moedas fortes, plenamente conversíves) não consegue cumprir nenhuma função de moeda padrão de reserva internacional nas trocas reais de mercadoria e fluxos de capitais internacionais? Secondo, por quê sua proposta de um DES dos pobres – que sem nenhuma explicação agrega ao grupo de moedas fortes do DES do FMI um um monte de moedas fracas, não conversíveis, que ninguem no mundo tem confiança e que, portanto, ninguém aceitaria em suas trocas internacionais – cumpriria na prática esse monopólio de nova referência monetária internacional?

Fazendo a crítica das insanidades teóricas da economia vulgar chegamos a alguns importantes problemas ligados á estrutura do mercado monetário e cambial internacional. Afinal, como se distribuem as diversas moedas nacionais no tabuleiro do sistema monetário mundial? Por quê, na aparência, as moedas nacionais circulam com direitos iguais, mas, na realidade prática do sistema, algumas poucas moedas fortes monopolizam a conversibilidade da grande maioria de moedas fracas? O que é valor e o que é taxa cambial de uma moeda nacional? O que, além das taxas cambiais, confere verdadeiramente valor (e confiança) a uma moeda nacional nas trocas internacionais? Responder a essas perguntas é a primeira condição para se entender melhor as turbulências monetárias e cambiais atuais e as suas perspectivas. É o que procuraremos fazer no próximo boletim.

Citações
1 O mercantilismo clássico (doutrina de gerar superávits comerciais crescentes e acumular montanhas de ouro) predominou nos primórdios do moderno regime capitalista de produção – período 1500 a 1750. Smith e Ricardo gastaram muita tinta para demonstrar a imbecilidade desta idéia de se privilegiar o comércio exterior como motor do desenvolvimento econômico.

2 Pode parecer incrível, mas até hoje a quase totalidade dos países dominados segue a doutrina mercantilista. Não exatamente aquela doutrina clássica portuguesa, espanhola, etc., mas a doutrina neomercantilista da etapa atual do imperialismo. A totalidade das economias dominadas da periferia do sistema, carinhosamente chamados de “emergentes” na linguagem imperialista, seguem em maior ou menor grau essa doutrina dos tolos de gerar superávits comerciais e acumular reservas internacionais. A China é o exemplo mais evidente dessa forma de submissão imperialista. O “socialismo de mercado” é uma enorme Cingapura. Isso faz parte do desenvolvimento desigual e combinado do mercado mundial que já cansamos de detalhar em boletins anteriores.

3 Valor Econômico –“Para Eichengreen, Fed acerta ao tentar evitar uma deflação nos EUA”– 10/11/2010.

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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

G-20 termina em fracasso em Seul

Reunião dos chefes de Estado das 19 maiores economias do mundo e a UE termina sem qualquer medida contra a guerra cambial

Da redação do Opinião Socialista

Como era esperado, terminou em fracasso a reunião do G-20 realizada nesses dias 11 e 12 de novembro em Seul. Após dois dias de discussões, os chefes de Estados das 19 maiores economias do mundo e a União Europeia divulgaram um documento que não aponta qualquer perspectiva de resolução para a guerra cambial travada entre os países.

Entre as ações anunciadas pelo vago comunicado final está a criação um sistema para detectar desequilíbrios financeiros e cambiais. Tal medição ficaria a cargo do FMI, e os critérios que os países deverão seguir seriam definidos em 2011. A falta de acordo entre os chefes de Estado, porém, joga essas medidas na coleção “boas intenções” logo esquecidas, ao lado de tantas outras anunciadas na sucessão de reuniões e cúpulas entre 2008 2d 2009, como a regulação do sistema financeiro.

Por outro lado, a ideia de que os EUA se submeteriam a uma autoridade externa, mesmo que seja o FMI, não deixa de ser ingênua. Para se ter uma ideia, o próprio EUA haviam se comprometido, em reunião realizada pelos ministros das finanças do G20 duas semanas antes do encontro de cúpula, a não alimentar a guerra entre as moedas. Poucos dias depois, anunciava o megapacote de 600 bilhões de dólares, desvalorizando ainda mais o dólar.



Impasses

Atrás das palavras vazias estava o impasse que marcou toda a reunião. O problema que monopolizou a reunião permanece: a guerra cambial como uma forma disfarçada de protecionismo. Na prática, o G-20 não só não tomou qualquer medida contra as manipulações do câmbio, como em parte legitimou o vale-tudo nas moedas.

