sábado, 31 de maio de 2014

O que é uma greve

Henrique Canary, da Secretaria Nacional de Formação
A onda de greves que tomou conta do país surpreendeu a todos. Nem o governo, nem os patrões, nem a imprensa e nem os burocratas empedernidos de certos sindicatos souberam prever o poderoso movimento que arrastou milhares de trabalhadores em várias capitais e importantes centros urbanos. E muitas outras greves estão marcadas ou ainda podem acontecer. Como sempre, a imprensa tenta colocar os trabalhadores contra a população, mostrando os “prejuízos” provocados pelas greves e o “transtorno” causado à população. Até aí, nenhuma novidade. Mas quanto mais fazem isso, mais colocam eles mesmos em pauta questões de primeira magnitude: O que é exatamente uma greve? Qual o seu significado mais profundo? Por que elas acontecem? Quais seus limites e possibilidades? Se a própria imprensa coloca estas e outras questões, não seremos nós, os socialistas, a fugir do debate.
O que é uma greve?
À primeira vista, uma greve aparece como um conflito isolado entre os trabalhadores de uma empresa e seus patrões. Este é um aspecto inicial da questão, mas não a esgota. O capitalismo é um sistema econômico onde uma ínfima minoria da população detém quase toda a riqueza social. A outra parte, a imensa maioria, não possui nada, a não ser alguns bens pessoais, e por isso é obrigada a vender sua força de trabalho para poder sobreviver. Ao colocarem seu cérebro, nervos e músculos para funcionar, os trabalhadores movem a própria economia do país e produzem a riqueza nacional. Em troca das 8, 10 ou 12 horas por dia passadas na empresa, recebem um pequeno salário. A diferença entre o salário pago ao trabalhador e a enorme riqueza produzida pelo seu trabalho constitui o lucro do patrão. Por isso não há e nem pode haver “interesses comuns” entre trabalhadores e empresários. Os trabalhadores querem melhores salários; os patrões querem diminuir esses salários para aumentar os lucros. Eis o resumo de toda nossa sociedade, eis a essência desta relação dita “livre” e “democrática”, chamada trabalho assalariado. Assim, o próprio capitalismo, mesmo sem querer, empurra os trabalhadores ao conflito e à resistência. As greves são, portanto, um fato inevitável do sistema. Enquanto houver capitalismo, haverá greves.
Mas as greves não são, em geral, a primeira forma de luta dos trabalhadores. Antes de estourar uma greve em uma empresa, o que vemos são rumores de insatisfação e descontentamento, xingamentos escritos nas portas dos banheiros, desleixo e lentidão proposital na linha de produção e até mesmo a destruição de ferramentas, máquinas e mercadorias. Em sua luta pela sobrevivência, os trabalhadores agarram as primeiras armas que encontram, e essas armas são sempre individuais, e por isso ineficazes. Não se pode culpá-los por isso. É um primeiro movimento progressivo feito por uma classe que é explorada, oprimida e alienada, e nele há uma semente de consciência. Sob determinadas condições, essa semente germinará e dará frutos.
As greves ensinam
As greves, quando comparadas com as revoltas desordenadas ou com a resistência silenciosa individual, representam uma forma superior de luta. Elas são o despertar da consciência do operário. Em primeiro lugar, porque são ações coletivas. Da mesma forma que nenhum operário pode colocar uma fábrica para funcionar sem seus colegas, também nenhum operário pode parar uma fábrica sozinho. Para isso, é preciso a ação coordenada de todos os trabalhadores da empresa, ou pelo menos de uma parte importante. As greves revelam, então, o caráter necessariamente coletivo da ação operária. Além disso, mostram a possibilidade que os trabalhadores têm de controlar a produção, o poder potencial contido em suas mãos. Inversamente, as greves revelam como é frágil a situação do burguês, como seu domínio é baseado no engano e na ilusão, como seus assassinos fardados não passam de espantalhos decerebrados, como seus rugidos de leão são na verdade lamúrias de covardia e como ele próprio, embora se intitule “o grande mágico de Oz”, não passa de um homenzinho farsante e indefeso, controlando luzes e sombras atrás de uma cortina.
A burguesia pode reprimir uma greve. Mas o que ela não pode fazer é colocar a empresa para funcionar sem os trabalhadores. As tentativas feitas às vezes por chefes, encarregados ou até mesmo por policiais militares de substituir os trabalhadores grevistas em suas funções geram situações verdadeiramente ridículas, que são sempre lembradas pelos operários depois de cada greve ao som de enormes gargalhadas. Os braços dos trabalhadores parados podem ser quebrados, mas não podem ser ignorados. E nisso reside a força dos operários; nisso reside a fraqueza de seus inimigos.
As greves acarretam enormes sacrifícios para os trabalhadores: corte de ponto, demissões, multas, repressão, perseguições e assédio. Mas elas fortalecem os trabalhadores muito mais do que enfraquecem: ensinam os trabalhadores a controlar a contabilidade da empresa, a enfrentar a repressão; desenvolvem seu instinto de solidariedade para com seus companheiros; estruturam suas organizações; revelam os fura-greves e os traidores, mas também abrem o caminho para os líderes mais honestos e capazes. As greves também mostram a verdadeira face dos dirigentes sindicais, que muitas vezes são burocratas irrecuperáveis e bandidos declarados, e que acabam atropelados pelos trabalhadores em verdadeiras rebeliões de base, que podem ou não retomar o sindicato para o caminho da luta.
Os trabalhadores podem perder ou ganhar uma greve, mas este nunca será o resultado principal. O resultado principal será sempre o fortalecimento da união entre os operários e o avanço de sua consciência. Nenhum trabalhador que tenha lutado de peito aberto em uma greve sai dela do mesmo jeito que entrou.
Greves e luta política
A ampliação ou unificação das greves leva a que o conflito inicial, isolado, se transforme em um conflito mais amplo: agora não é apenas uma fábrica, mas uma categoria inteira que se enfrenta não mais com um único patrão, mas com todo um cartel organizado de empresas. E mais importante ainda é quando as greves se nacionalizam e abarcam distintas categorias. Neste caso, se revela a unidade de todos os patrões contra todos os trabalhadores e a luta adquire cada vez mais as características de um enfrentamento de uma classe inteira contra outra classe inteira. Ou seja, uma luta política.
Quando as greves se ampliam e se unificam, entra em cena o governo, que começa defendendo o diálogo e o bom senso, mas depois, diante da negativa dos operários em render-se, oferece aos patrões toda a ajuda do mundo para reprimir a greve. Assim, o aprofundamento do conflito coloca também para os trabalhadores o problema do Estado, da justiça, da impensa, da polícia e das leis. Aquilo que para o operário parecia natural, justo e eterno, deixa de sê-lo. O trabalhador muda de opinião sobre a polícia, o prefeito e os deputados; começa a duvidar que as leis contenham alguma gota de justiça; se torna ainda mais próximo de alguns colegas com os quais lutou ombro a ombro, ao mesmo tempo em que despreza e ri daqueles que entraram para trabalhar pela porta dos fundos da empresa, como se fossem ratos entrando por um bueiro, quando a maioria estava no portão de entrada tomando café, escutando as músicas da greve e lendo o boletim do sindicato. Sua consciência corporativa, meramente sindical, começa a avançar para uma consciência política, de classe.
