sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Dez hipóteses de interpretação do fim do ciclo histórico do petismo



Por Valério Arcary, Colunista do Esquerda Online (15/12/2016)

Não deixes que as tuas lembranças pesem mais do que as tuas esperanças
Sabedoria popular persa
1. Pensar o futuro da esquerda depois do impeachment de Dilma Rousseff, e do deslocamento da influência do lulismo sobre a classe trabalhadora, exige perspectiva histórica. Um ciclo político de quase quatro décadas se encerrou com duas derrotas que, embora mais ou menos simultâneas, merecem ser analisadas em separado. Porque têm significado, proporções e sentidos quase inversos. A primeira foi a derrota política do núcleo dirigente do PT diante de suas bases sociais, confirmada nas recentes eleições municipais. A mais importante, porém, foi a inversão desfavorável da relação social de forças que permitiu a posse de Michel Temer e a muito ampla coalizão que oferece sustentação aos planos de austeridade liderados por Meirelles. Enganam-se, dramaticamente, tanto os que consideram que ambas foram regressivas, quanto os que vêm ambas como progressivas. Erros de avaliação estratégica têm consequências diferentes de erros táticos. A história deixou lições incontornáveis.
2. Ao longo deste ciclo histórico ocorreram muitas oscilações nas relações de forças entre as classes, umas favoráveis, outras desfavoráveis para os trabalhadores e seus aliados. Eis um esboço de periodização: (a) tivemos um ascenso de lutas proletárias e estudantis, entre 1978/81, seguido por uma estabilização frágil, depois da derrota da greve do ABC de 1981, até 1984, quando uma nova onda contagiou a nação com a campanha pelas Diretas já, e selou o fim negociado da ditadura militar; (b) uma nova estabilização entre 1985/86 com a posse de Tancredo/Sarney e o Plano Cruzado, e um novo auge de mobilizações populares contra a superinflação que culminou com a campanha eleitoral que levou Lula ao segundo turno de 1989; (c) uma nova estabilização breve, com as expectativas geradas pelo Plano Collor, e uma nova onda a partir de maio de 1992, potencializada pelo desemprego e, agora, da hiperinflação que culminou com a campanha pelo Fora Collor; (d) uma estabilização muito mais duradoura com a posse de Itamar e o Plano Real, uma inflexão desfavorável para uma situação defensiva a partir da derrota da greve dos petroleiros em 1995; (e) lutas de resistência entre 1995/99, e uma retomada da capacidade de mobilização que agigantou-se, em agosto daquele ano, com a manifestação dos cem mil pelo Fora FHC, interrompida pela expectativa da direção do PT e da CUT de que uma vitória no horizonte eleitoral de 2002 exigiria uma política de alianças, que não seria possível em um contexto de radicalização social; (f) estabilização social ao longo dos dez anos de governos de colaboração de classes entre 2003 e junho de 2013, quando uma explosão de protesto popular acéfala levou milhões às ruas, um processo interrompido ainda no primeiro semestre de 2014; (g) finalmente, uma inversão muito desfavorável com as mobilizações reacionárias gigantes da classe média insufladas pelas denúncias da LavaJato, entre março de 2015 e março de 2016, quando alguns milhões ofereceram a sustentação para o golpe jurídico-parlamentar que derrubou Dilma Rousseff, encerrando o ciclo histórico.
3. Este ciclo foi a última fase da tardia, porém, acelerada transformação do Brasil agrário em uma sociedade urbana; a transição da ditadura militar para um regime democrático-eleitoral; e a história da gênese, ascensão, apogeu e declínio da influência do petismo, depois transfigurado em lulismo, sobre os trabalhadores; ao longo destes três processos a classe dominante conseguiu, aos “trancos e barrancos”, evitar a abertura de uma situação revolucionária no Brasil como aquelas que a Argentina, Venezuela e Bolívia conheceram, embora, mais de uma vez, tivessem se aberto situações pré-revolucionárias que foram, habilmente, bloqueadas e contornadas, recuperando-se a governabilidade.
4. A eleição em 2002 de um presidente com origem social na classe trabalhadora em um país capitalista semiperiférico, como o Brasil, foi um acontecimento atípico. Mas não foi uma surpresa. O PT já não preocupava a classe dominante, como em 1989. Um balanço destes treze anos parece irrefutável: o capitalismo brasileiro não esteve nunca ameaçado pelos governos do PT. Os governos do PT foram governos de colaboração de classes. Favoreceu algumas poucas reformas progressivas, como a redução do desemprego, o aumento do salário mínimo, o Bolsa-Família, e a expansão das Universidades e Institutos Federais. Mas beneficiaram, sobretudo, os mais ricos, mantendo até 2011 o tripé macroeconômico liberal intacto: a garantia do superávit primário acima de 3% do PIB, o câmbio flutuante em torno dos R$2,00 por dólar e a meta de controle da inflação abaixo de 6,5% ao ano. Não deveria surpreender o silêncio da oposição burguesa, e o apoio público indisfarçável de banqueiros, industriais, latifundiários e dos investidores estrangeiros, enquanto a situação externa foi favorável. Quando chegou, em 2011/12, o impacto da crise internacional aberta em 2008, o apoio incondicional da classe dominante fracionou-se.
5. Por isso, embora o Brasil seja menos pobre e ignorante que há dez anos, não é menos injusto. O balanço histórico é devastador: a direção lulista se deixou transformar em presa da operação LavaJato, desmoralizou-se diante da classe trabalhadora e da juventude, e entregou as classes médias enfurecidas nas mãos do poder da Avenida Paulista, abrindo o caminho para um governo Temer ultrarreacionário. Não foi para isso que uma geração lutou tanto. Lula conquistou, entre 1978 e 1989, a confiança da imensa maioria da vanguarda operária e popular. A proeminência de Lula foi uma expressão da grandeza social do proletariado brasileiro e, paradoxalmente, de sua simplicidade ou inocência política. Lula conquistou, entre 1978 e 1989, a confiança da imensa maioria da vanguarda operária e popular pelo seu papel corajoso à frente das greves. Uma classe trabalhadora jovem e com pouca instrução, recém-deslocada dos confins miseráveis das regiões mais pobres, sem experiência de luta sindical anterior, sem tradição de organização política independente, porém, concentrada em dez grandes regiões metropolitanas e, nos setores mais organizados, com uma indomável disposição de luta. As ilusões reformistas de que seria possível mudar a sociedade sem um conflito de grandes proporções, sem uma ruptura com a classe dominante, eram majoritárias e a estratégia do “Lula lá” embalou as expectativas de uma geração.
