quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A ECONOMIA ANARQUISTA


No primeiro artigo desta série, publicado na edição n° 471, expusemos as ideias fundamentais do anarquismo e as criticamos desde um ponto de vista marxista. Ao adiantarmos os temas dos próximos artigos, dissemos que, do ponto de vista da economia, a realização do ideal anarquista representaria um retrocesso em todo o desenvolvimento humano e social, mesmo em comparação com o capitalismo. Tal afirmação causou enorme indignação entre alguns anarquistas. No presente artigo, tentaremos provar esta terrível declaração.
 
A economia capitalista e o marxismo
A Idade Média foi um período de atraso e ignorância. Os povos estavam divididos em pequenas unidades político-econômicas chamadas feudos. Cada feudo tinha seu príncipe, suas leis, suas unidades de peso e medida, sua moeda e seu exército. A economia era de subsistência e o comércio entre feudos era esporádico, se resumindo a uns poucos itens que sobravam ao final de cada safra. A burguesia nasceu, cresceu e se fortaleceu como classe revolucionária no seio dessa sociedade agrária atrasada. O ímpeto comercial da burguesia rompeu essa arcaica estrutura social: vieram as grandes navegações, o renascimento das cidades, das artes e das ciências, e com elas o comércio mundial. A velha sociedade não suportou o choque, e os antigos feudos se unificaram nas grandes nações e povos que conhecemos hoje. O Estado nacional burguês, a economia nacional burguesa e a nação burguesa foram gigantescos passos progressivos na história da humanidade. Mas a burguesia não parou por aí em sua cruzada revolucionária: ela criou também a produção mundial e com isso unificou o planeta inteiro economicamente.
 
Marx considerava a mundialização da produção um fenômeno essencialmente progressivo, como a verdadeira base material da sociedade comunista, mas alertava para o fato de que esse passo adiante na capacidade produtiva humana havia encontrado um novo limite histórico na propriedade privada, no caos do mercado e nas fronteiras dos Estados nacionais. E eram justamente esses limites que precisavam ser superados. Ou seja, o marxismo parte das conquistas progressivas do capitalismo e busca superá-las positivamente, criando assim uma sociedade superior.
 
E o anarquismo? O que propõe em termos de economia?
 
A economia anarquista
Há distintas visões dentro do anarquismo sobre como deveria funcionar a economia do período pós-revolucionário. Mas alguns traços comuns podem ser delineados.
 
A ideia anarquista da oposição a qualquer tipo de poder centralizador se reflete também em sua visão econômica. Diferente do marxismo, que propõe a nacionalização de toda a propriedade burguesa e o controle racional de toda a economia por meio do Estado proletário, o anarquismo propõe que cada empresa seja controlada por seus próprios trabalhadores. E por mais ninguém. Os trabalhadores da GM controlariam a GM; os trabalhadores da Petrobrás controlariam a Petrobrás, e assim por diante.
 
Aqui começam os problemas: ora, sob o capitalismo, o controle operário da produção (cada grupo de trabalhadores controlando a sua empresa) é uma reivindicação revolucionária, pois se choca com a propriedade privada burguesa. O patrão diz: “façam isso”, e os operários fazem outra coisa; o patrão diz: “produzam em tal quantidade”, e os trabalhadores produzem em outra. Isto, sob o capitalismo, é fantástico. Por isso a burguesia tem tanto medo das comissões de fábrica e das organizações por local de trabalho. Não é um verdadeiro marxista aquele que não defende, com todas as forças, o controle operário como uma importante bandeira de luta contra os capitalistas.
 
Mas como tudo na vida, algo que é bom sob certas condições pode ser ruim sob outras. Em uma sociedade que tenha destruído a propriedade burguesa, em que não haja mais capitalistas, o controle operário por empresa deixa de ser algo progressivo e passa a ser regressivo. Quando se destrói a burguesia, a única medida realmente progressiva em termos econômicos é a planificação econômica nacional, não o controle operário por empresa.
 
Isso é assim justamente pelo que dizíamos antes: a nacionalização, e depois a mundialização da economia, levadas a cabo pela burguesia em sua época revolucionária, são uma grandiosa conquista, da qual o proletariado não pode abrir mão, sob pena de construir uma sociedade que, ao atomizar suas forças, acabe sendo inferior ao capitalismo.
 
Além disso, seria realmente justo, por exemplo, uma vez expropriada a burguesia, que os trabalhadores da GM controlassem a GM? Ora, um carro da GM também é fruto do trabalho dos trabalhadores das auto-peças, da indústria da borracha, da indústria do vidro, da indústria química, da indústria eletrônica e um longo etc. Na verdade, todas as riquezas produzidas no país são fruto de um trabalho tão profundamente coletivo, que seria impossível dizer quais trabalhadores de quais empresas contribuíram nesta ou naquela produção. A realidade é uma só: todos os trabalhadores de todas as empresas contribuem com toda a produção nacional. Ponto. E é por isso que é nacionalmente, nunca localmente, que a produção deve ser controlada. O anarquismo quer tornar os trabalhadores de uma dada empresa senhores daquela produção; o marxismo quer tornar toda a classe trabalhadora senhora de toda a economia.
 
Por isso dizemos que a proposta anarquista de fragmentação dos trabalhadores em empresas isoladas é um retrocesso em relação ao capitalismo, que é centralizado, concentrado, mundial e, justamente por isso, altamente produtivo.
 
A “liberdade” segundo o anarquismo
Calúnia! Nenhum anarquista jamais negou a necessidade das empresas-comunas estabelecerem relações entre si!”, dirão os anarquistas. E é verdade. Muitos teóricos anarquistas reconheceram essa necessidade e falaram sobre ela. Mas quais relações exatamente, segundo os anarquistas, essas empresas-comunas deverão estabelecer? Certamente não serão relações decididas em algum centro de comando, por exemplo, um “Congresso Nacional de Conselhos Operários” que venha a se instalar depois da revolução, pois isto equivaleria a um poder estatal centralizador, o que vai contra os princípios do anarquismo. “O fundamental é que sejam relações livres, decididas pelos próprios coletivos que controlam essas empresas”, dirão. Mas como seria isso na prática?
 
Em sua obra Ideia geral sobre a revolução no século 19, Pierre-Joseph Proudhon, considerado o pai do anarquismo, esclareceu o tema com a ideia de “contrato”: “Deixe-nos perguntar, que necessidade temos nós de governo quando fizemos um acordo? O Banco Nacional e suas várias filiais não garantem centralização e unidade? O acordo entre fazendeiros para compensação, comércio e renda das propriedades rurais não cria unidade? Partindo de outro ponto de vista, as associações industriais para administrar a grande produção não criam unidade? (…) A idéia de contrato exclui a idéia de governo”. 
 
E mais adiante, no mesmo livro: “Em lugar das leis, colocaremos contratos: não haverá mais leis votadas pela maioria ou mesmo por unanimidade. Cada cidadão, cada cidade, cada sindicato fará suas próprias leis. Em lugar do poder político, colocaremos forças econômicas”.
 
Muito bem, agora nos deixe perguntar aos anarquistas: que diferença há entre essas ideias e o liberalismo clássico, segundo o qual a mão invisível do mercado regula perfeitamente todas as relações sociais, sem a necessidade de qualquer intervenção por parte do Estado? Que diferença há entre as ideias de Proudhon e aquela ideia bem conhecida, segundo a qual as empresas, ao comercializarem livremente seus produtos, contribuem para o “bem comum” de toda a sociedade?
 
Ora, o pensamento de Proudhon é coerente: se não há um controle consciente por parte do Estado, a única forma de regular as relações entre as empresas é, de fato, o livre comércio. Mas isso é capitalismo, e não socialismo. Para Proudhon, assim como para o liberalismo clássico, a ideia de liberdade é inseparável da ideia de livre comércio: “Suprimir a concorrência significa suprimir a própria liberdade”.
 