A greve geral
Mas acima de todas as greves está a greve geral. A greve geral se eleva sobre todos os conflitos – isolados ou unificados, econômicos ou políticos – como uma gigantesca montanha se eleva sobre a planície. A greve geral não é apenas o resultado da unificação das lutas. É muito mais do que isso. A greve geral significa que os trabalhadores dos mais diversos ramos da produção passaram por cima de seus interesses corporativos e chegaram a uma reivindicação única, que eles tentarão impor por meio da ação direta nacional. Ao paralisar o país, a greve geral coloca – queira ela ou não – o seguinte problema: Quem governa a nação? Ou seja, questiona o poder da burguesia. A greve geral é a greve política por excelência. Justamente por isso ela se dirige, em geral, diretamente ao governo e às instituições do Estado, e não mais aos empresários isolados.
A greve geral é a expressão de um acirramento gravíssimo das contradições sociais. Porém, diferente das greves econômicas, ela não ocorre espontaneamente. Em uma greve econômica, a ideia de paralisação pode surgir pela manhã, os operários podem se organizar rapidamente, no intervalo do almoço ou na troca de turno, e paralisar a produção já no início da tarde. Muitas vezes, nesse tipo de greve, os trabalhadores primeiro páram, e só depois avisam o sindicato, que chega apenas para dar apoio e ajudar na continuidade da luta (ou deveria, pelo menos). Já a greve geral é completamente diferente. Nela, é necessário um alto grau de organização da classe trabalhadora. O elemento espontâneo desempenha aqui um papel secundário. O que predomina é a preparação, a capacidade de análise e previsão, a centralização da ação operária, os serviços de autodefesa e inteligência das organizações de luta. Uma greve geral exige um nível de organização em âmbito nacional que nenhum sindicato isolado, por mais poderoso que seja, está em condições de garantir. A greve geral, para ter sucesso, exige uma central sindical nacional, de preferência com uma forte influência sobre outros movimentos sociais, como o estudantil, o popular, os movimentos de luta contra a opressão, a intelectualidade etc. Na greve geral, todos os oprimidos e explorados do país se erguem sob a direção da classe trabalhadora. A greve geral é o primeiro ensaio da futura insurreição revolucionária.
Greve e alienação: o problema dos “transtornos”
Uma greve não é importante apenas para aquela categoria que realiza a paralisação ou para o empresário. Toda greve, se é bem sucedida, provoca maiores ou menores efeitos sobre uma parcela da população que utiliza aquele serviço que deixou de ser prestado, compra aquela mercadoria que deixou de ser produzida, passa por aquela via bloqueada etc. A imprensa chama isso de “transtorno”. O marxismo chama isso de ruptura da alienação.
A sociedade capitalista se caracteriza pelo seguinte fato: ela separa e divide os trabalhadores; destrói a sua unidade, transforma a classe trabalhadora em um amontoado de indivíduos isolados que levam vidas individuais, pensam em seus interesses individuais, agem individualmente etc. Ao contrário do que se pensa, o egoísmo e o individualismo não são um traço “natural” do ser humano, mas sim fruto desta alienação, desta separação do trabalhador em relação aos seus irmãos de classe.
Assim, na sociedade capitalista, cada pessoa é mais ou menos “visível” para mim de acordo com a vantagem que eu posso tirar dela para minha existência individual. Por isso, eu vejo meus colegas de trabalho, dou-lhes “bom dia”, tenho relações amistosas com eles. Mas a servente de limpeza é para mim invisível. Eu não a vejo, não sei seu nome, não lhe dou “bom dia”, pois não obtenho nada diretamente dela. O mesmo acontece em relação aos motoristas de ônibus, aos funcionários públicos, aos garis e a todos aqueles trabalhadores que são por mim considerados “os outros”.
O que fazem as greves, então? Elas tornam os trabalhadores visíveis uns para os outros. Os comérciários percebem que dependem dos motoristas e cobradores; os operários veem que precisam dos bancários; os professores notam que sem os funcionários da escola sua vida é um inferno. Esse “abrir de olhos” ocorre, no início, sob a forma de um conflito: eu amaldiçoo e condeno os garis ou os motoristas porque sua greve me impede de realizar minha atividade individual. Mas com o crescimento e o fortalecimento da greve, a luta entre o gari e a prefeitura comove toda a sociedade. Com isso, avança não apenas a consciência do gari, mas também minha própria consciência: “E se eles estão lutando por uma vida digna, não deveríamos nós lutar também?” As greves são, portanto, um momento de ruptura da alienação; elas alimentam a intuição dos trabalhadores sobre sua própria unidade e seus interesses comuns. Aqueles que eram invisíveis se tornam visíveis. Os trabalhadores olham uns para os outros e enxergam a si mesmos.
Os limites das greves e o socialismo
Mas tudo o que dissemos até agora são possibilidades e não necessariamente as coisas acontecem assim. A luta grevista é a luta do trabalhador para vender sua força de trabalho mais caro. Ou seja, é uma luta dentro dos limites do capitalismo. Encerrados dentro dessa luta, os operários não poderão jamais chegar a uma consciência verdadeiramente socialista. A consciência socialista é a consciência dos interesses não apenas da classe operária, mas de todos os explorados e oprimidos, é a consciência da razão e do progresso humano. O socialismo não é o resultado “inevitável” da luta da classe trabalhadora. É uma proposta política e social, elaborada a partir de uma análise científica de toda a história, de todas as classes, de todos os países. Como qualquer proposta, o socialismo pode ser aceito ou não; os trabalhadores podem agir para implementá-lo ou não. Mas se o fizerem, certamente não será por algum “instinto” ou por sorte, e sim porque alguém os convenceu disso, alguém lutou por esta proposta.
E aqui entram os socialistas: eles não são jamais meros auxiliares do movimento operário ou sindical, embora ajudem e façam de tudo por este movimento. Mas são muito mais do que isso: são eles que unem, através de um partido político revolucionário, os operários com os outros oprimidos e explorados; mostram os caminhos que já foram percorridos, as experiências históricas; estabelecem alianças com os operários de outros países; educam os trabalhadores no espírito da desconfiança e do combate para com a burguesia; revelam as manobras do inimigo, seus interesses mais escusos; ajudam os operários a tirarem as lições de cada luta e propõem novos objetivos; fortalecem nos trabalhadores a confiança em suas próprias forças; mostram para os operários as conclusões lógicas de sua própria ação: a necessidade da derrubada do capitalismo, da luta pelo poder e pela libertação revolucionária de todo o povo, ou seja, o socialismo.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Os debates sobre Frente de Esquerda no interior do PSOL e a posição do PSTU