6. A classe trabalhadora não foi capaz de manter o controle sobre as suas organizações e os seus líderes, depois da inversão da correlação de forças entre as classes, em 1995, quando da vitória eleitoral de FHC, embalado pelo Plano Real, e a terrível derrota da greve dos petroleiros. Sem vigilância, o aparato burocrático dos sindicatos agigantou-se, monstruosamente, e o aparelho do PT se adaptou, eleitoralmente, ao regime, e ficou irreconhecível. O PT já tinha demonstrado nas prefeituras, governos estaduais e no Congresso Nacional que era uma oposição ao governo de plantão, mas não era inimigo do regime democrático-liberal de tipo presidencialista que vingou depois de 1985. Não era sequer inimigo irreconciliável do estatuto da reeleição, uma deformação antirrepublicana e, especialmente, reacionária. A burguesia já admitia, desde 1994, que o PT pudesse ser um partido de alternância disponível para exercer o governo em um momento de crise econômica e social mais séria. Lula e Zé Dirceu assumiram, publicamente, mais de uma vez, compromissos com a governabilidade das instituições, exercendo pressões controladoras sobre os movimentos sociais sob sua influência. Lula não foi um improviso como Kirchner. Lula não foi uma surpresa como Evo Morales. Lula não foi considerado um inimigo como Hugo Chávez.
7. É preciso distinguir o que foram os governos do PT, das percepções e ilusões que ainda beneficiam Lula nas pesquisas de opinião para 2018. O crescimento econômico entre 2004 e 2008, interrompido em 2009, porém, recuperado com exuberância em 2010, foi inferior à média do crescimento dos países vizinhos, mas a inflação foi, também, menor. Desde 2011, com Dilma, o Brasil entrou em fase de estagnação econômica e reprimarização produtiva. As medidas contracíclicas foram em vão. Tentou-se um pouco de tudo: (a) a redução da taxa Selic e os financiamentos do BNDES às obras das grandes empreiteiras à frente do PAC (hidroelétricas na Amazônia, as novas refinarias Abreu e Lima e Comperj, as sondas para a exploração do pré-sal); as isenções fiscais; as privatizações generosas de aeroportos; novas e ambiciosas parcerias público-privadas, como os estádios e aeroportos; favorecimento e garantias redobradas aos investimentos estrangeiros; além de sinalização de novas reformas trabalhistas e previdenciárias. A burguesia foi se deslocando, aos poucos, com hesitações, para a oposição.
8. Eis a chave de explicação do sucesso popular dos governos do PT, até que em 2015 Dilma assumiu o programa do PSDB, e rompeu com a base social do lulismo: reduziu o desemprego a taxas menores que a metade daquelas que o país conheceu ao longo dos anos 90; permitiu a recuperação do salário médio que atingiu em 2011 o valor de 1990; aumentou a mobilidade social, tanto a distribuição pessoal quanto a distribuição funcional da renda, ainda que retornando, somente, aos patamares de 1990, que eram, escandalosamente, injustos; garantiu uma elevação real do salário mínimo acima da inflação; e permitiu a ampliação dos benefícios do Bolsa-Família. Foi um governo quase sem reformas progressivas e muitas reformas reacionárias, porém, com uma governabilidade maior que seus antecessores. Mas estes dez anos não passaram em vão. Uma reorganização sindical e política pela esquerda do governo, e das velhas organizações, como a CUT e o PT começou, ainda que o processo de experiência tenha sido lento. O fortalecimento inequívoco do PSOL nas eleições de 2016 sinaliza o que ainda pode estar por vir, mas ainda está em disputa.
9. Algo fundamental mudou em 2016 e subverteu a relação social de forças. As manifestações na Paulista a partir março de 2015 deram visibilidade a núcleos quase subterrâneos, e muito divididos entre si, de uma direita errática, e lograram colocar em movimento, na escala de milhões, setores médios e até, minoritariamente, populares (articulados, predominantemente, a partir de Igrejas evangélicas), e levaram a direita institucional a reboque. Abriu-se no Brasil uma situação defensiva do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores. O julgamento de Lula será tão político como o de Dilma. Qualquer ilusão na neutralidade da LavaJato será fatal. Portanto, o presumível é que ele vai ser condenado, e não poderá concorrer em 2018. É improvável que seja possível incendiar a classe trabalhadora para ir às ruas contra a condenação de Lula, se não foi possível mobilizá-la para tentar impedir o impeachment. No entanto, ninguém na esquerda deveria permanecer neutro diante da manobra política jurídica que tenta impedir Lula de poder ser candidato. Esta operação é uma continuação da ofensiva que começou em março de 2015, e culminou com o impeachment. Só poderemos criticar o PT diante dos trabalhadores, fazendo o balanço dos seus treze anos no governo, se tivermos a grandeza de defender Lula contra o ataque de nossos inimigos de classe.
10. A esquerda sindical combativa, os partidos da esquerda socialista, enfim, todas as organizações revolucionárias, ainda que, lamentavelmente, fragmentados, porém, com um espaço importante de diálogo com a juventude e setores mais organizados dos trabalhadores, não deverão apoiar uma candidatura do PT em 2018, seja quem for o candidato. É possível construir desde já uma alternativa nas lutas e nas eleições. É possível superar a etapa das divisões, e abrir uma etapa de reorganização com unificações e blocos. Ficou provado no Rio de Janeiro com a espetacular mobilização de uma nova militância alcançada em torno de Marcelo Freixo. Dizia-se que, com a crise do petismo, seria tão grande a desmoralização que teríamos que esperar o espaço de uma geração, vinte cinco ou até trinta anos, para que uma alternativa ao lulismo pela esquerda pudesse alcançar influência entre os trabalhadores.Esse foi o argumento mais repetido contra a esquerda anticapitalista. Resumia-se a uma lamentação: não adiantava ter razão nas críticas aos governos do PT, mas não conseguir sair da condição de minoria. A resposta a ela não é difícil: sim, é possível, mas há ainda uma grande pré-condição. Só poderá acontecer quando se levantar uma onda de luta no movimento dos trabalhadores e da juventude. Propostas anticapitalistas não ganham influência de massas a não ser em situações revolucionárias, ou pelo menos transitórias. Entretanto, uma avalanche já começou. A ruptura com o petismo não é algo para um futuro incerto. São muitos milhões que já romperam. É toda uma enorme parcela da geração mais jovem da classe trabalhadora que já perdeu esperança no lulismo. O que há de velho, de apodrecido, de corrompido no movimento dos trabalhadores e da juventude precisa ser deslocado, para abrir o caminho. Acontece que o ritmo dos dois processos não é o mesmo: a ruína da influência do petismo tem sido mais rápida que a construção de novos instrumentos de luta. A questão é saber se aqueles que rompem com o lulismo encontrarão ou não, exterior ao PT, e em oposição irreconciliável ao governo Temer, um polo de esquerda unido e, suficientemente, forte que possa ser um ponto de apoio para a defesa dos seus interesses.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Nem todos os amigos são camaradas, nem todos os adversários são inimigos