Proudhon quer acabar com as leis e substituí-las pelos “livres contratos”. Mas não será a venda da força de trabalho do trabalhador para o capitalista também um “livre contrato”? Certamente é. E por acaso todos nós não lutamos contra a proposta de ACE (Acordo Coletivo Especial) do governo e da CUT, que visa substituir a CLT pelos “acordos” entre empresas e trabalhadores? Certamente lutamos. E o fazemos porque sabemos que entre desiguais nunca haverá “livre acordo”. As relações entre partes desiguais precisam ser reguladas, sempre no interesse da parte mais frágil, ou do todo ao qual ambas as partes se subordinam. Justamente para isso servirá o Estado proletário e as leis proletárias. O comunismo não será construído com a prolongação das desigualdades por meio de “contratos”, mas com a erradicação consciente desta desigualdade através de mecanismos econômicos e políticos.
 
Cada trecho dos escritos do pai do anarquismo é, verdadeiramente, a justificação de esquerda do pensamento liberal. Mas não bateremos em demasia nesta ferida tão dolorosa para os anarquistas. Afirmamos apenas que nós, marxistas, pensamos o contrário: no lugar do poder cego e alienado das forças econômicas, que esmagam os mais fracos e elevam os mais fortes, colocaremos leis que diminuam conscientemente as desigualdades, que reparem os crimes econômicos e a disparidade de condições. Defenderemos a intervenção consciente, centralizada, nacional (e depois internacional!) de toda a classe trabalhadora sobre a economia. “Ação e intervenção consciente!”, e não “livre contrato!”: eis para o marxismo, a verdadeira definição de liberdade. 
 
O caráter utópico do anarquismo
O socialismo anterior a Marx entrou para a história com o nome de “utópico” porque se resumia a especulações sobre as características de uma sociedade futura imaginada como perfeita. Já o marxismo é chamado também “socialismo científico” porque foi Marx quem expôs, pela primeira vez, não apenas os males da sociedade capitalista, mas a condição concreta para a libertação da humanidade (a extinção da propriedade privada) e o sujeito desta transformação (a classe trabalhadora).
 
Diferente do socialismo utópico, o anarquismo teve o mérito de ver na revolução social e na classe trabalhadora as chaves para a transformação do mundo. Mas em todos os outros aspectos, seu pensamento permaneceu utópico. Ao se recusar a estender qualquer ponte entre a sociedade presente e o futuro, o anarquismo permanece atado ao velho espírito de Saint-Simon, Fourier, Owen e outros filósofos utópicos, que dedicaram suas vidas a pensar um mundo melhor, mas que jamais realizaram qualquer transformação real. As experiências cooperativas dos socialistas utópicos do século 19 nunca passaram de minúsculas ilhas no imenso oceano capitalista. Já a Comuna de Paris e o Estado soviético fizeram maravilhas no pouco tempo que tiveram, e por isso são nossos exemplos e jamais serão esquecidos.
 
Os anarquistas são, em sua esmagadora maioria, revolucionários sinceros. Mas por mais que não queiram ou não admitam, são os herdeiros indiretos da escola utópica, os últimos românticos. E na dura luta de classes, na guerra sangrenta contra o capital, no violento parto que dará à luz um novo mundo – o romantismo pode ser nobre e belo, mas certamente não é útil. A ele opomos a fria e seca, porém verdadeira e cortante, escrita de Lênin, e com ela encerramos este artigo:
 
Não somos utopistas. Nunca 'sonhamos' poder dispensar bruscamente, de um dia para o outro, toda e qualquer administração, toda e qualquer subordinação; isso são sonhos anarquistas resultantes da incompreensão do papel da ditadura proletária, sonhos que nada têm em comum com o marxismo e que na realidade não servem senão para adiar a revolução socialista até que os homens venham a ser de outra essência. Não, nós queremos a revolução socialista com os homens tais como são hoje” (O Estado e a revolução).

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Nelson Mandela: Da luta à capitulação

Do Site do PSTU Nacional

Mandela com o presidente da África do Sul na época do apartheid, De Klerk
Em 5 de dezembro faleceu Nelson Mandela, líder da população negra sul-africana, ex-presidente daquele país e, sem dúvidas, uma das personalidades mais destacadas da política internacional do século XX. Milhões de negros sul-africanos choram a morte de seu querido líder e também o fazem muitos lutadores negros e pelas liberdades democráticas em todo o mundo.
 
Compreendemos e respeitamos esta dor: por todo um período de sua trajetória política Mandela era visto como o símbolo da luta contra o apartheid, o sinistro regime político adotado durante décadas pela burguesia branca sul-africana. Com todas suas limitações, Mandela tem o grande mérito de ter colocado a luta contra o apartheid no primeiro plano da política internacional.
 
No entanto, ao mesmo tempo, todos os representantes do imperialismo, articuladores e defensores da exploração e da opressão, como Obama, Merkel, Cameron, Rajoy [1] e um longo etc. também lhe rendem homenagem. Como é possível que uma figura política seja venerada pelas massas oprimidas e, ao mesmo tempo, homenageada por seus piores inimigos?
 
Esse aparente paradoxo se dá por uma razão profunda: o imperialismo homenageia Mandela porque valoriza a importância de sua atuação por ter desviado a revolução negra e mantido a África do Sul nos marcos do capitalismo. Também por convencer as massas negras a aceitarem que os próprios dirigentes racistas africâneres [2] saíssem impunes pelos crimes que cometeram e que a burguesia branca continuasse controlando o país.
 
Para entender como se deu este processo é necessário ver a história da África do Sul e os mecanismos que puseram fim ao apartheid, e o papel que Mandela cumpriu ao longo de sua trajetória política. Por isso, respeitando a dor das massas ante sua morte, queremos expressar nossa posição, sem a hipocrisia que muitas vezes se expressa ante a morte de uma figura política.
 
O apartheid
A África do Sul tem quase 50 milhões de habitantes e é o país mais desenvolvido e industrializado do continente africano. O eixo de sua economia é a atividade de mineração, especialmente a extração de ouro, diamantes e platina (é o principal produtor mundial deste metal).
 
O país sofreu duas colonizações brancas: uma de origem inglesa e outra holandesa, que deu origem aos chamados africâneres. Os africâneres foram ganhando predomínio e, a partir de 1910, começaram a construir o regime do apartheid em o que os negros não tinham voto nem nenhum direito político. Este sistema foi completado em 1948.
 
Como parte deste sistema, formaram-se verdadeiras aberrações jurídicas, os bantustões (como Lesoto), supostas repúblicas negras “independentes” de onde seus habitantes só podiam sair com permissões especiais, inclusive para trabalhar diariamente. Se estas permissões fossem transgredidas eram duramente reprimidos.
 
Os níveis de exploração da população negra eram próximos à escravidão: esta população vivia em gigantescas favelas, das quais a mais famosa foi a de Soweto, nas cercanias de Johanesburgo, com quase um milhão de habitantes amontoados nas piores condições, quase sem nenhum serviço básico garantido. 
 
Foi sobre esta base de superexploração e de um imenso aparato repressor estatal que a burguesia branca sul-africana, sócia de capitais ingleses e holandeses, construiu seu poderio e sua riqueza. 
 
O fim do apartheid
A população negra lutou duramente contra esta situação, por seus direitos políticos. Periodicamente, produziam-se explosões que eram respondidas com repressões e massacres selvagens (entre os mais conhecidos estão o de Sharperville, em 1960, e o de Soweto, em 1976). 
 