Zé Maria, em 2010, em debate com os cadidatos do PSOL e do PCB
Foto: Sérgio Koei
 Circulou dias atrás nas redes sociais, carta pública da companheira Luciana Genro endereçada “à direção nacional do PSOL e a todos os militantes que lutam por um Brasil socialista”, onde a ex-deputada critica a decisão do diretório paulista do seu partido por ter trocado o pré-candidato a governador do Estado, Vladimir Safatle, por Gilberto Maringoni. Nesta carta são feitas referências ao PSTU que acabam por nos envolver no debate travado entre os companheiros. Antes, numa carta, o professor Safatle já havia feito o mesmo.

Não é parte de nosso cotidiano opinar sobre debates internos de outros partidos. No entanto, nestas condições, consideramos necessário tornar pública nossa opinião, de forma a esclarecer o que realmente pensa o PSTU acerca do assunto.

A carta da companheira afirma, depois de criticar a troca realizada pelo diretório de seu partido, que a escolha de Maringoni “inviabiliza a frente com o PSTU” e, em outra parte da carta, anuncia “disposição em renunciar ao lugar de pré-candidata a vice presidente” agregando, logo em seguida, que “com este gesto, garanto o lugar para que o PSTU aceite participar da chapa nacional”.

Não podemos deixar de reconhecer o gesto de generosidade política da ex-deputada no que toca ao debate interno em seu partido, mesmo entendendo que se trata da decisão de um setor do partido apenas, e não do PSOL. No entanto, não podemos concordar com as bases e fundamentos que a carta da companheira usa para envolver o nosso partido na discussão. Queremos reiterar aquilo que já tornamos público anteriormente quando algumas decisões do PSOL acabaram por inviabilizar a constituição da Frente de Esquerda.

O PSTU, desde o ano passado, defendeu e insistiu durante meses para que fosse conformada uma Frente de Esquerda envolvendo PSTU, PSOL e também o PCB. O fizemos porque acreditamos que seria melhor se pudéssemos unir os três partidos para apresentar ao país uma alternativa de classe e socialista nas eleições desse ano. Uma frente que defendesse a ruptura com o imperialismo, os banqueiros, grandes empresas, empreiteiras e o agronegócio, para aplicar um programa econômico que atendesse às necessidades, interesses e direitos da classe trabalhadora e da juventude.