Por Valerio Arcary, Colunista do Esquerda Online
Entretanto, não duvido apesar de tudo de que a minha morte hoje seja mais útil que do que a prolongação de minha vida. Caro Liev Davidovitch, estamos ligados por dez anos de trabalho comum e, ouso, esperá-lo de amizade pessoal, e isso me dá direito de lhe dizer no momento do adeus, o que em você me parece ser uma fraqueza. Nunca duvidei da justeza do caminho traçado por você, que sabe que durante mais de 20 anos marchei com você, desde a “revolução permanente”. Mas sempre pensei que faltavam a inflexibilidade, a intransigência de Lenin, sua resolução de ficar, sendo preciso, sozinho no caminho que reconheceu como certo, na previsão da maioria futura, no reconhecimento futuro, por parte de todos, da exatidão desse caminho. Você sempre teve razão politicamente, a começar por 1905, e muitas vezes lhe contei ter ouvido, com os meus próprios ouvidos, Lenin reconhecer que em 1905 não fora ele mas você que tivera razão. Defronte da morte não se mente e o repito, agora, de novo…
Bilhete suicida de Adolf Joffe a Trotsky
Reduzido por uma polinevrite a uma invalidez quase completa, impossibilitando-o de tomar parte ativa nas lutas políticas de então, Joffe não viu outro meio de ainda servir à causa da revolução – do que se matar, dando a sua morte uma significação precisa de protesto contra a exclusão de Trotsky do Partido e o regime de perseguição pessoal, adotado pela direção, na sua campanha contra a Oposição. A sua carta foi encontrada logo após sua morte sobre sua mesa. Não chegou, porém, às mãos de seu destinatário. Os seus funerais em Moscou, no dia 19 de Novembro, tiveram um caráter comovedor. Apesar de realizados nas horas de trabalho, compareceram milhares e milhares de operários, camaradas do Partido, delegações do Exército Vermelho. Foi a última vez que a oposição de esquerda saiu às ruas.
Procurei inspiração nestas linhas de Adolf Joffe para Leon Trotsky antes de escrever este texto. Trata-se de uma carta política dirigida a um amigo. Eles tinham sido camaradas e amigos por décadas. A intimidade e o afeto atravessa toda a carta. Diante da morte Joffe decide alertar Trotsky para aquilo que considera serem os seus defeitos. Os russos sempre me emocionaram porque são intensos.
Entre aqueles engajados na militância há muita confusão entre o que são as relações de amizade e as relações de camaradagem. Esta confusão gera muitas desilusões quando as diferenças políticas levam à perda das relações de amizade. Relações de amizade são um vínculo emocional poderoso. Lidar com perdas é sempre uma experiência dolorosa. Não é incomum que as decepções pessoais com camaradas se transformem em desalento ideológico no futuro da luta pelo socialismo. E o desânimo, a desesperança, o desengano são maus conselheiros, porque obscurecem a mente e diminuem a lucidez.
Tentar definir o que é a amizade foi sempre difícil. Em uma época em que confiar nos outros é percebido como credulidade ingênua é importante lembrar que uma vida sem amizade é muito triste. A solidão parece ser uma epidemia no mundo contemporâneo. Ela é sempre mencionada como um dos fatores de depressão. A desconfiança generalizada – contra tudo e todos – só pode alimentar, evidentemente, vidas solitárias.
Não há nenhuma dúvida de que somos seres sociais. Nossos ancestrais resistiram a todas as adversidades porque foram capazes de se unir em bandos, relativamente, numerosos, embora dificilmente maiores do que 150 membros, para garantir a sobrevivência. Seres sociais quer dizer que dependemos uns dos outros, da ajuda e solidariedade mútua, portanto, da cooperação. Somos aptos para viver em sociedade, não porque não existam conflitos, mas porque a busca de auxílio, socorro, ou assistência conviveram na história com a avidez, a rivalidade, a cobiça, a inveja e a soberba, mas prevaleceram.
Precisamos de amigos para ter uma vida mais plena e menos solitária. Amizade é uma relação afetiva, em princípio, não erotizada, entre pessoas que se conhecem e estabelecem laços de lealdade, portanto, de confiança. Todos podemos ter dezenas, ou até mesmo centenas de conhecidos com quem mantemos relações polidas ou cordiais: pessoas com quem nossas vidas se cruzaram, mas com as quais não estabelecemos laços emocionais. Ninguém, contudo, alimenta amizades nessa escala, porque não é possível. Porque a amizade exige dedicação e lealdade e pressupõe altruísmo, ou seja, a disposição generosa de agir em benefício dos outros, e não somente em função do próprio interesse.
Lealdade entre amigos não pode repousar somente em acordos políticos. Ela se constrói alicerçada na confiança pessoal, que vai além das ideias políticas. Existindo, inevitavelmente, diferenças de opinião, cultivar amizades exige uma disposição para a tolerância. Ninguém gosta de ser contrariado. Podemos ficar desgostosos ou até aborrecidos quando discordam de nossas opiniões. Mas romper amizades por diferenças de opinião é uma tolice infantil. Estar disposto a acolher ideias diferentes das nossas revela maturidade para aceitar graus de dissenso com que podemos conviver.
O que são camaradas? Camaradas são aqueles que, na tradição socialista, pertencem a uma mesma organização e ou compartilham uma visão do mundo comum, o igualitarismo, ou luta pela igualdade social. Esta visão do mundo socialista se fundamenta, em primeiro lugar, no reconhecimento de que todos os seres humanos têm em comum necessidades, intensamente, sentidas que são iguais. Ser socialista significa uma ruptura ideológica com o capitalismo, uma adesão ao movimento dos trabalhadores e dos oprimidos, uma aposta no projeto de luta pela revolução, e uma aspiração internacionalista por um mundo sem dominação imperialista. Nas sociedades em que vivemos ser socialista exige, portanto, uma escolha de classe. Não importa a classe social na qual nascemos. O que importa é a qual classe unimos nosso destino.
Acontece que nem todos os nossos amigos são camaradas, e nem todos os camaradas são amigos. Porque amigos podem ter visões do mundo diferentes. Amizades não devem ter como condição, necessariamente, uma mesma visão do mundo. Por outro lado e, talvez, mais importante, podemos ser camaradas de militantes que não conhecemos tão bem. Só em pequenas organizações, núcleos de pouco mais do que cem militantes, é que é possível conhecer todos os membros. Se a amizade pessoal for um critério de pertencimento, uma organização revolucionária estará condenada à estagnação, ou a rupturas recorrentes.
Acontece que as tarefas da revolução brasileira e mundial exigem que nos coloquemos o desafio de querer construir grandes organizações. Seria irrealista exigir de ativistas que compartilham a defesa do mesmo programa, mas não se conhecem o bastante, um grau de confiança pessoal, um afeto intransferível semelhante ao daqueles que convivem, regularmente, entre si. Portanto, confiança em um projeto não é o mesmo que lealdade pessoal a todos os membros da mesma organização. A confiança pessoal é diferente da confiança política. A primeira se constrói como intimidade pessoal. A segunda como a defesa de um programa comum. Quando além de camaradas somos amigos de alguém se estabelece um vínculo muito forte. Mas é perigoso não saber distinguir que são dois laços diferentes. Porque a perda da confiança política não deve, necessariamente, contaminar a relação pessoal.
O que são adversários? Adversários são aqueles contra os quais lutamos em uma disputa. Não é possível viver sem ter adversários. Porque a vida é uma sequência de lutas. Mas os conflitos têm diferentes naturezas e importância. Saber ponderar, calibrar, medir, avaliar a maior ou menor gravidade das diferenças, das polêmicas, dos debates, das rivalidades é indispensável. Porque nem todos os adversários são inimigos. Depende de qual é a natureza do conflito. Adversários podem ou não se tornar desafetos, ou seja, a disputa de ideias pode degenerar em antagonismo pessoal. Mas nem todos os nossos adversários são nossos inimigos.
O que são inimigos? Inimigos são os adversários que enfrentamos em lutas que são incontornáveis porque correspondem a interesses de classe irreconciliáveis. As hostilidades com os inimigos são inevitáveis, porque eles são nocivos aos interesses de classe que representamos.
Na história da esquerda ocorrem rachas, separações, divisões, em função de distintas percepções da situação política que, por sua vez, expressam diferentes pressões sociais e políticas. Diferenças sérias de projeto justificam rupturas políticas, mas não devem transformar, necessariamente, aqueles que eram camaradas em inimigos.
A violência verbal, seja na forma ou no conteúdo, é uma maneira desonesta, intelectualmente, de tentar ganhar um debate a qualquer preço. Acusações ad hominem são aquelas que são dirigidas às pessoas, e não às ideias que elas defendem. Coloca-se o caráter do adversário em dúvida, através de ataques pessoais, para desqualificar suas ideias. Trata-se de uma tática diversionista porque tenta desviar o tema da polêmica. Aqueles que recorrem a este método retórico confessam, involuntariamente, que não têm confiança nos seus argumentos. Precisam destruir o outro porque não conseguem refutar suas ideias. Violência verbal através de acusações ad hominem é um método inaceitável, porque diminui a importância das ideias, e só serve para a desmoralização dos adversários.
Na esquerda revolucionária para o século XXI que queremos construir devemos saber preservar amizades, apesar das diferenças políticas que nos separam em distintas organizações, e aprender a distinguir os adversários dos inimigos. Isso parece simples e elementar. Mas não é.