Como parte da luta contra o apartheid, fundou-se o Congresso Nacional Africano que, a partir da década de 1950, começa a ter um crescimento cada vez mais acelerado até se transformar na expressão política e na direção da maioria da população negra. Seu dirigente mais conhecido e de maior prestígio popular e internacional foi Nelson Mandela, que ficou preso entre 1962 e 1990. Continuou dirigindo o movimento da prisão e, nesse período, ganhou seu grande prestígio e influência em nível nacional e internacional.
 
A luta do povo negro contra o regime do apartheid foi crescendo e se radicalizando cada vez mais, e também o isolamento internacional deste regime. Sua queda parecia inevitável e existia a possibilidade de que esta luta varresse ao regime pela via revolucionária e avançasse também pelo caminho de uma revolução socialista do povo negro que destruísse as bases capitalistas da dominação branca.
 
Estava proposta a possibilidade de que as massas em sua luta revolucionária expropriassem a burguesia branca, o que seria em realidade a expropriação de quase toda a burguesia sul-africana.
 
Ante essa situação, e para frear e controlar o processo revolucionário, o setor majoritário da burguesia branca sul-africana e o imperialismo elaboraram o plano de uma transição que “desmontasse” o apartheid de modo ordenado e, ao mesmo tempo, garantisse seu domínio econômico, através da manutenção da propriedade das empresas e bancos. As potências imperialistas apoiaram a fundo este plano, que teve entre os principais operadores o bispo negro Desmond Tutu, ganhador do Prêmio Nobel da Paz por este serviço.
  
Deu-se forma a um pacto em que, em troca do fim do apartheid, o sistema capitalista e a dominação econômica burguesa seriam mantidos. Assim, a burguesia branca se afastaria do controle direto do estado e aceitaria a liderança do CNA para manter sua dominação de classe. Contaram para isso com a colaboração de Nelson Mandela - que negociou com De Klerk, o último presidente branco, e foi libertado em 1990 - do Congresso Nacional Africano, da direção da central sindical negra (Cosatu) e do Partido Comunista, que passaram a frear a luta do povo negro e participaram das negociações e da transição até 1994, quando Mandela foi eleito presidente.
 
Em outras palavras, com este pacto, Mandela passou da posição de líder da luta contra o apartheid à de capitulação à burguesia branca e ao imperialismo em uma transição negociada que não questionou a estrutura econômica capitalista e de classes do país.
 
O papel do CNA
Ao assumir o manejo do regime e do governo pós-apartheid, em 1994, Mandela e o CNA mudaram seu caráter. Até esse momento, apesar das profundas limitações de suas concepções nacionalistas burguesas, tinham sido a expressão da luta do povo sul-africano contra o apartheid. A partir dali, transformaram-se nos administradores do estado burguês sul-africano. A partir dessa opção, fizeram uma nova aliança com os antigos inimigos africâneres. Por essa aliança, em troca dos serviços prestados, os principais quadros e dirigentes do CNA transformaram-se em uma burguesia negra, sócia menor da branca, que lucra com os negócios e negociatas do Estado. Por exemplo, o atual presidente Jacob Zuma foi acusado de corrupção, em 2005, quando era vice-presidente, por receber uma alta comissão pela compra de armamentos no exterior. “Vivem nas mesmas casas e nos mesmos bairros que os brancos”, indignam-se os trabalhadores negros ao verem o enriquecimento destes dirigentes.
 
É necessário dizer que esta política começou com o próprio Mandela, que abandonou a política ativa em 1999. Sucederam-no diversos presidentes do CNA (Thabo Mbeki e Jacob Zuma, que aplicaram políticas cada vez mais neoliberais e de favorecimento ao lucro dos capitais imperialistas. Por exemplo, a maioria dos sul-africanos pede a nacionalização da mineração, em grande parte em mãos estrangeiras (a empresa Lonmin, proprietária da mina Marikana, onde se deu recentemente uma grande greve, ferozmente reprimida, tem sua sede em Londres).
 
A COSATU
A COSATU é a principal central sindical sul-africana, construída na luta contra o apartheid e em oposição aos velhos sindicatos “só para brancos”. Nesse período, ganhou peso e prestígio. Era um exemplo mundial para a luta dos trabalhadores.
 
Aliada, e também integrante do CNA, apoia seus governos e suas políticas. Isto rendeu grandes benefícios a seus dirigentes, em numerosos cargos governamentais ou parlamentares, e também nas empresas privadas. Por exemplo, o ex-dirigente Cyril Ramaphoosa, que foi líder da luta dos trabalhadores mineiros e contra o apartheid quando encabeçava o sindicato mineiro nacional (NUM) e a COSATU, é hoje sócio proprietário e membro da diretoria da empresa Lonmin.
 
Não é casual que cada vez seja mais numerosa a vanguarda que expressa: “O CNA e a Cosatu não nos representam” (ver artigo de Wilson Silva, “O apartheid neoliberal” neste site) e começam a fundar novos sindicatos independentes da Cosatu (como se expressou na greve de Marikana) e a propor a construção de uma alternativa política por fora do CNA.
 
A realidade atual
O fim do apartheid foi um grande triunfo do povo negro sul-africano que, ao se eliminar este regime, obteve liberdades, direitos políticos e um sistema eleitoral baseado em “uma pessoa-um voto”. Acabaram-se os bantustões e, pela primeira vez na história do país, elegeu-se um presidente de sua raça.
 
Mas a estrutura econômica do país não foi tocada em absoluto e seguiu dominada pela burguesia branca que, agora, contava com a vantagem de ter um regime e governos negros para defender seus interesses. Ao mesmo tempo, a nova burguesia negra aproveitou-se do acesso do CNA ao poder político para acumular força econômica e passar a ser parte da classe dominante na África do Sul.
 
Ao manter-se essa estrutura econômica, o índice nacional de desemprego é de 25%, mas entre os trabalhadores negros chega a 40%. 25% da população vive com menos de US$ 1,25 diário, considerado mundialmente o patamar da miséria e a fome.
 
A quase 20 anos do fim do apartheid, a burguesia branca detém grandes mordomias e riquezas, enquanto a imensa maioria do povo negro segue vivendo na pobreza e na miséria. Mas agora essa burguesia branca tem como sócia a burguesia negra que se formou nas últimas décadas. Essa desigualdade explosiva é a base de um grande crescimento da violência social: há 50 mil assassinatos por ano (proporcionalmente, 10 vezes mais que nos EUA). E Mandela, ao ter freado a revolução do povo negro e levado essa luta ao caminho sem saída dos pactos com a burguesia branca e o imperialismo, é o grande responsável por esta realidade.
 
É necessário fazer um balanço do caminho empreendido por Mandela, que foi da luta à capitulação. Achamos que deve-se sacar conclusões profundas. Na década de 1990, o povo negro sul-africano conseguiu liberdades e direitos políticos que indubitavelmente deve-se defender. Mas continuou submetido à pior exploração capitalista em benefício de uma minoria branca e, agora também da nova burguesia negra oriunda de seus antigos dirigentes. O povo sul-africano não conquistará uma libertação verdadeira sem destruir as bases capitalistas desta exploração. É necessário lutar pela melhoria das condições de vida do povo negro, mas, para triunfar verdadeiramente, essa luta deve avançar pelo caminho da revolução operária e socialista que liquide a exploração de classe e de raça que permanece no país.
 
Foi Mandela quem impediu, com sua capitulação, que isso sucedesse em seu momento. Por isso, os burgueses sul-africanos e os imperialistas homenageiam-no com justiça. Reiteramos, respeitamos a dor do povo negro sul-africano e dos muitos lutadores que choram sua morte em todo o mundo. Mas, de nossa parte, por essa imensa capitulação, não lhe rendemos homenagem e chamamos esse povo e esses lutadores a tirar as necessárias conclusões do ocorrido nas últimas décadas na África do Sul.
 