Nas discussões que fizemos com o PSOL, sempre nos balizamos pela construção de um programa que defendesse a suspensão imediata do pagamento da dívida interna e externa, a estatização dos bancos, o fim das privatizações e a reestatização de todos os setores estratégicos entregues ao capital privado (petróleo, energia, telecomunicações, transportes siderurgia etc.). Nosso partido acredita que somente partindo dessas medidas será possível garantir o atendimento das demandas levantadas nas mobilizações que sacodem o país – das grandes passeatas de junho passado às centenas de greves, ocupações e mobilizações de hoje –, ou seja, melhores salários, saúde, educação, moradia, transporte coletivo, reforma agrária, aposentadoria. Um programa que assegurasse fim toda a forma de discriminação e opressão contra mulheres, negros e negras e as pessoas LGTB. Que defendesse, a plena vigência de liberdades democráticas, contra a repressão e a criminalização das lutas sociais. Que defendesse, o fim da corrupção, com a prisão e confisco dos bens de corruptos e corruptores etc.

Enfim, sempre nos pautamos por defender uma alternativa de classe e socialista, independente da burguesia, um governo da classe trabalhadora, sem capitalistas, em contraponto tanto aos projetos da direita tradicional (representada pelos candidatos do PSDB e do PSB) quanto à candidatura do PT. Que fizesse uma campanha a serviço das lutas da nossa classe, que denunciasse a farsa que é o processo eleitoral, completamente controlado pelo poder econômico e que, por óbvio, não aceitasse nenhum tipo de financiamento de empresas, dos bancos ou empresários.

Acreditamos que esta é a resposta que a esquerda socialista brasileira deve aos milhões de jovens que foram às ruas em junho passado pedir mudanças no país, aos operários, professores, garis, rodoviários, petroleiros, servidores públicos que sacodem o país com uma onda grevista que não víamos há muitos anos, às milhares de famílias que tem lutado em todo o país por moradia digna. Aos que resistem contra a violência das polícias e contra a criminalização de ativistas e das lutas sociais, aos que lutam contra todas as formas de opressão que martirizam a vida das mulheres, negros e negras e LGBTs.

E nas discussões que fizemos, nós não conseguimos chegar a este acordo com o PSOL. Portanto, o que inviabilizou a conformação da Frente de Esquerda não foi, como dá a entender a companheira Luciana em sua carta, simplesmente o fato de o PSTU não ter o lugar de vice na chapa presidencial. Sim, nós acreditamos que em uma Frente deve ser respeitado o espaço político de cada partido, senão não é Frente, seria uma adesão. Mas frente não se deu devido a opção que fez o PSOL, ao definir o conteúdo político da candidatura presidencial, no caso representada pelo senador Randolfe Rodrigues.

Ademais, é bom que se saiba que sequer conseguimos entabular uma discussão séria em torno ao programa da Frente de Esquerda que nos propúnhamos a construir, pois os companheiros já tinham suas posições tomadas, algumas delas públicas, antes mesmo de reunir-se conosco. O fato de decidirem ocupar também o lugar de vice-presidente na chapa presidencial expressou apenas a opção política feita pelos companheiros acerca do conteúdo da alternativa que decidiram apresentar nas eleições. Opção com a qual, em seu conjunto, não temos acordo.

Não queremos nos ater aqui aos graves problemas que tem tido a administração do PSOL na prefeitura de Macapá – os professores e professoras da rede municipal daquele município, que estão lutando para que a prefeitura pague o piso nacional, que o digam. As próprias entrevistas concedidas pelo senador, em que apresenta sua candidatura tratam de explicitar as diferenças de programa que temos, como se pode ver na longa entrevista concedida à revista Caros Amigos, entre outras. Em entrevista recente ao portal UOL (19/5/2014), ao ser questionado se sua campanha receberia recursos de empresas, responde que “Em princípio não. Se viermos a receber qualquer doação de empresa vamos avaliar. Podemos receber, mas iremos definir.” Ora, sequer a independência financeira de sua campanha está assegurada.

Com tudo isso, nós entendemos e respeitamos a opinião da ex-deputada e da corrente política da qual ela faz parte, que considera correto compor a chapa com o senador Randolfe, na condição de vice-presidente. Na sua carta a companheira diz que ”As posições que Randolfe tem defendido reafirmam minha convicção de ter tomado a decisão correta em aceitar a tarefa de candidata à vice-presidente (...)”. Como a companheira afirma ter acordo com “as posições que Randolfe tem defendido”, nada mais justo que considere correto ocupar o lugar de vice em sua chapa. Não obstante, pelos motivos expostos à cima, não é assim que pensa o nosso partido.

A alternativa que o PSTU defende, e que expressamos quando buscamos construir a Frente com os companheiros não cabe no conteúdo definido pelo PSOL. Por essa globalidade é que se inviabilizou a Frente de Esquerda, o que levou o PSTU a lançar candidatura própria à Presidência da República. Esta decisão, aliás, foi tomada em nosso Encontro Nacional, após debate em todo o partido e é nossa tradição respeitar as decisões tomadas desta forma. Por outro lado, a decisão de lançar candidatura própria em nível nacional não interfere nem traz prejuízos às frentes que já foram feitas em alguns estados ou às discussões em curso em outros estados, sempre em base a acordos programáticos, na independência de classe e no respeito ao espaço dos partidos.

Nós acreditamos que é necessário, mais ainda na situação política atual, apresentar à nossa classe uma alternativa classista, socialista, independente da burguesia e a serviço das lutas dos trabalhadores e jovens do nosso país. Por isso, decidimos lançar candidatura própria à Presidência. E não consideramos esta tarefa como sendo exclusivamente da militância do PSTU. É tarefa de todas e todos que lutam neste país por um Brasil socialista. E a todos e todas chamamos para que assumam conosco esta responsabilidade. É o que temos a dizer a cerca do debate em questão.


Curta a página de Zé Maria no Facebook

sexta-feira, 23 de maio de 2014

PELÉ INVENTA O PÓSTRESTO, palavra que nem sei se existe em nosso vocabulário.