A declaração final apenas “sugere” que os países se abstenham de mexer no câmbio, ao mesmo tempo em que permite “medidas macroprudenciais cuidadosas” aos países que se sentirem afetados. Ou seja, fica tudo como está. Coisa que não é nada desvantajosa aos EUA, que permanece tendo controle absoluto na emissão da moeda de reserva internacional e continua fazendo o que bem entende.

Novo momento da crise
A atual guerra cambial expressa um novo momento da crise econômica internacional. A crise explodiu no final de 2007, levando pânico aos governos e mercados. Para enfrentá-la, lançou-se mão de pacotes de ajuda aos bancos que consumiram trilhões de dólares. Se por um lado essa ajuda evitou um crash como o de 1929, por outro ele colocou vários países, incluindo as principais potências, à beira da bancarrota.

Nesse novo momento da crise, os países tentam debelar a crise através de ataques aos trabalhadores, como ocorre em praticamente toda a Europa, e de protecionismo comercial com o câmbio. Cada país tenta elevar suas exportações depreciando sua moeda e tornando os produtos mais baratos no mercado externo.

Foi justamente o protecionismo que transformou o crack de 1929 na longa recessão que se estendeu por toda a década de 1930. A crise econômica nos EUA e na Europa e o impasse expresso na última reunião do G-20 mostram que o fantasma de 29 continua bem vivo.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Cem anos da Revolta da Chibata: Uma luta de raça e classe

Júlio Condaque e Maristela Farias,
da Secretaria Nacional de Negros do PSTU

João Cândido foi a referência da Revolta da Chibata, levante popular dos marinheiros negros ocorrido em 22 de novembro de 1910, no Rio de Janeiro. Isso porque ele havia tido a oportunidade de participar de cursos em outros países e de presenciar a organização operária e dos marinheiros que fizeram a primeira greve naval na revolução russa (1908).




Essas experiências internacionais lhe deram destaque na liderança da revolta popular. Segundo o historiador Nascimento, outras lideranças estiveram envolvidas, como Ricardo Freitas, Francisco Dias Martins (“O Mão Negra”), que escrevia as cartas ameaçadoras, cabo Gregório, entre outros. Apesar de o objetivo principal da revolta ser o fim dos castigos corporais, os marinheiros também lutavam por melhores condições de trabalho, contra os baixos salários na Marinha e o tratamento discriminatório das elites dos oficiais.

Naquela época, a partir da luta direta da armada militar, que acabou paralisando o Rio – então capital do país – por uma semana, a burguesia foi obrigada a se curvar às reivindicações dos marinheiros. Os castigos corporais “seriam” o último elo ainda existente com a época imperial e o regime da escravidão, apesar de já haver se passado 22 anos da abolição da escravatura.

Mas os marinheiros que fizeram história foram apagados do passado do Brasil, por serem negros. É importante lembrar que esses trabalhadores negros e pobres incluíam em suas reivindicações outras várias da classe trabalhadora em geral, num cenário em que as elites criminalizavam as lutas proletárias, que estavam começando na formação dos sindicatos de base operária.

Essa luta teve uma vitória parcial, mas foi comemorada pelos marinheiros com um “viva a liberdade”. Porém, durou pouco, pois o poder vigente das elites conservadoras se reagrupou para atacar os líderes da revolta um mês depois.

As elites militares não tinham como ordenar a prisão imediata dos marinheiros anistiados. Mas, se aproveitando de um episódio acontecido no Rio Grande do Sul, um novo levante de marujos que não foi bem sucedido, lançaram seu ataque aos líderes da Revolta da Chibata. Em novembro, os marinheiros anistiados foram então arrolados, por meio de provas como bilhetes e denúncias feitas por superiores diretos da Marinha de Guerra.

O governo Hermes da Fonseca conseguiu instalar o estado de sítio, ordenando a prisão dos 18 marinheiros da revolta, entre eles João Cândido. Foram então encaminhados para o presídio na Ilha das Cobras, onde sofreram torturas e muitos morreram. O horror da prisão levou João Cândido a ser internado no Hospício Nacional de Alienados para exames de sanidade mental, ficando 22 dias nesta instituição.