[1] Obama – presidente dos EUA; Merkel – presidente da Alemanha; Cameron – primeiro-ministro da Inglaterra; Rajoy – primeiro-ministro da Espanha.
 
[2] – Africâneres: nome dado à população branca que colonizou a África do Sul a partir do século 17, vinda da Holanda (35%), Alemanha (34%), França (13%), Grã Bretanha e outros países europeus (7%).

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Congresso quer instituir o crime de “terrorismo” para criminalizar movimentos sociais Projeto de Lei faz parte da escalada repressiva e de criminalização de ativistas


Uma comissão mista do Congresso (com deputados e senadores) aprovou no último dia 27 de novembro um projeto de lei que tipifica o crime de "terrorismo" no país. A proposta altera a Constituição Federal e, pelo texto aprovado na comissão, considera “terrorismo", de forma genérica, o ato de "provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa”.
Após o projeto passar pela Comissão de Consolidação da Legislação e de Regulamentação de Dispositivos da Constituição, presidida pelo deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), vai à votação em plenária na Câmara e no Senado. O projeto de Lei é de autoria do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) e tem como relator o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Terrorismo passa a ser crime inafiançável, com penas de 15 a 30 anos de prisão. Se houver morte, a pena inicial é de 24 anos, e aumenta um terço se o crime for cometido contra autoridades (Presidente da República, o vice, ou os presidentes da Câmara, Senado e do Supremo Tribunal Federal).
Apesar de os parlamentares negarem, a intenção óbvia do projeto de lei é a de criminalizar os protestos que tomaram as ruas do país a partir de junho, assim como criar um arcabouço legal para intimidar e reprimir possíveis manifestações no período dos grandes eventos. O projeto considera crimes, por exemplo, "a incitação e a formação de grupos com o fim de praticar atos terroristas", tipificações feitas sob medida para atingir os movimentos sociais e grupos organizados.
A comissão já pediu aos presidentes da Câmara e do Senado urgência na tramitação e aprovação do projeto.
Recrudescimento da repressão
Não é coincidência que esse projeto de lei esteja tramitando numa conjuntura de aumento da repressão e da criminalização, parte da contraofensiva desatada pelos governos para retomarem o controle das ruas. Além da repressão direta aos protestos públicos, há toda uma movimentação dos aparatos de repressão para enquadrarem e criminalizarem os manifestantes.
Em várias partes do país, inquéritos policiais contra manifestantes relacionam ativistas com o crime de "organizações criminosas", crime recentemente sancionado por lei pela presidente Dilma. Para isso, a polícia enumera não só os tradicionais crimes utilizados para comprometerem manifestantes como "dano ao patrimônio" e "desacato", mas direcionam a investigação de forma a provarem a realização de reuniões e organização a fim de incluir e os manifestantes nessa categoria. É a justificativa ainda para, além de indiciar, decretar a quebra de sigilo eletrônico e telefônico dos ativistas.
Há hoje no país, ao todo, pelo menos 500 ativistas citados em inquéritos criminais. São inquéritos fraudulentos levados a cabo de forma coordenada entre as polícias civis e militares, além do Ministério Público. Exemplo categórico desse processo ocorre em São Paulo, onde um só inquérito foi montado para reunir todos os ativistas presos nos últimos quatro meses em protestos de rua, gerando o indiciamento de nada menos que 153 pessoas. Treze deles são militantes do PSTU ilegalmente detidos durante uma brutal repressão policial numa manifestação no dia 15 de outubro. 
Processo semelhante ocorre no Rio Grande do Sul, onde o militante do PSTU, Matheus Gomes, o Gordo, dirigente do Bloco de Lutas, foi indiciado e teve a casa invadida por policiais e equipamentos como o computador, além de livros, confiscados. Apesar de a justificativa utilizada pela polícia e as autoridades em geral seja o combate ao “vandalismo” e aos Black Blocs, a campanha de criminalização atingem em cheio as organizações de esquerda como o PSTU, que tem algo em torno de 50 militantes e simpatizantes citados ou já indiciados.
Tal ofensiva atinge ainda os parlamentares revolucionários, como a vereadora Amanda Gurgel, do PSTU de Natal, que tem seu mandato atacado por políticos de direita ligados às empresas de transporte, e sofre processo no Conselho de Ética da Câmara.
Ação coordenada
A ação dos aparatos de repressão não ocorre apenas pelas policias dos estados. Há uma articulação por parte do Governo Federal de organizar essa escalada de criminalização, incluindo nesse processo a Polícia Federal e até mesmo a Abin (Agência Brasileira de Informação). Foi esse o sentido da reunião realizada entre o Ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, e os secretários de Segurança Pública do Rio e São Paulo, no final de outubro. Cardozo prometeu ajuda federal às polícias de Alckmin e Cabral na investigação e repressão às manifestações.
A criminalização inclui ainda o recrudescimento da violência policial contra as periferias, com o genocídio da juventude pobre e negra, como estamos vendo no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Torna-se cada vez mais urgente uma ampla campanha nacional contra a criminalização, que exija o fim de todos os processos e leis de exceção contra os manifestantes e os movimentos sociais, e que coloque na ordem do dia a desmilitarização e o fim da PM.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Natal tem ato público nacional em defesa dos mandatos do PSTU e do PSOL

O ato público foi uma resposta à clara tentativa de criminalizar os mandatos

Ato saiu em passeata até a Câmara Municipal de Natal
Na segunda-feira, 18, cerca de 250 pessoas participaram do ato em defesa dos mandatos dos vereadores Amanda Gurgel (PSTU) e Sandro Pimentel (PSOL) e contra os ataques ao vereador Marco Antonio (PSOL). Os  três são alvos de uma campanha que busca intimidá-los e reduzir sua atuação dentro da Câmara e de apoio aos movimentos sociais. Os dois primeiros já respondem a denúncias na Comissão de Ética da Câmara dos Vereadores de Natal por quebra de decoro parlamentar. Sandro já prestou depoimento, nesta quarta, 20, acusado por ter dito que os estudantes não deveriam ter pichado a Câmara, mas sim alguns vereadores. E Amanda foi denunciada após dizer que há na Câmara uma "bancada do Seturn", o poderoso sindicato dos empresários de ônibus.

Os três parlamentares têm sido duramente atacados em Plenário em uma clara tentativa de criminalização de seus mandatos. Os vereadores chegaram até a ser denunciados na delegacia pelo vereador Adão Eridan (PR), condenado pela Justiça por participação na Operação Impacto, um escândalo de corrupção que desmoralizou a Câmara na legislatura anterior. O mesmo vereador afirmou que Amanda Gurgel não deveria confiar tanto na Lei Maria da Penha, em uma clara ameaça física e machista à vereadora.

“Quem mexe com a formiga, assanha o formigueiro”
O ato público foi uma resposta aos ataques. O auditório estava lotado, com muitos lutadores que acompanham as ações dos mandatos. Os sem-terra formavam a maior delegação. O representante do MST-RN anunciou. “Natal não é de meia-dúzia de vereadores. Não ousem tirar os nossos vereadores. Porque se ousarem, nós vamos colocar eles lá dentro de novo à força. Nós, os trabalhadores.”
Estavam lá também vigilantes do SindForte, estudantes que lutam pelo passe-livre, da ANEL, do Juntos, do Reviravolta e do coletivo Construção; professores; representantes do Sindicato dos Bancários; da CSP-Conlutas e da Intersindical; do sindicato do transporte alternativo (Sitoparn); e muitos moradores de bairros da periferia, entre outros lutadores. Um destaque foi a delegação dos grevistas da saúde de Natal, do Sindsaúde, que havia ocupado a prefeitura no mesmo dia, pela manhã.

O Movimento Mulheres em Luta (MML) também participou do ato e divulgou nota de solidariedade à Amanda Gurgel contra as agressões machistas sofridas pela vereadora.