Mais uma Pérola do Capitão do Mato da FIFA, o Pelé. Em entrevista ele disse que os brasileiros deveriam ter protestado contra a Copa  antes dela haver sido aprovada, pois agora não tem mais sentido.

Dois detalhes que Pelé esqueceu de dizer ou talvez nem saiba:

1 - Se o povo fosse às ruas dizer que não queria a copa não ia reverter a situação, pois se as decisões contrarias a vontade do povo são aprovadas no Congresso que supostamente são eleitos pelo povo, imagine essa decisão sobre a o local da  copa  que é uma escolha exclusiva dos agentes da FIFA;

2 - Mesmo que, se  democraticamente o povo houvesse dado o aval para a Copa do Mundo no Brasil, o aval foi para o evento esportivo não para  uso do dinheiro publico na construção dos estádios em detrimento da Educação, Saúde, Transportes, etc e nem para a corrupção  em torno dessas construções.

Obs: A expressão PÓSTRESTO ele não disse literalmente foi criação minha.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Copa e Criminalização

A Copa do Mundo no Brasil vai ser a festa da FIFA, dos empresários e dos grandes meios de comunicação à custa do dinheiro publico

Atos contra a Copa estão contando com policiamento ostensivo

A previsão de gastos públicos com a Copa do Mundo é de R$ 8,3 bilhões de reais em financiamentos; R$ 6,3 bilhões em recursos diretos do governo federal; R$ 4 bilhões de recursos diretos dos governos estaduais e R$1 bilhão de recursos diretos dos governos municipais. O que dá uma soma de 19,6 bilhões de reais.

A Copa mais cara da História da Humanidade
Agrega-se a isso o fato de que a dívida pública de 2011 ultrapassou os R$3 trilhões, os gastos com juros e amortizações consumiram 40% do Orçamento da União em 2013 ou R$ 718 bilhões. Enquanto isso a saúde ficou com somente 4,3% deste Orçamento, a educação 3,7% e o transporte com míseros 0,6%. Para este ano, se prevê gastos no Orçamento com juros e amortizações da ordem de R$ 1 trilhão.

Frente aos dados mencionados, fica claro que o investimento na Copa é publico e o lucro será da iniciativa privada. Somente a FIFA pretende ganhar 10 bilhões de reais com a COPA. Enquanto isso, a saúde, a educação, o transporte e o serviço público em geral são deixados à mingua.

O governo Dilma, depois dos Leilões de petróleo, resolveu aprofundar a condição do Brasil de colônia do Imperialismo, sendo que nos próximos meses seu representante máximo no país será a FIFA.

O STF apoia e sustenta a submissão à FIFA
Por dez votos a um, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADIN 4976 (Ação Direta de Inconstitucionalidade), na qual a Procuradoria Geral da República questionou dispositivos da Lei Geral da Copa (Lei 12.663/2012). Entre tais dispositivos estão os que: responsabilizam a União por prejuízos causados por terceiros e por fenômenos da natureza; que concederam prêmio em dinheiro e auxílio mensal aos jogadores das seleções brasileiras campeãs das Copas de 58, 62 e 70; e que isentam a FIFA e suas subsidiárias do pagamento de custas e outras despesas judiciais.

Para os Ministros do STF, a segurança pública é dever do Estado. Caso ocorra um incidente ligado à segurança, “evidentemente a FIFA não será responsável pelo ressarcimento dos prejuízos”.

Enquanto isso: repressão aos movimentos sociais
Em Porto Alegre, o Ministério Público encaminhou à 9ª Vara Criminal denúncia contra seis ativistas acusando-os de serem líderes de depredações, saques e arremesso de fogos de artifício contra populares durante a manifestação do dia 27 de junho de 2013.

O promotor afirma que os crimes foram arquitetados durante uma reunião na segunda quinzena de junho de 2013.

Os seis ativistas foram denunciados por crimes de associação criminosa, explosão, furto qualificado e dano — agravado por emprego de violência à pessoa ou grave ameaça contra o patrimônio público. As penas somadas, em caso de condenação, chegam a 20 anos de prisão.

Os denunciados são: Matheus Pereira Gomes, 22 anos, ligado ao PSTU e membro da Assembleia Nacional dos Estudantes Livres; Lucas Maróstica filiado ao PSOL e membro do coletivo Juntos; José Vicente Mertz, militante anarquista; Rodrigo Barcellos Brizolla com atuação no Movimento Autônomo Utopia e Luta, assim como Alfeu Costa da Silveira Neto e Gilian Vinícius Dias Cidade, 24 anos e filiado ao PSTU.

Os movimentos sociais de todo o Rio Grande do Sul repudiam esta denúncia, pois têm clareza de que se trata de um "ataque político" e de uma tentativa de "criminalizar os movimentos sociais". Tudo isso orquestrado pela Polícia do governo do PT de Tarso Genro.

Matheus Gomes foi categórico em afirmar que "no inquérito, não existe nenhuma prova de que cometemos qualquer uma dessas ações. Nos criminalizam pelo papel político que cumprimos na organização do Bloco de Lutas”. Assim como seu advogado Alberto Albiero Jr: "Esse processo é uma grande fraude e uma tentativa de criminalizar o movimento social. Gilian e Matheus são líderes do movimento e não há nenhuma prova contra eles”.