sábado, 19 de novembro de 2016

Morte de Mariana Costa e o machismo que mata diariamente



O assassinato de Mariana Costa (sobrinha neta do ex presidente da república, José Sarney), ocorrido nesta semana, tem comovido a população maranhense. A vítima foi estuprada e morta por asfixia dentro de sua própria casa pelo cunhado Lucas Porto, réu confesso do crime. Um caso de feminicídio, motivado pelo inconformismo com o desprezo que recebia da vítima, em suas investidas “amorosas” – sentimentos de contrariedade como raiva e ódio que resultou na concretização da máxima repetida por agressores às mulheres em situação de violência: “Se ela não ficar comigo, não fica com mais ninguém”.

Os veículos de informação mostram que um dia antes, Lucas Porto postou em uma rede social uma foto com a cunhada, em um evento que participaram na igreja em que congregavam. O corpo de Mariana foi encontrado sem roupas, apenas com um travesseiro em cima de seu rosto, enquanto Lucas foi preso em flagrante com marcas de ferimentos no corpo e no rosto, o que indica que houve um confronto na luta contra o estupro. O assassino ainda voltou à casa da vítima com tamanha frieza para prestar condolências à família.

Um indivíduo, que aparentemente era tido como alguém confiável, que não cometera outros crimes violentos, e exercia sua religiosidade em uma igreja evangélica de São Luís. Sabe-se que a quase totalidade dos homens que praticam agressões (e até assassinatos) contra mulheres por razões de gênero, não são “maníacos” e nem estavam acometidos por algum surto psicótico, pelo contrário, são indivíduos que nunca cometeram outros tipos de crime e que em público costumam se portar de forma agradável para a sociedade. Estes homens são frutos bem acabados de uma sociedade capitalista patriarcal, que encoraja o homem a ter comportamentos agressivos com as mulheres, como se estas fossem suas subordinadas, e submissas a todas as suas vontades.