Havia todo um cenário de aumento da carga de trabalho e de pouca valorização das classes subalternas. O governo brasileiro usou naquela época o processo de vinda de imigrantes europeus para a política de branqueamento da população, com os incentivos de terra e moradia aos europeus. Essa política foi utilizada como forma de fragmentar e colocar diferenças entre a classe trabalhadora para melhor explorar e oprimir.

A lei de anistia de João Cândido veio aumentar a contradição do Estado brasileiro, que usa o mito da democracia racial (todos são iguais perante a lei) para tentar apagar o passado de crimes. Ainda nos dias de hoje, é possível ver a história se repetir, pelas mãos de Lula. Recentemente, o governo – com o apoio de algumas organizações negras – comemorou a aprovação de um estatuto da “igualdade racial” esvaziado de suas propostas fundamentais, sem as cotas para negros nas universidades, nos partidos e no serviço público, excluindo a garantia do direito à titulação das terras quilombolas e indígenas, sem a defesa e o direito à liberdade de prática das religiões de matrizes africanas.

O estatuto também não se posiciona sobre a proteção da juventude negra, que sofre verdadeiro genocídio por parte das polícias militares dos estados, em especial no Rio de Janeiro, onde existe uma política de faxina étnica (preparando a cidade para a Copa do Mundo e a Olimpíada). Além disso, não caracteriza o escravismo e o racismo como crimes de lesa-humanidade, conforme acordo internacional do qual o Estado brasileiro é signatário.

Por si só, o estatuto já é um retrocesso a todos os avanços que tentamos conquistar ao longo dos anos. Sob a justificativa da constituição de um marco legal que representaria o reconhecimento da desigualdade racial no Brasil, na realidade foi aprovado um documento de sugestões ao Estado.

domingo, 7 de novembro de 2010

Dilma, o governo Lula e a luta da população negra: entre o gabinete e a rua , o que fazer?


Professor da UFMA, militante da CSP - CONLUTAS
e do Movimento Quilombo Raça e Classe

No dia que entrou em vigência o Estatuto da Igualdade Racial a presidenciável do PT, Dilma Rousseff, dedicou o seu programa eleitoral ao que ela chamou de grande avanço da democracia brasileira. Não parou por aí. Trouxe, em seu discurso pérolas há muito desmistificadas pelo movimento negro como a do Brasil mestiço, onde não ocorre ódio racial e todas as raças se respeitam mutuamente formando uma nação harmônica e democrática, precisando apenas alguns ajustes. Não fosse trágico poderíamos pensar ser uma piada. Mas não era!

Tal afirmação não era apenas um jogo retórico de uma presidenciável. Pelo contrário, demonstra um projeto de país que acredita e difunde a Democracia Racial como pressuposto de legitimação do poder existente e da ordem necessária para se atingir o progresso. Qualquer semelhança com o ideário racista e positivista do inicio da República que empurrou a população negra para a marginalidade associando democracia e coesão racial, não é mera coincidência!

Este projeto consubstanciado no discurso eleitoral avança para além da verborragia descontextualizada para se materializar, enquanto projeto de país, na destruição das reivindicações históricas do movimento negro emblematizado na farsa do Estatuto da Igualdade Racial, na invasão do Haiti e no assassinato de milhares de crianças, homens e mulheres negras pelo exército de Lula e pelo veto dos artigos que tratam de financiamento da Lei 10.639/03. Ou seja, enquanto projeto de nação, você reconhece a diversidade etnicorracial do povo brasileiro e a mantém no plano ético, moral e intelectual, isto é, afirma a necessidade de se respeitar a diversidade como atitude intelectual e cultural, mas no plano concreto da materialidade não oferece nenhuma condição de implementação e implantação. Resultado esperado: a população negra mais uma vez será responsabilizada pelo seu lócus social na sociedade de classes. A lógica é simples: - se foi garantida as oportunidades, qual será a razão da pobreza social dos negros e negras. A resposta é velha: a incapacidade intelectual e moral dos negros e negras. Mais uma vez, qualquer semelhança com o ideário racista do inicio da República que empurrou a população negra para a marginalidade associando democracia e coesão racial, não é mera coincidência!