Isso ocorre dias depois de, entre 06 e 07 de maio, três militantes do PSTU, juntamente com outros estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina, receberem intimações da Polícia Federal do governo de Dilma Rouseff. Todos intimados a compareceram à delegacia, a partir da segunda quinzena de maio, para “prestar esclarecimentos à justiça” em uma investigação sobre a invasão da Policia Federal no campus da UFSC, com o posterior reforços da Tropa de Choque da Policia Militar. A ação, que contou com tiros de bala de borracha, gás lacrimogêneo e gás de pimenta, deixou 27 estudantes feridos. Após a ação da polícia, os estudantes ocuparam a reitoria durante 3 dias. O Ministério Público, complacente com a situação, anunciou que pretende enquadrar o movimento na Lei de Segurança Nacional.

Em São Paulo, o governo de Alckmin não poderia ficar fora desta escalada de criminalização contra os movimentos sociais. Em Campinas, o Ministério Público ofereceu denúncia contra vários ativistas e militantes que participaram da ocupação da Câmara Municipal por crimes de dano ao patrimônio público e desobediência.

Nesta denuncia estão mais de cem ativistas do movimento e pelo menos 20 filiados ao PSTU. Ainda em Campinas, a promotora da infância e da juventude afirmou que vai oferecer representação contra os menores que participaram do movimento.

Frente à escalada repressiva dos governos Federal e estaduais, torna-se urgente, por um lado, a construção de novos Comitês contra a Criminalização dos Movimentos Sociais e da Pobreza e, por outro, que os Comitês que já existem se reúnam e construam seus planos de mobilização e defesa dos militantes, vinculando-os às manifestações contra os desmandos da COPA, às greves e às mobilizações.

O governo federal e os estaduais estão criminalizando a luta dos trabalhadores para ver se conseguem alguma “paz” durante a COPA, para que a farra com o dinheiro público seja escondida e que os lucros da FIFA e seus associados sejam garantidos. Somente há uma maneira de se evitar isto: indo às ruas e protestando!

Lutar não é crime!
Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais
Chega de Dinheiro para a Fifa, empreiteiras e banqueiros!

sábado, 10 de maio de 2014

A LUTA CONTRA O RACISMO E A TENTATIVA IDIOTIZAÇÃO DA REAÇÃO NEGRA


Hertz Dias - PSTU Maranhão

Com a aproximação dos jogos Copa do Mundo cresce a preocupação da burguesia brasileira e de sua mídia com as mobilizações sociais. Tudo indica que a massa negra, que representa o setor mais oprimido e explorado do proletariado brasileiro, começa a entrar em cena e entra com muita força.
O morro cansou de ganhar o asfalto só com suas manifestações culturais, agora é o morro de “carne e osso” que vai ao asfalto com “palavras de ordem”, faixas e bandeiras para dizer não à violência e ao racismo! Copacabana foi tomada como nunca visto na história e para cada favelado morto pela polícia de São Paulo alguns ônibus são incinerados no asfalto! Nas grandes capitais do país esses fatos se repetem.
O proletariado negro organizado também entra em cena, afinal de contas qual é a origem racial dos garis que dobraram o prefeito Eduardo Paes (PMDB) em pleno carnaval carioca? O fenômeno se estendeu por diversas capitais do Brasil, bem como o fenômeno dos “rolezinhos”.  No campo, centenas de comunidades quilombolas resistem na mesma intensidade. Agregado a isso, os inúmeros casos de racismo ocorridos dentro e fora dos campos de futebol coloca o tema racial no centro do debate político.
Porém, como aconteceram durante as “Jornadas de Junho”, os governos, a burguesia, seus partidos e sua mídia comercial tentam controlar essas rebeliões e banalizar o debate e a luta racial. 
Identificamos duas ideologias centrais para esse intento: uma é tentar demonstrar que os preconceitos, em geral, e o racismo, em particular, afetam todos os brasileiros independente da origem racial e da condição social; e a outra é convencer a população de que esses problemas podem ser superados com ações individualizadas ou com a “não luta”. No geral, as exceções são tomadas como regra geral. Há algumas semanas o Programa da Rede Globo “Encontro com Fátima Bernardes” tratou do tema bullying em que as principais vítimas eram brancas, burgueses ou de classe média. Os “pobres coitados” lembravam emocionados dos preconceitos que enfrentaram na infância por terem a boca grande, o corpinho de modelo, o cabelo longo ou pintado, aparelhos nos dentes, sobrancelhas grossas e até dons artísticos. Em meio às lágrimas e soluços relataram que superaram os bullyings com ações individuais; usando a criatividade, o bom humor ou mesmo “ignorando os preconceitos”. O mundo parecia um lugar onde todos discriminam todos e todos por todos são discriminados.
Desta forma, iguala-se alguém que sofre preconceito porque ser “bonita demais” com milhares de pessoas que são discriminadas e mortas por serem negras e pobres. É dessa idiotização que nasce a patética ideia de que o mundo precisa apenas de uma “consciência humana” já que nessa visão distorcida da realidade a consciência negra também produz mais racismo (sic!). Em meio a isso, o jogador do Barcelona, Neymar Júnior, que sempre negou sua origem negra, lança a midiática e ridícula campanha “Somos todos macacos”, que foi imediatamente abraçada por diversos artistas globais. Ao contrário deste, o jogador do Milan, Mário Balotelli, que resolveu enfrentar o racismo com ações mais contundentes, foi rotulado pela imprensa futebolística de provocador, polêmico e marrento. 
No último domingo (04/05/2014) o também jogador do Barcelona, Daniel Alves, ao ser entrevistado no quadro “Na Estrada com Galvão” do programa “Esporte Espetacular”, também da Rede Globo, reforçou a ideia de que combater os racistas não é a melhor forma de combater o racismo, apesar de reconhecer que sofre racismo há 11 anos na Europa. Nota-se que nenhum desses programas relaciona os casos de racismo ocorridos dentro dos campos de futebol com a violência racial cometida contra a população negra de maneira geral. Pelo contrário, Daniel Alves chegou a afirmar no programa supracitado que os racistas dos campos de futebol, talvez, não sejam racistas na vida cotidiana. 
Na verdade, não tendo mais como sustentar a ideia de que o Brasil é uma grande “democracia racial”, a elite brasileira tenta, desesperadamente, criar um novo mito, o do “preconceito democrático”, aquele que pode ser superado com ações individuais ou de preferência com a “não luta”.
Mas, os defensores do “preconceito democrático” não apresentam qualquer estatística que comprove que os opressores estão sofrendo tanto preconceitos quanto os oprimidos. Não apresentam por que não há! Não apresentam porque sabem que os negros, as mulheres e os homossexuais da classe trabalhadora são as principais vitimais das opressões nesse país. Não apresentam porque sabem que os bullyings que os burgueses sofreram de seus coleguinhas nas escolas não os credenciaram as serem baleadas nas costas e arrastadas pelo asfalto quente por mais de 350 metros tendo parte do corpo dilacerado, como aconteceu com a auxiliar de serviços Ana Cláudia. Não os credenciaram porque, diferente dos seus pares de classe, Ana Claudia, Amarildo e DG foram vítimas letais do racismo branco e não de bullyings, que na versão brasileira está servindo como distração ideológica para tornar invisíveis os movimentos de luta contra as opressões e para deslegitimar suas ações coletivas. 
Ora, o que é bullying racial senão eufemismo de racismo!
É preciso lembrar aos modistas de plantão que racismo é uma ideologia que condena e mata negros há centenas de anos no Brasil e em todo o mundo. O novo é a tentativa de banalização dessas práticas e das lutas que devem ser travadas para a sua eliminação. Se um negro discriminado na escola é vítima de bullying, então o que dizer quando o mesmo é morto pela polícia pelo simples fato de ser negro? Amarildo, Ana Claudia, DG e tantos outros foram vítimas de que? De bullying policial”? Sendo assim, o Movimento Negro então deve diluir-se em um hipotético Movimento de Luta contra o Bullying e ensinar os negros a superarem o racismo com ações individuais; quem sabe dançando, cantando ou, preferencialmente, não lutando. É preciso idiotizar as opressões para conter as reações coletivas!