Apoio nacional
O ato reuniu diversos parlamentares do PSOL e do PSTU, de representantes do PSOL de Alagoas e do PSTU da Paraíba, além de mensagens e moções que chegaram de diversas regiões. Um vídeo enviado pelo vereador Cleber Rabelo, do PSTU de Belém (PA), foi exibido durante o ato. Além dos dois partidos, o ato contou com a presença do vereador Hugo Manso (PT) e de um representante do mandato de Fernando Lucena (PT) que também expressaram a solidariedade aos vereadores. Em vídeo, Vera Lúcia, presidente estadual do PSTU em Sergipe, também enviou solidariedade aos vereadores.

O presidente nacional do PSTU, Zé Maria, também esteve presente e relacionou os ataques aos vereadores aos diversos casos de criminalização dos movimentos sociais no País. “O país mudou desde junho. Agora, a burguesia está tentando retomar o controle, quer evitar a continuidade da nossa luta. Está preocupada com outro junho, o de 2014, quando o país vai ser mais uma vez governado pela Fifa e o país vai parar de novo. Por isso tanta criminalização dos movimentos, por isso a repressão aos mandatos. O que está acontecendo aqui é o mesmo que se abate contra os estudantes presos em São Paulo, contra os sem-terra do Pontal do Paranapanema, contra os grevistas da saúde daqui de Natal, que foram recebidos com spray pimenta hoje na Prefeitura. Esses setores têm em Amanda, Sandro e Marcos, inimigos irreconciliáveis. Responder a esse processo significa defender as nossas bandeiras, dos trabalhadores e da juventude. A melhor resposta aos ataques é continuarmos lutando. Podem se preparar porque só estamos começando”, afirmou. 

domingo, 24 de novembro de 2013

8ª Marcha da Periferia: Uma marcha de raça, classe, cores e ritmo

Informação escrita pela CSP Conlutas Maranhão

Na melhor de todas as marchas, a luta pela titulação das terras quilombolas e denúncia de violência policial deram o tom da manifestação que tomou conta do Centro da cidade nesta sexta-feira, dia 22 de novembro. Militantes de diversas organizações do Maranhão e do Piauí se concentraram no início da tarde em frente à Praça Deodoro com bandeiras, faixas, bumbos e tambores na VIII Marcha da Periferia que tinha como tema Pelos Amarildos... da Copa eu abro mão.
Uma coluna formada por quilombolas da região da baixada maranhense era destaque da marcha com suas bandeiras coloridas e seus cantos ritmados. Reunidos no MOQUIBOM (Movimento Quilombola da Baixada Maranhense), umas das principais organizações surgidas no últimos anos na luta contra a violência no campo e pela titulação de suas terras, os quilombolas revezavam seus cânticos com as palavras de ordem da bateria dos estudantes da ANEL (Assembléia Nacional dos Estudantes Livre).
A Marcha parou o trânsito por alguns momentos e caminhou até o Palácio dos Leões, sede do governo estadual, que estava como de praxe, com grades e policiais a todo seu redor. Assim como na abertura da Marcha, fez uma fala Dona Maria da Natividade, mãe do jovem Luis Leônidas, jovem de 21 anos, que estava recém-empregado em um supermercado da cidade e foi baleado pela Polícia Militar que achava que seria um ladrão. No fim de sua fala ela cantou emocionada a música da banda Legião Urbana Pais e Filhos.
Apesar de não sediar grandes eventos, o Maranhão é um estado que sofre com o aumento da violência praticada contra os negros e pobres. O Governo Roseana Sarney é responsável pelos resultados catastróficos na saúde, na educação e no saneamento básico que deixam a juventude de periferia sem perspectiva nenhuma de vida. 
Atividade internacional e grande kizomba no Centro Histórico
Este ano a marcha contou com a participação internacional da militante do movimento negro inglês Stephanie Bennett que também teve o irmão gêmeo vitimado pela Polícia inglesa. Ela denunciou uma série de casos de assassinatos cometidos pela Política no seu país. Na noite anterior, a inglesa participou de um debate com o Quilombo Raça e Classe. Ao final do debate, diversos artistas negros se apresentaram em um sarau realizado ao redor de grandes casarões históricos.
A Marcha organizada pelo Quilombo Urbano desde 2006 contou com apoio de diversas entidades como a CSP Conlutas, ANDES, Sinasefe Nacional e Seção Monte Castelo, Sintrajufe, Bancários Maranhão, ANEL, DCE-UFMA, MOQUIBOM, CPT-MA, Sindserm-Teresina.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

JUSTIÇA MANDA MENSALEIROS PARA CADEIA. E AGORA?