É por isso que as ações do governo do PT, muito habilmente, absorvem as demandas do movimento negro e as adequam ao estatuto puramente jurídico abstrato formal sem nenhuma ação real e concreta para torná-las implementadas e implantadas. É dessa forma que se garante a introdução da lei 10.639, no plano jurídico, mas não se garante o financiamento, nem a estrutura suficiente para a formação e viabilização da lei. Qualquer militante honesto do movimento negro sabe disso! É por isso que o governo e Dilma se vangloriam do Estatuto da Igualdade Racial retirando todos os parágrafos e ações que realmente mudavam alguma coisa na estrutura desigual desse país, mantendo inclusive a famigerada ideia de Democracia Racial. É um verdadeiro presente de grego – um presente ao estilo europeu fornecido pelos democratas do DEM e da bancada rural com o conchavo petista – para os pretos e pretas do Brasil. Levante o braço a entidade do movimento negro que também está nesse conchavo!

A direita liberal e/ou neoliberal tem bem claro seus aliados e/ou seus inimigos. A Frente Popular liderada por Lula e agora por Dilma também tem! Com uma diferença. Enquanto a direita neoliberal tem os movimentos sociais como inimigos, a direita travestida de esquerda conhece a força dos movimentos sociais e sabe (infelizmente) como cooptá-los. Sabendo que precisa de base de apoio que vá para além das oligarquias e da burguesia, a Frente Popular manipula e utiliza as lideranças como forma de anestesiar as reivindicações numa espécie de contrato social – outro presente à moda européia (?) - entre a elite e os movimentos sociais. Os movimentos sociais adestrados tergiversam e criam manobras linguísticas utilizando todo arsenal do português para afirmarem que “poderíamos ter mais, porém já avançamos muito”.

A questão, no entanto, não é se poderíamos ter conquistado mais, e sim, o que realmente poderíamos ter conquistado e o que realmente conquistamos e perdemos. Todo governo de Frente Popular, em sua função mediadora entre os exploradores e opressores e os movimentos sociais sabe magistralmente conceder com uma mão e retirar com a outra. O que se concede é maior e mais qualitativo do que o que se retira? Os artigos retirados da lei 10.639/03 valem menos que os outros? Vejam o Estatuto da Igualdade Racial, a invasão do Haiti, as secretarias sem orçamento e tantas outras medidas que estão na base e sustentam qualquer política pública que realmente se pense em fazer funcionar. Mas o pior não é isso!

O pior está no silêncio (dos vencidos?) de alguns movimentos sociais que ao se adaptarem à função mediadora do governo Lula e da proposta de governo de Dilma não apenas abandonam a rua para se tranca(fia)rem em escritórios com ar condicionados – à moda europeia ?– mas constroem um arsenal discursivo que joga na lata do lixo qualquer história militante e qualquer desconstrução simbólica que décadas e décadas foram necessárias para se fazer ouvir e sentir.

É por essa razão que ouvimos essencialismos conservadores como apoiar Dilma apenas por ser mulher. O essencialismo é uma marca da direita racista, é sua cria pseudocientífica. Atrelar a capacidade intelectual e moral à condição de sexo ou etnicorracial é criação racista da direita. Entrar nesse campo é jogar o jogo da elite que não faz parte de nossa história, de nossa memória e de nossa resistência. Apoiar Dilma por ser a primeira mulher presidente é reproduzir o discurso marginalizador da burguesia e reafirmar o essencialismo hierarquizado do ser humano. Se fosse um jogo de xadrez: - Xeque da direita!

Sabemos que o Estado apesar de ser um instrumento da burguesia para dominar é composto por contradições e que devemos atuar nessas contradições para atingir conquistas democráticas. Saber disso, no entanto, não nos autoriza a compactuar com um governo que mente, abusa da corrupção e empreende ou apoia o extermínio da juventude negra, da venda do pais, do desmonte da Universidade e do funcionalismo público que afeta indiscutivelmente a grande maioria da população negra do Brasil. Para atuar nas contradições do Estado, este Estado tem que estar sob o nosso controle, caso contrário, somos nós que estamos sob o controle dele.

Aos movimentos que chamaram voto a Dilma e a apóiam sintam-se a vontade para assumir esse governo como seus, afinal, as ruas, as greves, as passeatas, as barricadas estão pouco a pouco (ou muito em muito ?) deixando de lhes pertencer. Nessa relação entre Estado e movimentos sociais, vocês já são Estado e muito pouco movimento. Por isso a retórica de que podemos ainda conquistar mais... é retórica governista. É retórica lulista, sarneysta, collorista e de tantos outros oligarcas por esse país a fora!