Segundo o Jornal O Imparcial, na ultima semana foram registrados 06 homicídios de mulheres no estado do Maranhão. É importante sinalizar que no Brasil, a maioria dos homicídios praticados contra mulheres, diferentemente dos praticados contra homens, possui como assassinos familiares da vítima, como indica a pesquisa do Mapa da Violência 2015. Em 2013, 4.762 mulheres foram assassinadas no país, destas, 50,3% foram mortas por familiares, e em 33,2% desses casos, os assassinos eram seus parceiros ou ex.

A maioria desses casos é consequente da recorrência da violência intrafamiliar (sob a forma de violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral). Nestes casos há o agravante do agressor ter conhecimento dos hábitos das mulheres com as quais já convive, e o incentivo de acreditar que ficam impunes aos crimes cometidos, visto que para as mulheres em situação de violência, é muito mais difícil denunciar um agressor familiar, e também diante da não aplicabilidade das leis de proteção à mulher.

Outro dado revela ainda que neste mesmo ano, foram registrados 13 homicídios contra mulheres por dia. Nesse sentido, apesar da grande repercussão deste caso, é sabido que todos os dias mulheres são mortas, estupradas e agredidas por motivos ligados à sua condição de gênero, que na ampla maioria das vezes é agudizado pelo racismo, pela lgbtfobia e pela condição de classe dessas mulheres. E todos estes casos devem e precisam obter a comoção da sociedade. O caso de Mariana revela que todas as mulheres estão suscetíveis a este tipo de crime, nenhuma de nós está imune. Mas junto a isso precisamos refletir, na totalidade, sobre quem são estas mulheres.

Logo, há importantes aspectos a serem observados, como a cor das mulheres que estão morrendo. O mapa da violência 2015 aponta ainda que o homicídio de mulheres negras aumentou 54% em 10 anos, em contraposição, no mesmo intervalo de tempo, o número de homicídios contra mulheres brancas caiu 9,8%. No Maranhão, no ano de 2013, 22 mulheres brancas sofreram homicídio, já entre mulheres negras, esse número chegou a 107. O que demonstra que as mulheres pretas são as principais vítimas de feminicídios no país.

Estes números alarmantes também refletem a falta de políticas públicas eficazes para o combate a violência contra a mulher no país. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas, se as políticas públicas voltadas para o enfrentamento à violência de gênero funcionassem, com mais delegacias da mulher, casas abrigos, centros de referência, juizados especiais da mulher, bem com políticas eficazes de prevenção a violência machista. Equipamentos importantes, em que sua inexistência penaliza ainda mais as mulheres pobres, que são aquelas que dependem de serviços públicos.

Não podemos nos calar diante de nenhum caso de feminicídio. Assim como na Argentina, gritamos: #NiUnaMenos! Que nós mulheres, possamos viver sem temer nossas vidas! Devemos lutar contra a impunidade aos agressores e assassinos de mulheres, e exigir dos governos mais investimentos em políticas de combate a violência machista.
 MULHERES DO MAIS SÃO LUÍS-MA.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Três medidas alternativas à PEC 241 / PEC 55

A PEC 55, antiga PEC 241, agora tramita no Senado Federal. Centenas de ocupações por todo país questionam a medida. Uma geração de jovens foi à luta para expressar que não aceitam o futuro que o Governo Temer pretende impor para o Brasil.
Mas todos sabem que a crise é grande. Muitos trabalhadores honestos se perguntam: afinal, qual é a saída? Existe mesmo outro caminho?
A PEC 241 ou PEC 55 é uma escolha política. Longe de ser “a única saída”, o congelamento do orçamento por 20 anos é uma medida que beneficia os de cima contra os de baixo. Ganham os banqueiros, ganham as grandes empresas, perdem os trabalhadores, o povo pobre, a juventude; a grande maioria da população.
A lógica da PEC 55 é irracional, mas é simples. Quem tem mais paga menos, quem tem menos paga mais. Neste editorial apresentamos três propostas concretas que vão no sentido oposto. Nosso objetivo não é neste pequeno texto apresentar um programa global para a crise brasileira, queremos apenas oferecer para todo jovem e todo trabalhador três argumentos simples para passar adiante:
Taxas as grandes fortunasPublicamos recentemente matéria que discutia a questão da taxação das grandes fortunas porque uma das maneiras de equilibrar as contas da união é aumentar a arrecadação. Mas como fazer isso sem aumentar a carga de impostos que já encarece tanto a vida dos brasileiros?
No Brasil temos uma tributação muito pesada sobre o consumo. Metade da arrecadação tributária no Brasil sai do bolso de quem ganha até três salários mínimos. Além disso, o Imposto de Renda é extremamente injusto. Uma parcela dos trabalhadores que tem emprego fixo e alguma estabilidade (uma parte da chamada classe média) paga valores altíssimos de Imposto de Renda.
Mas no Brasil não existe Imposto sobre as Grandes Fortunas e, pasmem, não existe imposto sobre o lucro. Se fosse aplicado o Imposto sobre as Grande Fortunas, que obviamente não afetaria nenhum trabalhador, estima-se que ele renderia R$ 100 bilhões por ano para os cofres públicos. Já a inclusão dos “dividendos” no imposto de renda, ou seja, se os empresários tivessem que pagar impostos sobre o que recebem de lucros de suas empresas geraria uma receita extra entre R$ 30 bilhões e R$ 63 bilhões ao ano.
Cobrar a dívida dos grandes devedores da UniãoA dívida ativa da União é o conjunto de débitos que pessoas físicas ou jurídicas contraíram com a União. Atualmente esta dívida é calculada em 1,58 trilhão. Pode parecer que neste montante estão milhares de pequenos devedores, ou muitos colegas que não tiveram dinheiro pra pagar o imposto de renda ou foram multados pelo fisco. Não, não é isso que ocorre.
O Ministério da Fazenda divulgou em outubro de 2015 a lista das 500 empresas que mais devem à União. Sabe quem está no topo desta lista? A Vale que deve quase 42 bilhões aos cofres públicos. Portanto uma medida simples para que os capitalistas paguem a conta da crise que eles criaram seria cobrar a dívida das empresas!
Suspender o pagamento e fazer uma auditoria da dívidaNo ponto anterior vimos que a União não cobra os seus devedores. Quer dizer, cobra as pessoas físicas que devem pequenos valores. Contra os de baixo o sistema funciona muito bem. Cancelam o CPF, bloqueiam os valores na conta corrente, etc. Mas as grandes empresas devedoras continuam funcionando normalmente.
A questão é que, apesar de não cobrar dos grandes devedores, o Estado Brasileiro paga regularmente as suas dívidas e remunera os seus credores com os juros mais altos do mundo. Mas não é certo pagar o que se deve?
Neste caso não. Esta dívida é totalmente ilegítima. A Constituição de 1988 (esta, mesma que eles estão mudando agora) estabeleceu no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que o Estado deveria fazer uma auditoria da dívida. Esta auditoria nunca foi feita. Esta norma constitucional foi retirada durante o governo FHC. Os 13 anos de mandato do PT não se propuseram a cumprir esta medida básica que mudaria a história do Brasil.
Hoje o país gasta mais da metade do seu orçamento para pagar uma dívida ilegítima, oferece ao mercado financeiro juros altíssimos e justamente por isso, apesar de sempre pagarmos a dívida não para de crescer.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A República de Curitiba chega ao MST