MENOS INDIVIDUALISMO, MAIS ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

Nenhuma das ideologias criadas ou resinificadas para garantir a dominação, a humilhação e a exploração capitalista, a exemplo do racismo, podem ser combatidas de maneira consequente com ações individualizadas. Mais do que uma tática circunstancial, o individualismo é a espinha dorsal de sustentação do capitalismo. A equação que atende aos interesses da burguesia não serve aos trabalhadores, nessa relação os opostos não se atraem!
A “batalha das bandeiras”, os ataques aos partidos de esquerdas e aos movimentos sociais ocorridos durante as “Jornadas de Junho” não foi resultado de uma ideologia que brotou de dentro das próprias mobilizações, ela veio de fora, veio da direta direita, da burguesia e da sua mídia comercial. Agora é preciso conter a “fúria negra” que brota das greves, das favelas, dos morros, das palafitas e dos bairros pobres.
A palavra de ordem “Fora UPP” já não é mais um grito só da esquerda, ela se massifica, pela esquerda, no universo da massa negra plebeia sufocada pelo “braço de ferro” do Estado. O argumento de que as mortes ocorridas nos morros cariocas são “incidentes” provocados pela troca de tiros entre policiais e traficantes já não convence tanto, sobretudo, naquelas comunidades em que o próprio governo diz ter “pacificado”. Se existe confronto é porque a “pacificação” é uma farsa ou se as comunidades foram “pacificadas” é porque o enfrentamento da polícia é, indiscriminadamente, contra todos moradores. 
Nessa direção, a realização dos jogos da Copa do Mundo no Brasil está se tornado um evento impopular para os negros em função do aumento da repressão às suas comunidades e o enorme desperdício de dinheiro público. Em seu pronunciamento do 1º de Maio a presidenta Dilma sequer tocou no assunto Copa do Mundo. Há pouco mais de um mês da abertura desses jogos o negro plebeu do país do futebol troca a ideologia do "verdeamarelismo" pelo luto e pela luta contra o extermínio dos seus pares 
Enfim, as ações estão mais coletivas, os enfrentamentos menos espontâneos, a massa negra mais confiante em suas próprias forças e os movimentos sociais aos poucos recuperam o terreno político perdido para o individualismo neoliberal nos últimos vinte anos e para o governo do PT nos últimos dez anos.
Nesse momento é preciso unificar a luta racial em torno de uma plataforma capaz de ligá-la aos interesses gerais do conjunto da classe trabalhadora. A burguesia sabe que o combate consequente ao racismo, com ações coletivas, organizadas e classistas, ajuda a minar as estruturas do capitalismo, sobretudo no país mais negro fora do continente africano.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A volta de Dan Mitrione


Escrito por José Benedito Pires Trindade e Otto Filgueiras   
Segunda, 28 de Abril de 2014
 
Daniel A. Mitrione, o mítico agente da CIA, que passou a década de 60 treinando policiais latino-americanos, especialmente brasileiros e uruguaios na “arte” do interrogatório, da tortura e da repressão aos movimentos estudantis, populares e revolucionários, está de volta ao nosso país.