Conquistar ou reconquistar a nossa história de resistência... isso sim, seria uma conquista que orgulharia Zumbi dos Palmares que não aceitou ser Estado opressor e se manteve no fronte de batalha!!

- Aos vencedores (ou vencidos?) reafirmamos: estaremos presente nas ruas, nas passeatas e nas greves entoando as lições de Solano Trintade que nos ensinou por meio de suas poesias – poesias que devemos revisitá-las – que não são irmãos aqueles negros que estão ao lado dos exploradores e opressores, não são irmãos aqueles negros que estão com as multinacionais, são nossos irmãos apenas aqueles negros que continuam lutando pela liberdade e resistência da população negra...

Xeque-Mate da população negra trabalhadora!!!

*

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

POR QUE A ESQUERDA SOCIALISTA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS COMBATIVOS DEVEM MARCHAR COM A PERIFERIA *


*Hertz Dias

Professor de História
Militante do Movimento Hip Hop Quilombo Urbano-
filiado a CSP-CONLUTAS

Politicamente falando a periferia possui, para parte da esquerda brasileira, o mesmo significado espacial que tem para muitos geógrafos e sociólogos, um lugar distante do centro, distante da pólis, distante do eixo das decisões políticas, um lugar sem peso político significativo, portanto desinteressante para o processo de (re) organização da classe trabalhadora. Esse, infelizmente, é o pensamento hegemônico entre nós, um pensamento que homogeneíza a periferia: lá todos são iguais, despolitizados e corruptíveis, então melhor manter distância.

Muito desse olhar é decorrente do ranço economicista e pequeno burguês que infla certa estratégia politicamente equivocada de enfrentamento ao capital: por excelência os meios de produção são o coração do capital; contudo, uma verdade pouco considerada é que o coração não é o seu único órgão vital.

Desde quando a consciência da burguesia alcançou o patamar de classe para si, seu objetivo estratégico sempre foi a tomada do poder para destravar o processo de expansão do capital e consolidar o seu modelo de sociabilidade. Para isso pegaram em armas e armaram o Povo. Hoje o objetivo da classe burguesa é a manutenção de sua reprodução permanente, e para atingir esse escopo tudo é válido, pois em tempos de crise não basta mais só explorar nossa classe, é preciso também exterminar uma parte do seu grosso: para a juventude negra a linha de frente.

O genocídio da juventude negra é política de Estado, do Estado burguês em suas mais diversas facetas, não por que querem, mas por que necessitam. Se o racismo é um trunfo em suas mãos, então por que não usá-lo, ainda que formalmente o condene? É sempre bom lembrar que a burguesia brasileira nasce rasgando a pele da decadente classe escravocrata, conservando, no entanto, ossos, carnes e músculos. Por isso o Brasil, um dos países mais racistas do mundo, foi durante muito tempo apresentado ao mundo como portador da mais perfeita democracia racial. A ideologia racista ressignificada no pós-abolição pela inteligentzia burguesa brasileira contaminou muitos setores importantes da esquerda no país. Em razão disso, durante muito tempo falar em luta contra o racismo no Brasil era considerado um pecado anacrônico, tanto pelas elites quanto pela esquerda. O racismo brasileiro passava a ser visto como uma invenção dos Movimentos Negros. Muito disso foi preservado ao longo dos anos.

Há sim esforços de uma parte ainda minoritária da esquerda em negritudizar a luta pelo socialismo, não por ser charmoso lutar contra o racismo, muito menos em razão de um piegas sentimento humanitário, mas movidos por uma necessidade igualmente revolucionária. Acontece que uma causa dessa envergadura não pode ter uma importância minúscula. No Brasil, o racismo e o capitalismo devem ser tratados com irmãos gêmeos; aliás, gêmeos e genocidas. A MARCHA DA PERIFERIA nasce dessa compreensão.

Em 2006 um grupo de jovens ligados a uma histórica organização de Hip Hop de São Luís do Maranhão, o Quilombo Urbano, resolveram construir as marchas da periferia no intuito de ampliar o diálogo político com os moradores desses bairros pobres, negros e criminalizados, especialmente com a sua juventude. Para a construção das Marchas foi criado o Comitê Pró-Periferia, formado por toda e qualquer entidade que se identifique com o propósito.