DO SITE OFICIAL DO PSTU

Genoíno e Dirceu chegam em Brasília escoltados pela PF
Foto: Agência Brasil
Na última sexta-feira, 15, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, expediu os primeiros mandados de prisão contra os condenados do processo do mensalão. Entre eles estavam importantes dirigentes do Partido dos Trabalhadores, como José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil de Lula, e José Genoíno, ex-presidente do partido.  Em seguida, sob a custódia provisória da Polícia Federal em Brasília, foram transferidos para complexo penitenciário da Papuda.  Também foi preso o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Henrique Pizzolato, quadro do partido e ex-diretor do Banco do Brasil optou pela fuga para a Itália, segundo seu advogado.
A imagem dos dois dirigentes do PT, com os punhos cerrados ao serem presos pela Polícia Federal em São Paulo, seria trágica se não fosse irônica. Ambos afirmaram que foram presos devido a uma conspiração das elites em conluio com a grande mídia. Ambos defendem a tese de que o mensalão – o pagamento de propina a deputados da base aliada do governo Lula – nunca existiu. Ambos evocam o passado de lutas contra a ditadura militar para mostrar a “injustiça” a qual supostamente foram submetidos.
Contudo, cabe perguntar: os defensores da reforma da Previdência (realizada em 2003) e da privatização do Pré-sal estão sendo perseguidos pelas mesmas elites rancorosas que apóiam a reforma da Previdência e o leilão do Pré-sal? Isso para não mencionar o apoio dado por essas mesmas elites ao conjunto da política econômica aplicada há 10 anos por este governo.
Opção de classe
Ao chegarem ao poder, os dirigentes do PT fizeram uma opção: traíram a expectativa de mudança alimentada por milhões e passaram a gerenciar os negócios dos grandes capitalistas e banqueiros. O primeiro sinal neste sentido veio já com a chama “Carta ao Povo Brasileiro”, lançada pelo então candidato Lula em 2002. Nela, o candidato tranquilizava os investidores internacionais e as instituições do capital financeiro - Banco Mundial, FMI, etc. – afirmando que manteria a “estabilidade econômica” do país. Um eufemismo para designar a opção em manter o tripé da política econômica do governo FHC: superávit primário, câmbio flutuante e controle inflacionário. A estes senhores, o PT não decepcionou. “Nunca antes neste país”, os empresários e banqueiros lucraram tanto, enquanto os serviços públicos continuam em frangalhos e a reforma agrária nunca saiu do papel.
Como se não bastasse, o PT manteve a mesma corrupção do PSDB. Aparelhou o Estado, desviou dinheiro para financiar campanhas eleitorais e beneficiou “empresários companheiros” (o caso de Eike Batista é emblemático) por meio de generosos empréstimos do BNDES.
Muitos dirigentes do PT, oriundo do movimento organizado dos trabalhadores, tornaram-se empresários, “consultores de negócios” e lobistas, como o próprio José Dirceu, “consultor” do mega empresário mexicano Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo. Outros dirigentes administram diretamente grandes negócios capitalistas via fundos de pensão das estatais, hoje de enorme relevância para o capital financeiro.  “É preciso ajudar eles para que eles possam nos ajudar”, teria dito o ex-ministro Luiz Gushiken (morto no dia 13 de setembro, vítima de um câncer) a um ex-diretor de uma importante estatal.  Eis a lógica pela qual se pautou os dirigentes do PT.
Também não deixa de ser irônico o fato de o PT, ao assumir o governo, ter varrido toda a sujeira do governo tucano para debaixo do tapete. As privatizações das estatais, como Vale do Rio Doce, Telebrás, etc., talvez tenham sidom em seu conjunto, o maior caso de corrupção da história recente do país. Contudo, ao invés de reestatizar as empresas entregues a preço de banana ao capital estrangeiro e colocar a canalha tucana na cadeia, o PT de Dirceu e José Genoino preferiu optar pela “governabilidade”. Assim realizaram uma aliança com que há de mais espúrio na política brasileira: Renan Calheiros, Collor e Sarney.
O PT sempre disse que mudaria o sistema “por dentro” quando chegasse ao poder. Quem mudou, entretanto, foram seus dirigentes. Isso porque, na democracia dos ricos, os altos cargos da administração pública são utilizados como instrumentos dos grupos políticos que estão no poder para oferecer benefícios aos grupos empresariais. Estes, em troca, financiam as campanhas eleitorais dos políticos donos dos cargos. A corrupção é parte essencial do sistema político e do Estado capitalista. Dirceu e Genoino aceitaram a jogar as regras do jogo.
Presos políticos?
Não deixa de ser absurdo o argumento utilizado pelos dirigentes do PT, de que são “prisioneiros políticos”. Ora, prisioneiros políticos foram as centenas de manifestantes detidos nos protestos de junho para cá. Presos, diga-se de passagem, pelos governos aliados do governo Dilma, como Sérgio Cabral (PMDB), ou até mesmo pelos governos do próprio PT, como o de Tarso Genro, no Rio Grande do Sul.
Hoje, centenas de jovens ativistas respondem inquéritos criminais absurdos, com acusações mentirosas e ridículas. Até mesmo a velha Lei de Segurança Nacional da ditadura foi evocada para prender manifestantes.  Genoíno e Dirceu não ergueram os punhos em apoio às manifestações de junho, nem durante a greve dos professores do Rio de Janeiro! Não ergueram os punhos para defender os povos indígenas assassinado por pistoleiros do agronegócio!
A verdade é que os governo do PT, PSDB e partidos aliados estão ávidos em colocar um ponto final nos protestos que sacodem o país. Por isso criminalizam a luta social e não tem escrúpulos em realizar centenas de verdadeiras prisões políticas.
É preciso mais, muito mais
Também não confiamos no STF, que agora tenta bancar o paladino da Justiça, mas que livrou da cadeia Collor, Maluf e Daniel Dantas. Como confiar num tribunal que se recusa anular a votação da Reforma da Previdência a qual, segundo ele próprio, foi aprovada de forma fraudulenta?
Mesmo as prisões de Dirceu, Genoíno, Marcos Valério e os demais ‘mensaleiros’ são absolutamente insuficientes e expressam o caráter de classe dessa Justiça. Após serem condenados pelo desvio de milhões, a maior parte vai cumprir poucos anos em regime semi-aberto e não serão obrigados a devolverem o que foi desviado. Enquanto isso, o morador de rua Rafael Vieira está há cinco meses preso no Rio de Janeiro após ser detido por policiais que acharam que os frascos de Pinho Sol e água sanitária que carregava fossem coquetéis molotovs. Mesmo após laudo ter comprovado não serem materiais explosivos, Rafael continua preso no complexo presidiário de Japeri.
Grande parte dos que se indignaram ao verem Genoíno e Zé Dirceu serem presos não mostrou a mesma reação com as detenções arbitrárias e os processos de exceção que se espalharam pelo país nos últimos meses.
Por fim, é realmente asquerosa a hipocrisia da direita tradicional do país. Seus cães raivosos, colunistas de Veja ou coisa pior, pagos a preço de ouro, apresentam o julgamento como uma evidência de que a corrupção na política brasileira é obra exclusiva do PT. A verdade é que PSDB e DEM estão mergulhados até o pescoço no mar de lama. Além das “privatarias”, há ainda existência do mensalão de Minas, envolvendo o PSDB, e das inúmeras maracutaias de FHC, com a compra de votos no Congresso Nacional.
O escândalo do metrô de São Paulo, que revelou o pagamento de propinas pela empresa Alston aos cardeais do tucanato, é a maior demonstração de que eles ainda continuam saqueando os cofres públicos.
Não acabou. É preciso investigar todas as denúncias de corrupção do PSDB e dos corruptos listados a cima, punir e confiscar os bens dos corruptos e corruptores. Se não o fizer, estará apenas confirmando mais uma vez o caráter político, e não jurídico, da atuação dos tribunais e dessa Justiça.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

ONDE OS MARXISTAS E ANARQUISTAS SE UNEM E ONDE TEM DESACORDO? (Titulo original: Marxismo e anarquismo)