“El Maestro de La Tortura”, como o classificou o jornal argentino “Clarin” – a cujo funeral, em Richmond, Indiana, EUA, compareceram o ex-presidente Dwight Eisenhower, o secretário de Estado William Rogers, e a quem Frank Sinatra e Jerry Lee Lewis homenagearam com um concerto –, desembarcou semana passada no aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília.

Recebido na pista do aeroporto por representantes do Ministério da Justiça, da Polícia Federal, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, da ABIN, da CBF, da embaixada dos Estados Unidos em Brasília e pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, representando o governo de São Paulo, Dan Mitrione manifestou alegria de voltar ao nosso país, agora com a missão de treinar nossos policiais para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O Ministério dos Esportes não mandou representantes à recepção.

Junto com Mitrione desembarcaram paramilitares norte-americanos, especialistas no combate ao terrorismo e às manifestações populares, da empresa Academi, a antiga Blackwater, que mudou de nome depois de ter se envolvido em dezenas de assassinatos de civis no Iraque e no Afeganistão. Eles e o agente da CIA vão treinar policiais-militares e agentes da ABIN e da PF, “para garantir uma Copa do Mundo sem surpresas”, informou autoridade brasileira, presente na recepção do grupo.

Depois de cumprimentar as autoridades nacionais, Dan Mitrione quis saber em que fase está a feitura da legislação anti-manifestações, que ele próprio havia recomendado como imprescindível para a segurança da Copa. Ao saber que ela ainda está sendo debatida no Congresso, fez uma observação jocosa sobre o atraso das obras dos estádios e da lei “antiterror”.

De qualquer forma, o delegado Sérgio Paranhos Fleury, acompanhado de seu fidelíssimo valete, o policial João Carlos Tralli, o Trailer, aquietou o velho amigo da CIA, dizendo que pouca coisa mudou no Brasil, desde a execução dele, Mitrione, há 44 anos, no Uruguai. Logo, afirmou Fleury, a inexistência de uma legislação “antiterror” não há de impedir uma ação dura da polícia contra manifestantes.

Para tranquilizar Dan Mitrione e os homens da ex-Blackwater, o delegado citou as recentes ações da Polícia Militar e das Forças Armadas na tomada do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, com a morte de dezenas de favelados, sem que o fato tivesse qualquer repercussão negativa.

Fleury referiu-se ainda à pouca ressonância de matéria recente do jornal Folha de S. Paulodando conta que milhares de pessoas continuam sendo enterradas (sem identificação ou sob suposta identificação) como indigentes no cemitério de Perus, tal como era feito nos anos 60 e 70, para fazer desaparecer os corpos de militantes políticos ou vítimas do Esquadrão da Morte.

Para a satisfação de Dan Mitrione, que por quase dez anos ensinou policiais brasileiros como torturar prisioneiros para arrancar informações, o delegado adicionou que a tortura é hoje uma prática amplamente adotada em delegacias e prisões brasileiras.

Acredita-se que perto de mil alunos tenham passado pelas “escolinhas” de Dan Mitrione em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, entre 1960 e 1968, para aprender as técnicas de como bater sem deixar marcas; a otimização do uso do pau-de-arara; as virtudes dos choques elétricos bem aplicados; a simulação de afogamento; a utilização adequada da cadeira do dragão; a aplicação em doses certas do garrote vil; os abusos sexuais como forma de desmoralizar e desestabilizar o prisioneiro, especialmente a prisioneira; o arremedo de fuzilamento e mais.

No entanto, Tralli advertiu Mitrione e os homens da ex-Blackwater de que o uso de mendigos e indigentes para a ilustração das aulas, como o agente da CIA fazia largamente em sua passagem anterior pelo país, deveria ser empregado com certo comedimento, para não chamar a atenção de entidades de defesa dos direitos humanos, já que as “lições práticas” provocavam um índice elevado de mortes dos “modelos”.

Homens da Regional Security Office, núcleo da CIA na embaixada norte-americana, e que intermediou o treinamento de policiais brasileiros nas instalações da ex-Blackwater nos Estados Unidos, também pediram certa cautela ao agente da CIA.

Effective torture was science”, respondeu Mitrione, ao insistir na necessidade das “aulas práticas”.

Ainda no aeroporto de Brasília, em uma das salas vip recém-inauguradas pela presidente Dilma, brasileiros e norte-americanos discutiram a conveniência ou não de as forças especiais destacadas para a segurança da Copa usarem uniformes.

Dan Mitrione revelou predileção pelos uniformes pretos usados pela ex-Blackwater no Iraque e no Afeganistão. No entanto, quando um dos interlocutores lembrou a semelhança do uniforme com o fardamento das Schutzstaffel, desenhado por Hugo Boss a pedido de seu amigo pessoal Adolf Hitler, Mitrione revelou mais uma vez o seu senso de humor: “Ora, não precisamos acrescentar as runas”.

De qualquer forma, ficou assentada uma consulta a Hugo Boss, para que a grife ofereça sugestão de farda, “sem as runas e a cruz”, brincou mais uma vez Mitrione.

Por fim, o agente da CIA perguntou a Fleury sobre a repercussão de sua volta ao Brasil e o delegado o tranquilizou: “Não se preocupe Dan, este país não tem memória e pouquíssima gente sabe quem é você. Veja o Malhães – que deus o tenha: falou todo aquele monte de besteira e ninguém deu bola. A mídia, principalmente’’.

Ao ouvir o nome de Malhães, Dan Mitrione puxou Fleury de lado e os dois apartaram-se do restante do grupo, cochichando.


José Benedito Pires Trindade e Otto Filgueiras são jornalistas; sendo que Otto está lançando o livro Revolucionários sem rosto: uma história da Ação Popular.