Essa iniciativa foi decorrente da percepção de que há uma política deliberada e sistematizada por parte dos detentores do Estado de empurrar a juventude negra para as trincheiras da guerra interna na periferia. Hoje a Guerra Interna é uma necessidade política da direita para controlar socialmente o setor mais explorado e oprimido da classe trabalhadora, é uma guerra da classe na classe, é uma guerra politicamente horizontal; enfim, a guerra interna é uma guerra autofágica.

Diante disso, a Marcha da Periferia surge como pólo contra-hegemônico a esse processo. Em cada atividade construída nos bairros, visando sua realização na semana da consciência negra, há um esforço permanente de buscar a unidade de classe e de raça na consciência desses jovens. Os resultados dessa ação política têm sido fantásticos, porém uma solidão aguda ainda nos toca.

A Marcha da Periferia não se constitui ainda em um movimento de massa, reúne em torno de 500 a 800 pessoas, o que, diante de uma conjuntura de remotos movimentos de enfrentamento contra o Estado burguês, não deixa de ser uma iniciativa plausível. Por isso mesmo a ausência de muitos sindicatos, movimentos e do setor majoritário daqueles que se reivindicam como da esquerda socialista nessa brilhante experiência, única em nível de Brasil, é de saltar aos olhos.

Não sabemos se isso se dá em função da composição étnica dos que marcham, se pelo fato da iniciativa ser de uma organização de Hip Hop (visão culturalista), se por que a maioria dos que marcham não podem fazer greve, pois tem sua força de trabalho rejeitada pelos capitalistas ou ainda simplesmente por ser da periferia, lugar marcado pela violência. O certo é que entre mil desculpas, nenhum convencimento. Felizmente, sem muito apoio político e financeiro a periferia ousa continuar marchando contra o racismo e o capital.

SE A MONTANHA NÃO VAI ATÉ MAOMÉ...

Lênin lembrava que às vezes a consciência das massas poderia avançar para além do que a vanguarda imaginava, afinal, consciências não são mensuráveis. Em sua 5ª edição a Marcha da Periferia ganha novos e forte aliados. O tema escolhido para 2010 foi acertadamente “Reforma Urbana Já”. Essa temática coincidiu com uma conjuntura de enfretamento de diversas comunidades do Maranhão e do Brasil com o grande capital imobiliário e industrial que, para se apossar de terras e riquezas naturais dessas comunidades arvoram-se no direito de organizar até milícias. O Estado, por seu caráter de classe, tem sido conivente com esses empresários quadrilheiros. Assim, por força da história e das condições dadas, a Marcha da Periferia e a Relatoria de Conflitos Urbanos e Agrários resolveram unificar suas agendas.
Dezenas de comunidades da região metropolitana de São Luís estarão presentes na Marcha da Periferia do dia 19 de novembro, caminhando pelo centro comercial até a sede dos governos municipais e estaduais, colocando em pauta suas reivindicações. Por outro lado, as entidades que compõem o Comitê Pró-Periferia, especialmente a CSP CONLUTAS, ANEL e Quilombo Urbano estarão construindo e participando das atividades que ocorrerão nessas comunidades no período de 16 a 18 de novembro. Movimentos de diversos estados do Brasil também estão tentando viabilizar a presença nessas atividades, alguns no intuito de verificar a experiência para construir as Marchas da Periferia em seus estados de origem.

É obvio que não estamos diante de nenhuma luta pela tomada do poder ou para derrubar Roseana Sarney, João Castelo, muito menos Lula ou Dilma, longe disso. Inegável, entretanto, é que para os revolucionários a luta é um campo privilegiado para construção da unidade de classe, para que os trabalhadores e seus filhos reencontrem os caminhos de sua organização política. Setores com características e demandas completamente diferenciadas se encontrarão nessas atividades justamente pela essência da classe a qual pertencem, sabedores ou não disso. A princípio será uma resistência contra a investida brutal do capital nacional e transnacional, mais à frente poderá se transformar em uma contra-ofensiva ao capitalismo. Tudo isso, evidentemente, depende das direções, e nem todas são revolucionárias, algumas inclusive governistas.

A esquerda socialista e os movimentos combativos precisam engrossar esse caldo. Em tempos de ativismo político via internet as ruas solicitam nossa presença. Para além do Quilombo Urbano, para além da periferia, a Marcha da Periferia mais do que nunca é da classe trabalhadora.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dilma ganhou... e agora?