Henrique Canary, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU


Desde junho, com as enormes mobilizações que tomaram conta do país, a bandeira negra da anarquia voltou a tremular nas ruas e praças das grandes cidades. Ao lado das bandeiras vermelhas das organizações socialistas, anarquistas de inúmeras vertentes cerraram fileiras, enfrentaram o inimigo comum, foram presos e agredidos, e também conquistaram vitórias. O anarquismo voltou a ser uma referência para muitos jovens que, desiludidos com a podridão dos partidos oficiais, encontram nas ideias libertárias um novo horizonte pelo qual – pensam eles – valeria a pena lutar.
Não é de se admirar. A maioria dos partidos que se dizem socialistas tem suas bandeiras manchadas pelas traições políticas que cometeram contra as lutas dos trabalhadores. E não só isso: desde o dia 21 de outubro – quando o martelo bateu no Hotel Windsor na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, e o Campo de Libra foi entregue às multinacionais – algumas dessas bandeiras vermelhas, como a do PT e a do PCdoB, ficaram manchadas também com o sangue da juventude e dos trabalhadores, massacrados e perseguidos pelo Exército, em uma das caçada mais violentas contra uma manifestação desde junho, tudo isso a mando de Dilma e Cabral.
Mas a justa desilusão com algumas organizações ditas socialistas e o engajamento sincero destes jovens na luta do povo não podem nos eximir de um debate sério a respeito da estratégia anarquista. Não nos referimos aqui ao debate político sobre as ações de grupos como os Black Blocs, que embora tenham inspiração anarquista, não podem ser igualados ao próprio movimento anarquista. Com essas organizações, travamos e continuaremos travando polêmicas políticas públicas sempre que sua prática contradiga os interesses do movimento. Referimos-nos aqui ao anarquismo em si, à teoria política, social e econômica que serve de inspiração a essas organizações e a inúmeras outras.
Se o inimigo está armado até os dentes com bombas e fuzis, nossa melhor e mais importante arma é a justa compreensão dos acontecimentos, ideias e fenômenos que nos cercam. Isso inclui compreender o anarquismo.
O que é o anarquismo
Para começar, evitemos as caricaturas. O termo anarquia provém do grego (an + arkhos) e quer dizer “ausência de governo” ou “ausência de poder”. Ou seja, anarquia não quer dizer “ausência de ordem” ou “desordem”, como em geral se pensa. Ao contrário, os anarquistas visam estabelecer a mais completa e perfeita ordem social. Porém, acreditam que esta ordem só pode ser estabelecida se todo governo e todo poder forem abolidos.
Como doutrina política, o anarquismo se caracteriza pela luta contra o Estado. Os anarquistas acreditam que o Estado – esta instituição política que concentra todas as funções de governo, administração e repressão em nossa sociedade – é o responsável pela falta de liberdade do homem. Pregam que o Estado, com suas forças armadas, suas escolas, suas leis, seus impostos, sua religião oficial etc., é a fonte de toda injustiça, desigualdade e miséria espiritual em que vivemos. A tarefa consistiria, portanto, em acabar com esta instituição, abolí-la imediatamente e por completo, e instaurar o auto-governo da população em geral e de cada indivíduo em particular.
Segundo os anarquistas, ao invés de Estados nacionais centralizados, como existe hoje, a sociedade deveria se organizar em “comunas livres”, ou seja, pequenas comunidades de caráter local, auto-governadas, independentes umas das outras, não submetidas a qualquer comando ou lei geral. Essas comunas (a denominação pode variar de autor para autor) seriam unidades políticas e econômicas totalmente autônomas, cada uma com seu próprio sistema de produção e distribuição de riquezas, e que viveriam do livre intercâmbio de bens e serviços umas com as outras.
Os anarquistas pensam que o que torna o homem mesquinho, violento e egoísta é o próprio Estado e que, uma vez que este seja abolido, as pessoas viverão em harmonia, resolvendo elas próprias seus problemas, vivendo sua vida de maneira pacífica e auto-suficiente, sem a necessidade de qualquer lei escrita, instituição especial, controle, repressão etc.
Sobre os inimigos da liberdade e do povo, os anarquistas afirmam que se o Estado for abolido, nada mais restará a estes senhores, uma vez que eles são a ínfima minoria na sociedade, e sua dominação se baseia exclusivamente no poder do Estado.
Da mesma forma que renegam todo e qualquer Estado (inclusive a hipótese de um Estado controlado pelos trabalhadores), os anarquistas, em geral, renegam também os partidos políticos da classe trabalhadora. Segundo eles (repetimos: há distintas vertentes e pode haver matizes entre elas), todo partido é uma estrutura hierárquica, vertical, organizada nacionalmente, e portanto oposta ao ideal de liberdade e auto-governo inerente ao anarquismo. Assim, toda ação do povo deve se dar de maneira auto-organizada, sem uma direção específica.
Estes são, em linhas gerais, os princípios mais importantes do anarquismo. Como dissemos acima, não há somente um anarquismo, mas vários, e por isso toda generalização pode conter imprecisões. Esperamos não ter distorcido qualquer das ideias aqui apresentadas, pois o objetivo desta parte do texto era tão somente uma exposição sintética do anarquismo, e não sua crítica.
A crítica marxista ao anarquismo é a que segue.
A questão do Estado
O marxismo reconhece o Estado como uma das mais cruéis e sanguinárias instituições. Certamente, o Estado oprime e esmaga, e junto com os anarquistas, os marxistas declaram que seu objetivo último é o fim do Estado e a construção de uma sociedade de produtores livres auto-organizados. Mas infelizmente, terminam aí nossas coincidências.
Diferente do anarquismo, o marxismo não vê o Estado como criador da miséria ou da desigualdade, nem como a origem da opressão ou da falta de liberdade humana. Para os marxistas, o Estado é apenas o produto de uma determinada realidade social.
Segundo o marxismo, o mal fundamental da sociedade é a propriedade privada dos meios de produção (fábricas, bancos, terras, empresas etc), ou seja, o fato de que a sociedade se encontra dividida em classes sociais opostas: explorados e exploradores. O Estado existe porque a dominação econômica de uma classe sobre a outra precisa ser fixada na forma de leis, instituições, ideias. E depois, se preciso, defendida com armas. Se não houvesse esta organização especial chamada Estado, as classes sociais se degladiariam em uma luta sem fim e a sociedade entraria em colapso. A exploração econômica, para que seja estável, precisa de seu complemento: a dominação política, militar e ideológica – o Estado. Por isso o Estado é sempre o Estado da classe dominante.
Ou seja, o Estado é a ferramenta da qual se utilizam os exploradores para perpetuar sua dominação. Mas ele não é a própria dominação. Longe de ser uma realidade autônoma, com vida própria, o Estado não passa de um instrumento nas mãos de uma classe.
Assim, o marxismo acredita que não é possível abolir o Estado enquanto não sejam abolidas as condições materiais (sociais e econômicas) que levaram ao aparecimento deste Estado. Ao se abolir o Estado por simples decreto, permanecerão as condições que o criaram (propriedade privada, desigualdade) e portanto seu renascimento, em um prazo mais ou menos curto, é simplesmente inevitável.
O Estado dos trabalhadores
Marx afirmou que o Estado era sempre o Estado da classe dominante. Essa definição fundamental determina também a visão do marxismo sobre a revolução socialista e as tarefas do proletariado depois da derrubada da burguesia.
Para o criador do socialismo científico, a classe trabalhadora, ao expulsar os capitalistas do poder, não poderia simplesmente “ocupar” o antigo Estado burguês e usá-lo no seu interesse. Ela precisaria destruir o antigo Estado, com todas as suas instituições, leis, hierarquia etc. Mas uma vez destruído este Estado, o proletariado seria obrigado, pela própria realidade, a construir outro, completamente distinto do anterior, baseado nas organizações da classe trabalhadora e controlado por esta – mas ainda assim um Estado. Segundo Marx, a máquina estatal era necessária ao proletariado para: 1) vencer a resistência dos antigos exploradores, que, não aceitando pacificamente a derrota, se organizariam para retomar o poder e restabelecer seu domínio; 2) reconstruir a sociedade sobre novas bases igualitárias, ou seja, a transição econômica socialista. Estas duas complexas tarefas ocupariam todo um período histórico. Foi o que Marx chamou deditadura do proletariado.
Os trabalhadores, embora sejam a imensa maioria da sociedade, são uma classe explorada, oprimida e alienada, que depois de derrotar uma minoria extremamente ativa, culta, violenta e poderosa, precisa realizar uma gigantesca obra histórica. Por isso, o proletariado cometeria um suicídio histórico se abrisse mão do poder de Estado.
A dissolução do Estado para o marxismo
Mas os trabalhadores, segundo Marx, não tomam o poder de Estado para eternizar sua dominação. Ao contrário, uma vez vencida a resistência da burguesia, o proletariado começa a trabalhar para aumentar a riqueza produzida, distribuí-la equitativamente, e com isso acabar com toda e qualquer diferenciação social. Com o fim das diferenciações sociais e depois de um longo processo histórico de reeducação do homem, a sociedade poderá abolir o Estado como instrumento de dominação e controle, mantendo dele apenas as funções técnicas de administração econômica, contabilidade, assistência etc. A dissolução do Estado na comunidade de produtores livres auto-organizados corresponde ao início da fase comunista de desenvolvimento da sociedade. Leon Trotsky, o grande dirigente da Revolução Russa da 1917, combatia aqueles que qualificavam de “utopia” a estratégia da dissolução do Estado, e explicava de maneira simples o conteúdo científico do marxismo: “A base material do comunismo deve consistir em um desenvolvimento do poder econômico do homem de tal modo que o trabalho produtivo, deixando de ser uma carga e um incômodo, não tenha a necessidade de qualquer coação; nem existam outros controles sobre a distribuição, além dos da educação, do hábito e da opinião pública, exatamente como é hoje em uma família abastada. É necessário, para falar francamente, uma grande dose de estupidez para considerar como utópica uma perspectiva, em definitivo, tão modesta.” A Revolução Traída.
Como se vê, diferente do anarquismo, que imagina uma revolução e um homem ideais, o marxismo tem consciência das enormes dificuldades que o proletariado (herdeiro de toda a miséria e podridão capitalistas) enfrentará na luta pela sua libertação. Consequentemente, o marxismo reconhece a necessidade de um longo período de luta e desenvolvimento social, até que as bases materiais que deram origem ao Estado tenham desaparecido, e este possa ser abolido. Mesmo assim, a abolição do Estado (que corresponde à libertação definitiva de toda a humanidade) será lenta e gradual, se assemelhando muito mais a um “desaparecimento progressivo”, que ocorrerá na mesma velocidade em que a sociedade vá assumindo em suas próprias mãos as funções de administração e controle.
Ao analisarmos apenas a questão do Estado, já salta aos olhos o caráter utópico da teoria anarquista. Mas esta é apenas a ponta do iceberg. Ao abordar outras questões, como a economia do período pós-revolucionário, a relação indivíduo-sociedade e outras, o anarquismo revelará não apenas sua natureza romântica, mas pior (é preciso que se diga com todas as letras): o enorme retrocesso que sua implementação significaria para todo o desenvolvimento humano e social. Mas estes são aspectos que trataremos na segunda parte deste artigo. Esperamos que o leitor nos acompanhe com interesse.
Originalmente publicado no Opinião Socialista 471