Por: Gloria Trogo, da Redação
Nesta manhã, dia 04 de novembro, começou a ‘Operação Castra’ comandada pela Política Civil de Curitiba. Esta operação vai atuar em todo país e seu alvo é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
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Ação da polícia na escola Florestan Fernandes Foto: Reprodução Mídia Ninja
A polícia invadiu a Escola Nacional Florestan Fernandes, sem mandado de busca e apreensão, com cerca de dez viaturas em Guararema, Interior de São Paulo.
Em Quedas do Iguaçu, Interior do Paraná, o vereador mais votado da cidade, Claudelei Torrente de Lima, do PT, foi preso como parte da mesma operação de criminalização do MST. Claudelei é morador do Assentamento Celso Furtado. Na cidade, existe um profundo conflito agrário entre a multinacional Araupeu e milhares de famílias que ocupam uma área grilada pela empresa. 
Ao todo, foram expedidos 14 mandados de prisão, dez de busca e apreensão e dois de condução coercitiva. Até as 10h30 desta manhã, oito pessoas já estavam presas.
Presos políticos acusados de crimes comunsAs acusações são de crimes comuns, como organização criminosa, furto e dano qualificado, roubo, invasão de propriedade, incêndio criminoso e cárcere privado.
É comum em todo o processo de criminalização que se utilize a acusação de crimes comuns contra os movimentos sociais. Para dar um exemplo extremo, a ditadura militar brasileira não reconhecia a existência de presos políticos. Foi uma luta para o reconhecimento da existência destes.
Agora, sob a democracia burguesa, o que temos visto é a utilização de tipos penais de combate ao crime organizado, especialmente o tráfico de drogas, para enquadrar os movimentos sociais.
Avança a criminalização dos Movimentos Sociais
Na prisão e indiciamento de figurões do PT pela Operação Lava Jato, o Esquerda Onlinepublicou diversas vezes o alerta de que este tipo de procedimento, como condução coercitiva, prisão prévia ao julgamento, preventiva ou temporária, grampos, delação premiada, entre outros, poderiam se voltar contra os movimentos sociais de conjunto. Hoje, ocorreu com o MST. Começou a utilização do prestígio que a política e o Poder Judiciário ganharam no combate à corrupção, para combater os movimentos socais organizados.
É hora de unidade e resistência. Todo apoio e solidariedade ao MST. Tirem as mãos de um dos principais movimentos sociais do Brasil. A República de Curitiba precisa ser desmascarada.
Foto: Mídia Ninja.
Assista à transmissão ao vivo feita pelo Mídia Ninja:

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Segundo turno consolida vitória da direita

O segundo turno, encerrado ontem (30), consolidou o triunfo da direita tradicional nas eleições municipais de 2016. Trata-se, portanto, de um inegável avanço político das forças conservadoras.

Os partidos que hoje formam a base do governo Michel Temer (PMDB) e que sustentaram o impeachment de Dilma Rousseff (PT) vão comandar 81% do eleitorado do País. Das 57 cidades onde ocorreu segundo turno, as siglas governistas venceram em 46.

Ao todo, somando o resultado obtido no primeiro turno, os partidos da base de Temer elegeram 4.446 prefeitos. Das 26 capitais, as siglas governistas venceram em vinte.

Dessa forma, o desfecho das eleições municipais reforça o apoio institucional ao governo golpista, o que confere mais força à aprovação das contrarreformas sociais no Congresso Nacional.
Ainda que não seja um elemento central da análise eleitoral, vale notar a taxa recorde de votos brancos e nulos no segundo turno. No total, 14,3% dos eleitores que foram às urnas não escolheram nenhum dos candidatos. Em 2012, no segundo turno, os brancos e nulos somaram 9,2%. O índice de abstenção, de 21,5%, registrou uma ligeira alta. Em 2012, esse percentual ficou em 19,1%.

O principal vencedor: o PSDB de Alckmin

Os candidatos do PSDB vão comandar municípios que abrigam 23,9% do eleitorado, isto é: um a cada quatro eleitores terá como prefeito um tucano. Em 2012, a porcentagem do eleitorado governada pelo PSDB era de 13,1%.
Os tucanos venceram em sete capitais: São Paulo, Porto Alegre, Manaus, Belém, Porto Velho, Maceió e Teresina. O êxito do PSDB também se revela no triunfo em importantes cidades industriais como São Bernardo, Santo André, Contagem, São José dos Campos, entre outras.

Geraldo Alckmin, por sua vez, termina as eleições como o principal nome do ninho tucano. O governador de SP, além de emplacar o prefeito da capital paulista no primeiro turno, obteve uma estrondosa vitória nas grandes e médias cidades do estado. Ao mesmo tempo, assistiu a derrota do seu competidor interno, Aécio Neves, em Belo Horizonte. Desse modo, Alckmin pavimenta o caminho à disputa presidencial de 2018.