Eduardo Almeida Neto
da Direção Nacional do PSTU e
editor do Opinião Socialista

Dilma Roussef foi eleita presidente. Confirma-se assim o peso da vitória do governo Lula e a coalizão por ele dirigida. O governo ampliou sua maioria na Câmara, passando a ter 402 deputados de um total de 513 parlamentares. Conseguiu ainda a maioria no Senado, que foi palco de derrotas importantes do governo passado, passando para 59, em um total de 81 senadores. Com isso, o governo passa a ter uma maioria confortável no Congresso, algo que Lula não teve no primeiro nem no segundo mandato.


A então candidata Dilma Roussef e seu vice, Michel Temer

Elegeram também a maioria (15) dos governadores, incluindo regiões de peso como Rio Grande do Sul e o Distrito Federal, que estavam nãos mãos da oposição de direita.

Por fim, e mais importante, elegeram Dilma Roussef. Ela nunca tinha antes sido eleita nem para vereador. Agora vai ocupar o cargo mais importante da República. É uma demonstração de força do governo e, em particular, pessoal de Lula, que escolheu a candidata e foi seu principal cabo eleitoral.

A oposição de direita sai duramente derrotada das eleições. Mais quatro anos longe da cadeira presidencial. Pior ainda, tendo de enfrentar Lula em 2014 que sai do governo com mais de 80% de aprovação. Não chegam a estar mortos, já que mantém o governo de 10 estados importantíssimos como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e agora também o Pará. Mas saem derrotados, e muito.

Os motivos da vitória de Dilma
A explicação da vitória governista pode ser encontrada na combinação entre o crescimento econômico e ao papel de Lula e do PT no governo.O crescimento econômico tem sido o maior dos últimos anos, incluindo a retomada pós-crise de 2008. A previsão é de aumento do PIB de 7% em 2010. Isso facilitou muito para Lula e o PT conseguirem soldar uma aliança de colaboração de classes.

O crescimento possibilitou lucros gigantescos (quatro vezes mais que no governo FHC) para as grandes empresas. Lula fez pequenas concessões (reajustes do salário mínimo e Bolsa Família), que levou a um apoio político muito forte entre os trabalhadores.

Lula conseguiu com seus aliados (CUT, Força Sindical, UNE, sindicatos, etc.) controlar o movimento de massas durante seu governo. Em um evento recente da burguesia, com a presença de uma parte importante das mais importantes empresas do país, Lula comparou a situação brasileira com as greves que sacodem nesse momento a Europa e perguntou: “Qual a greve importante que aconteceu aqui nos últimos anos?”

Quem ganhou afinal?
Os trabalhadores acreditam que tiveram uma vitória. Infelizmente somos obrigados a discordar. Em sua cabeça, Dilma expressava a sua luta contra a direita representante da grande burguesia.

Na verdade, a grande burguesia se dividiu nas eleições. Serra foi o candidato da direita tradicional, com uma parte da burguesia industrial e financeira paulista, as grandes empresas da mídia (TVs e jornais), e uma parte do agronegócio.

Dilma foi a candidata de um grande setor da burguesia que cresceu muito no governo Lula e aprendeu a fazer bons negócios com o PT. São os bancos beneficiários das maiores taxas de juro de todo o mundo, a construção civil beneficiária das obras do PAC e do "Minha Casa , Minha Vida", grandes empresas que recebem financiamentos do BNDES. Isso inclui uma parte importante dos bancos (o Itaú e a família Safra, por exemplo), grandes construtoras, mineração (Eike Batista, o homem mais rico do país; Vale, a maior empresa privada), comércio (Abilio Diniz, do Pão de Açúcar), siderurgia (Benjamin Steinbruch, dono da CSN) e muitos outros setores.


Lula e o presidente da Vale, Roger Agnelli

Além disso, é necessário destacar que uma parte da burocracia petista está se transformando diretamente em grandes burgueses como é o caso de José Dirceu e Luis Gushiken.

O imperialismo se manteve eqüidistante nas eleições, satisfeito com qualquer uma das duas opções. É evidente que os governos imperialistas tem excelentes relações com Lula , a ponto de dar-lhe grande destaque nas reuniões internacionais e possibilitar tanto a Copa como a Olimpíada no Brasil. Não é para menos: Lula lhes assegura grandes lucros e estabilidade no Brasil, assim como um papel de aliado nas crises latino-americanas. Além disso, mantém a ocupação militar do Haiti já por seis anos, a serviço do governo dos EUA.