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Zé Maria divulga carta aberta ao PSOL e PCB Uma alternativa de classe e socialista nas eleições de 2014


O debate sobre as eleições do ano que vem já está nas ruas. É alimentado pela imensa máquina de propaganda do governo da presidenta Dilma Rousseff,  candidata à reeleição, e também pelo esforço de seus principais adversários: Aécio Neves, do PSDB, e pela aliança Eduardo Campos/Marina Silva, do PSB e REDE. A esquerda socialista brasileira precisa se apresentar neste debate e, ao fazê-lo, apontar uma alternativa de classe e socialista para os trabalhadores e a juventude do nosso país.
As eleições de 2014 vão acontecer após o terceiro mandato petista à frente do governo federal e também das manifestações que varreram o país no mês de junho passado e que mudaram substancialmente a situação política brasileira.
O desgaste do PT
Os governos do PT souberam usar a situação diferenciada do Brasil na economia (crescimento na era Lula e recuperação rápida na crise de 2008), para angariar apoio popular, ao mesmo tempo em que mantiveram e aprofundaram um modelo econômico que em nada ficou devendo àquele aplicado pelos governos tucanos de FHC.
No entanto, este apoio popular começou a sofrer uma forte erosão a partir das manifestações de junho. Milhões foram às ruas, com a juventude à frente, para protestar contra a situação dos transportes, da saúde pública, da educação, da corrupção e um longo etc. Este imenso processo de mobilização colocou o movimento de massas na ofensiva em nosso país, deixando na defensiva a classe dominante e seus governos. Avançou também a experiência dos trabalhadores com o governo petista em episódios como o do leilão de Libra, que avançou na privatização das reservas de petróleo do nosso país, e ainda com a utilização do Exército na repressão aos movimentos sociais.
Este quadro político eleva o grau de desgaste do governo petista e amplia o espaço e as possibilidades para a construção de alternativas à esquerda. Neste sentido, não deixa de ser uma referência o resultado eleitoral, muito positivo, que teve a esquerda socialista argentina nas eleições parlamentares ocorridas recentemente naquele país.
Precisamos apresentar uma alternativa que, ao mesmo tempo faça um balanço dos governos do PT numa perspectiva de classe e socialista, e também, por óbvio, faça a crítica das outras opções da burguesia que estão disputando a consciência da população, como é o caso de Aécio Neves e Eduardo Campos/Marina.
Marina Silva é uma opção?
Marina Silva buscou construir para si, durante todo este período em que tentou viabilizar o seu partido, a Rede Sustentabilidade, uma imagem de alternativa à chamada velha política, centrando sua proposta na defesa do meio ambiente e das demandas das ruas expressas nas mobilizações de junho. No entanto, o seu passado no governo do PT, quando apoiou a legalização dos transgênicos no Brasil e a Lei que autorizou o arrendamento de áreas da floresta amazônica às madeireiras internacionais, desmente claramente qualquer compromisso com o meio ambiente. E a apressada aliança com Eduardo Campos do PSB, para viabilizar uma candidatura no próximo ano, mostra que a defesa da “nova política” e das demandas de junho não passam de pura retórica.
Uma alternativa de classe e socialista para os trabalhadores
Todos nós sabemos que as eleições não são o terreno fundamental da luta que devemos travar contra a burguesia e o capitalismo. O espaço fundamental deste enfrentamento é a luta direta, a organização e a mobilização dos trabalhadores e jovens em defesa de seus direitos e interesses. Mas também sabemos que a disputa que acontecerá nas eleições do ano que vem será, sim, um momento importante desta luta. Estará em jogo a disputa pela consciência da nossa classe em torno aos diferentes projetos para o país. E disputar a consciência e o voto da nossa classe para uma alternativa de classe e socialista é obrigação da esquerda socialista brasileira.
É a partir desta compreensão que o PSTU entende ser necessária a apresentação de uma candidatura classista e socialista nas eleições do ano que vem. Uma candidatura que não, necessariamente, precisa ser do nosso partido. Pode ser a expressão de uma frente de esquerda envolvendo os partidos da esquerda socialista que estão na oposição ao governo Dilma. Nesta carta aberta ao PSOL, que prepara o seu Congresso nacional neste momento, e ao PCB, queremos explorar esta possibilidade. A de que a candidatura classista e socialista às eleições do ano que vem seja expressão de uma Frente de Esquerda envolvendo o PSTU, PSOL e PCB.
Uma candidatura desta natureza precisa obedecer a vários critérios. Deve levantar um programa de classe, anticapitalista, que aponte a transição necessária do sistema em que vivemos para uma sociedade socialista; precisa ser isenta de qualquer relação ou participação de setores da burguesia, sob pena de repetir a trajetória do PT; precisa ser independente politicamente da burguesia e, para isso, como é obvio, não pode receber dela nenhum tipo de financiamento; e precisa ser uma candidatura a serviço das lutas e do fortalecimento da organização dos trabalhadores e da juventude.
Adiantamos estas opiniões aqui porque nos preocupam processos e exemplos que estão em curso neste momento, com a participação do PSOL, e que apontam em sentido diverso. É o caso da situação na prefeitura de Macapá. A aliança feita para eleger o prefeito e, depois, para governar, envolvendo vários setores da burguesia, está levando a um governo que ao invés de se apoiar nas lutas dos trabalhadores para mudar a vida do povo, acaba se enfrentando com as lutas para defender a manutenção do status quo. É o que ocorreu na última greve dos professores naquela cidade. Tampouco podemos ignorar os episódios de financiamento por empresas de candidaturas deste partido nas eleições passadas.
A Frente de Esquerda que possa abrigar uma candidatura de classe e socialista precisa, antes de tudo, se colocar de acordo sobre os critérios políticos acima apresentados, ainda que não tenhamos acordo em relação aos elementos de balanço aqui expostos. E, superadas estas questões, precisa ser organizada de forma a respeitar os espaços de cada um dos partidos que venham a compô-la, seja no que diz respeito à candidatura a vice, na utilização do tempo de TV e mesmo nas definições de coligações nos estados.
Nós vivemos um momento ímpar em nosso país. As manifestações que ocorreram no Brasil a partir de junho mudaram o quadro político nacional e aproximaram o Brasil do cenário político mundial, marcado pelas lutas heroicas dos trabalhadores e jovens do Norte da África e Oriente Médio e pela resistência dos povos da Europa. A esquerda socialista brasileira está ante o desafio de, nesta nova situação, fazer avançar a luta e a organização dos trabalhadores e todos os setores explorados e oprimidos em nosso país. Só assim o recrudescimento das lutas do nosso povo nos levará a mudanças efetivas no país e na vida dos trabalhadores e jovens brasileiros. A disputa colocada nas eleições do ano que vem será um momento importante deste desafio. Precisamos nos colocar a altura dele.
Saudações socialistas,
Zé Maria, Presidente Nacional do PSTU