A derrocada do PT

O desmoronamento político-eleitoral do PT confirmou-se neste domingo. Das sete cidades em que concorria no segundo turno, o partido de Lula perdeu em todas. Em Recife, a única capital onde estava na disputa, o PT não alcançou 40% dos votos válidos.
O peso do massacre fica ainda evidente quando observamos o resultado no ABC paulista, berço político do PT. Pela primeira vez em sua história, o partido não elegeu prefeito na região. Em Santo André, o candidato petista foi humilhado pelo concorrente tucano no segundo turno: 78% (PSDB) a 22% (PT) dos votos válidos.
Em nível nacional, a parcela do eleitorado governada pelo PT desabou de 19,9% para 2,9%. Das 92 cidades com mais de 200 mil eleitores, o partido só venceu em uma (Rio Branco, no Acre). Ou seja, o PT foi varrido do comando das grandes e médias cidades do País. A queda é monumental e assume, incontestavelmente, proporções históricas.

O PSOL se fortalece à esquerda

Num contexto de avanço das forças da direita, o resultado do PSOL, ainda que modesto, foi inegavelmente vitorioso. No segundo turno, apesar de derrotado eleitoralmente, o partido obteve expressivas votações: Marcelo Freixo obteve 40,6% no Rio, Edmilson Rodrigues 47,6% em Belém e Raul Marcelo 41,5% em Sorocaba.

O desempenho, especialmente nos grandes centros urbanos, credencia o partido como a força política dinâmica da esquerda brasileira. A parcela minoritária do eleitorado que desgarrou do PT e se movimentou à esquerda, viu nas candidaturas do PSOL uma referência política e eleitoral. Destaca-se, nesse cenário, a campanha de Freixo no Rio, que levou milhares de jovens e trabalhadores às ruas em grandes comícios e atividades de campanha.

O resultado do PSOL está longe de representar a superação do PT por uma nova alternativa de esquerda enraizada na classe trabalhadora. Porém, um pequeno passo foi dado. É preciso valorizá-lo. O principal desafio do PSOL será apresentar um projeto de esquerda que evite os caminhos que conduziram às traições cometidas pelo PT.

Nesse sentido, a ruptura com o programa de conciliação de classes, a retomada do projeto socialista e a prioridade da mobilização e organização da classe trabalhadora são decisivos. Alianças do PSOL com partidos burgueses, como ocorreu em Belém, por exemplo, vão na contramão da necessidade de aprender com os erros do PT.

Construir o 3º turno nas lutas

As eleições fortaleceram a direita e o governo Temer para seguir e aprofundar os ataques aos trabalhadores, à juventude e aos oprimidos. A ofensiva da classe dominante se intensificará no próximo período.

Por isso, é absolutamente central a construção da mais ampla unidade na luta. O conjunto das forças e lideranças da esquerda, dos movimentos sociais, das organizações dos oprimidos e das entidades sindicais e democráticas precisa levantar um programa de ação comum em defesa dos direitos sociais, trabalhistas e democráticos. A resistência unificada é o único caminho para barrar a ofensiva reacionária. A construção de uma Frente ampla de resistência, com todos os setores dispostos a lutar, de modo algum deve estar ligada ao projeto petista para a corrida presidencial de 2018.
Nesse sentido, é fundamental cercar de solidariedade ativa as escolas ocupadas no Paraná e em todo país, assim como fortalecer as greves em curso (como a da Fasubra) e as lutas contra a PEC 214 e a Reforma da previdência. Por outro lado, é necessário preparar, desde já, fortes dias nacionais de luta em 11 e 25 de novembro. Nas ruas, está a principal trincheira da esquerda.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Um paradoxo da esquerda brasileira

Por: Valerio Arcary, colunista do Esquerda Online
Sejamos sérios: o impeachment não teria sido possível sem a Lava Jato.
Não se pode, portanto, ser contra o impeachment e apoiar a Lava Jato.
Tampouco, se pode ser a favor do impeachment e contra a Lava Jato.
Nenhuma destas duas posições faz sentido. Porque o pacote é indivisível. Falta coerência, nexo, coesão interna.
E, no entanto, temos estas duas posições, nem sempre muito bem fundamentadas, ou mesmo, razoavelmente, explicadas, na esquerda marxista brasileira.
O que é um paradoxo. Um paradoxo, dizem os dicionários, é “o oposto do que alguém pensa ser a verdade” ou uma situação que contradiz a intuição comum”.
A chave da resposta a esta contradição lógica está na evidência de que a Lava Jato é muito popular. E o que é muito popular, porque unifica os humores das diferentes classes sociais que, em outras circunstâncias, estão divididas, é raro e tem muita força.
A Lava Jato é popular porque a imensa maioria do povo está exasperada contra a corrupção. Mas, ser a favor da luta contra a corrupção, uma reivindicação democrática, justa e progressiva não é igual, e não deve se confundir com ser a favor da Lava Jato.
A campanha política que culminou no impeachment foi tão bem sucedida, justamente, porque se iniciou dissimulada, camuflada, mascarada pela Lava Jato.
Sim, a Lava Jato tem muito apoio. Acontece que nem tudo que mobiliza os trabalhadores é progressivo, e muito menos, revolucionário. Ao contrário, as massas populares podem se mobilizar, transitoriamente, por palavras de ordem reacionárias. 
Ou seja, mobilizarem-se contra os seus interesses.
Acontece até com relativa frequência. Será temporário, efêmero, passageiro, provisório, não indefinidamente. Mas, acontece.
A consciência dos trabalhadores oscila sempre.

Ela é uma expressão da luta entre as ideias da classe dominante e as lições duras de suas experiências práticas de vida.

Só para relembrarmos um exemplo, a mobilização de apoio ao Papa João Paulo II no estádio do Morumbi, no início dos anos oitenta, foi uma mobilização muito popular, porém, ultra-reacionária. Juntou dezenas de milhares de trabalhadores e não se ouviu um só “Abaixo a ditadura”. O objetivo da visita do Papa, depois da onda de greves que sacudiu a ditadura militar no final dos anos setenta, era apoiar o projeto de transição gradual, lenta, controlada que estava sendo operado desde Brasília por Golbery e Figueiredo, com o apoio de Carter e, depois, de Reagan, no contexto da última etapa da guerra fria.