O Finantial Times, expressão do capital financeiro internacional, nas vésperas da eleição apoiou em editorial a candidatura de Serra. Mas os termos em que manifesta o apoio são muito significativos. "Ambos são notavelmente similares. São sociais-democratas que crêem em políticas pró-mercado com forte componente social". No final fala que , com a vitória de Dilma, Lula vai seguir como um presidente paralelo e deve voltar em 2014. E termina afirma: "Ao menos para interromper essa relação com o poder, Serra é a melhor opção para o Brasil."

Em essência, os bancos estrangeiros dizem que tanto Dilma como Serra são confiáveis, mas para evitar que o PT e Lula fiquem no poder por 16 anos, seria melhor que Serra fosse eleito.

Existe uma enorme diferença com o Lula eleito em 2002, que já tinha uma aliança com uma parte da burguesia, mas ainda provocava temores nos setores majoritários do capital. Basta ver a instabilidade financeira naquela época (em que o dólar ultrapassou os R$ 4) e a estabilidade atual. Hoje o conjunto da burguesia encarou a eleição com tranqüilidade (inclusive a que apoiou a oposição de direita), e uma parte importante apoiou Dilma.

Os mais esperançosos poderiam dizer que tanto os trabalhadores como a grande burguesia podem estar certos ao mesmo tempo ao achar que foram vitoriosos com a eleição de Dilma. Isso estaria bem de acordo com a ideologia dominante de colaboração de classes. Mas a vida real não é assim. Em uma sociedade dividida em classes, em geral uma classe ganha quando a outra perde.

Mesmo no crescimento econômico atual isso pode ser visto. Em termos relativos os trabalhadores são mais explorados hoje que no governo FHC. Produzem muito mais, geram lucros gigantescos e ficam com uma parcela menor desse lucro do que antes. Qual a classe que sai vitoriosa das eleições então? A grande burguesia, sem nenhuma dúvida.

Não tiveram apenas uma, mas pelo menos três grandes vitórias.
A primeira delas foi eleger uma candidata que além de ter respaldo da alta burguesia e da maioria do congresso, ainda tem o apoio majoritário dos trabalhadores do país e de suas principais entidades de massas, como a CUT, Força Sindical, UNE, sindicatos, etc. Isso facilita em muito retomar projetos como a reforma da previdência, que já está em estudos.

A segunda foi a situação de relativa estabilidade econômica e política do país na qual se deu as eleições. No debate entre as duas principais candidaturas jamais esteve questionado o plano econômico neoliberal que está sendo aplicado no país. A discussão gerou ao redor de quem seria o melhor gerente para esse plano.

A terceira vitória para a burguesia é passar a ter Lula como uma salvaguarda do regime, que pode ser utilizado em momentos de crises políticas. Ou ainda voltar ao poder em 2014, com a lembrança das massas do crescimento econômico em seu governo.

Quais são as perspectivas?
Os trabalhadores elegeram Dilma sem grande entusiasmo. Não têm expectativas de grandes mudanças, apenas buscam defender as pequenas conquistas como emprego (mesmo precarizado), o Bolsa Familia e os reajustes no salário mínimo.

Mesmo isso, no entanto, estará em questão, caso a crise econômica que já atinge fortemente a Europa se generalize e atinja o Brasil. Se os governos europeus atacam duramente os trabalhadores de seus países pode-se imaginar o que vai acontecer no Brasil.

Já nos dias de hoje o país sofre as conseqüências da crise, com maiores dificuldades para suas exportações e uma inversão na balança de pagamentos (que mede as relações econômicas como um todo com o estrangeiro). No período de crescimento anterior, tínhamos uma balança superavitária. No ano passado já tivemos déficit e vamos a um rombo de mais de 50 bilhões de dólares em 2010.

Como forma de se prevenir da crise, a equipe de governo de Dilma Roussef já está planejando uma reforma da Previdência para o início do mandato. Aproveitando-se do inevitável apoio inicial, o novo governo, pelas notícias da imprensa, já estaria planejando uma reforma que aumentasse a idade para a aposentadoria.

Infelizmente os trabalhadores terão de fazer sua própria experiência de que não foi uma aliada que acabou de ganhar as eleições. Nós queremos fazer esse alerta: o novo governo Dilma vai atacar os direitos dos trabalhadores como vocês nunca imaginariam. É preciso começar a preparar a resistência contra a provável reforma da Previdência do governo Dilma