Temiam o perigo de uma ruptura.

Queriam evitar que a ditadura fosse derrubada.
Trabalhavam associados com Washington para garantir um projeto inspirado no Pacto de La Moncloa, que garantiu a transição no Estado Espanhol, sem a queda da monarquia, sem que se abrisse uma crise revolucionária.
Lula fez questão, nas cerimônias fúnebres do Papa polonês, de lembrar que esteve presente, o que, para dizer o mínimo, foi triste, ou lamentável.

Felizmente, a maioria da esquerda brasileira de então não caiu na armadilha. Não convocou para ir ao estádio do Morumbi ouvir o Papa polonês Woytila.

Outro exemplo: quando Tancredo faleceu em 1985 ocorreram grandes manifestações, em São Paulo, e as massas comovidas saíram aos milhares para saudá-lo. O mesmo aconteceu, também, em Minas Gerais. Muitos se perguntavam até se Tancredo não teria sido assassinado. Embora muito massivas foram ações dos setores mais atrasados e confusos.
Podemos lembrar, também, o apoio popular intenso ao Plano Cruzado, em 1986, que teve apoio de grupos com origem na esquerda, como o MR-8, ou, até pior, ao Plano Real em 1993. Ambos muito populares.
Nada deveria ser mais importante para um socialista, portanto, do que favorecer a organização e mobilização independente dos trabalhadores. Independente quer dizer separada, apartada e autônoma da classe dominante. A luta pela organização independente é uma luta contra a influência que as ideias burguesas têm sobre o conjunto da sociedade, portanto, também, sobre parcelas dos próprios trabalhadores.

Um programa é a forma de traduzir a defesa de interesses.
A primeira responsabilidade de um agrupamento socialista é procurar expressar a defesa dos interesses dos trabalhadores. Se os trabalhadores, ou a juventude, ou qualquer outro segmento social popular duvida das suas forças, o esforço de uma política marxista é levantar o programa e a palavra de ordem para a ação que melhor corresponda aos seus interesses, mas, ao mesmo tempo, que corresponda ao seu estado de espírito e à sua disposição de luta: a proposta mais revolucionária não é aquela mais “à esquerda”: Marxismo não se faz com critérios cartográficos.

A geografia é uma ciência linda.
Mas, coletivos socialistas que definem suas posições pelo critério de delimitação não são sérios.

A melhor proposta é aquela que coloca as massas em movimento.
Mas, de forma independente.
Não como um vagão auxiliar do trem dirigido pelo inimigo de classe
A política marxista tem, portanto, limites de classe.

Não deve ser um vale tudo.
O empirismo é mal conselheiro.
Esse é o problema da palavra de ordem: 
“Lava Jato até o fim”.
Há um plano político por trás da Lava Jato.
Esta operação não é uma investigação independente.
Ela é indivisível do Fora Dilma e Fora PT, que levou milhões às ruas para entregar o poder ao Congresso. 
Que o devolveu a Temer.
Sem que houvesse um só cartaz rabiscado por algum distraído em manifestação alguma exigindo: “Temer deve ser presidente, e chamar Meirelles para governar”, ou “ Façam o ajuste fiscal cortando verbas públicas da educação e saúde para tranquilizar os credores da dívida!”, ou ainda, “Reforma da Previdência com idade mínima de 65 anos, já!”.
Não ocorreu a ninguém, entre as centenas de milhares que saíram às ruas vestidos de verde-amarelo, com as camisetas da seleção, levantar estas reivindicações.
Gritavam: “A nossa bandeira jamais será vermelha”, um slogan anticomunista. primitivo. Havia, é certo, aqueles que pediam que o Exército tomasse o poder. Pegaram carona. O ambiente reacionário os absorveu.
A relativa autonomia técnica de procuradores do Ministério Público e de delegados da Polícia Federal pode cegar a perspectiva da classe média que estava enfurecida até três meses atrás. Mas, não deveria ofuscar ninguém na esquerda de que a Lava Jato esteve articulada, desde o princípio, a uma estratégia política que tem ramificações internacionais.
A burguesia esteve dividida, seriamente, em relação a este projeto durante, pelo menos, um ano e meio. Esperou para verificar se o segundo mandato de Dilma Rousseff poderia fazer o ajuste.
Só a partir do final de 2015, foi se constituindo uma maioria. E houve frações burguesas derrotadas, justamente, porque temiam o preço da Lava Jato.
Mas, a esquerda socialista precisa resistir à pressão da maioria burguesa que venceu na luta pelo golpe parlamentar “a la paraguaia”.
Esses são os que estão atrás do biombo da Lava Jato.
Eis o plano: criminalizar a direção do PT, e deslocar o bloco político que ofereceu sustentação aos seus governos, desembaraçando-se, se necessário, também, dos líderes das oligarquias e frações mais atrasadas e corruptas, para abrir um caminho para uma nova hegemonia. Conseguiram unir a a maioria da burguesia, mesmo com uma fração do empresariado indo para a cadeia, apoiando-se na classe média, para tentar levar até o fim um ajuste liberal: quem o dirige é Meirelles.

Sejamos claros: nunca houve e não haverá capitalismo sem corrupção, nem aqui, nem na Suécia, para que o exemplo seja claro. As taxas da infecção podem variar, mas o vírus é mutante, se adapta, resiste. É um parasita da acumulação de capital.
O regime de presidencialismo de coalizão favoreceu a metástase.
Por muitas e variadas razões: a oportunidade de negócios milionários nas privatizações; a impunidade histórica que protege a riqueza rápida; a inexistência de um partido burguês liberal de dimensão nacional; processos eleitorais, estupidamente, caros; e, claro, as peculiaridades brasileiras do processo de seleção dos quadros políticos dirigentes.
Podemos denunciar a corrupção sem nos deixarmos impressionar pelo apoio popular que têm juízes, policiais e procuradores.
Podemos denunciar a corrupção, inclusive dos dirigentes do PT, sem apoiar a Lava Jato.

Os limites de classe da Lava Jato não tardarão a ficar claros.

A esquerda socialista não deve cair nesta armadilha