quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Marxismo e democracia Leia a parte 1 do artigo: O mito da democracia



As grandes manifestações de junho de 2013 abriram um período de enormes possibilidades para o movimento de massas brasileiro. Mas também de enormes perigos. Junto com a chuva de bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, os ativistas políticos, militantes de esquerda e lutadores sociais enfrentam também, há mais de um ano, um verdadeiro bombardeio ideológico, que apesar de ser invisível, insípido e inodoro, é tão perigoso quanto o gás de pimenta e as balas de borracha. Aliás, ao longo de sua história, o movimento de massas foi derrotado mais vezes por mentiras e enganos do que por tiros, cassetetes e canhões. O perigo ideológico, portanto, não deveria ser desprezado.
Opinamos que uma das principais questões colocadas hoje diante dos ativistas da esquerda brasileira diz respeito, de uma forma ou de outra, ao problema da democracia burguesa: sua natureza e seus mecanismos, suas possibilidades e impossibilidades, sua força e suas fraquezas. Sem compreender a fundo essa questão, não é possível dar uma resposta correta a fenômenos tão complexos como o resultado eleitoral da esquerda nas eleições 2014, os novos movimentos sociais e suas formas organizativas, o fôlego dos governos de colaboração de classes como o PT, ou os inesperados atores políticos em países que viveram grandes ascensos de massas, como o Podemos na Espanha e o Siriza na Grécia. O fio condutor que liga todas essas peças aparentemente desconexas é a democracia burguesa. Trata-se, portanto, de recuperar uma compreensão marxista sobre esse intrincado fenômeno.
A essência da democracia burguesa
Não é muito lembrado entre os marxistas que a democracia burguesa foi um dos primeiros temas abordados por Marx em seu processo de elaboração sobre a emancipação humana. Em sua Crítica da filosofia do direito de Hegel (1843), o jovem filósofo alemão explica a diferença entre a democracia burguesa (ou a época moderna) e todas as formas políticas anteriores.
Diz Marx:
“A abstração do Estado como tal pertence somente aos tempos modernos porque a abstração da vida privada pertence somente aos tempos modernos. A abstração do Estado político é um produto moderno. Na Idade Média (...) a propriedade, o comércio, a sociedade, o homem são políticos; (...) Na Idade Média, a vida do povo e a vida política são idênticas”. (p. 52)
E mais adiante:
“Lá [na Idade Média – H. C.], os estamentos [estratos, camadas – H. C.] da sociedade civilem geral e os estamentos em sentido político eram idênticos. Pode-se exprimir o espírito da Idade Média desta forma: os estamentos da sociedade civil e os estamentos em sentido político eram idênticos porque a sociedade civil era a sociedade política; porque o princípio orgânico da sociedade civil era o princípio do Estado”.  (p. 89)
O que isso quer dizer? Fundamentalmente, que na Idade Média as esferas privada (família, relações econômicas e pessoais) e pública (política, Estado) não se diferenciavam claramente. O servo estava submetido ao senhor feudal por numerosos laços históricos, religiosos, pessoais, militares, jurídicos, sociais e econômicos, sem que cada um desses aspectos se diferenciasse na cabeça do servo. Por isso, a submissão econômica era, para o servo, idêntica à submissão política. Ele não distinguia essas duas esferas. O servo era globalmente submisso. A consequência desse fato é que a dominação de classe na sociedade feudal era absolutamente clara e inconteste. A dominação do senhor feudal sobre o servo se dava através da aceitação, por parte do servo, da hierarquia social e, consequentemente, da hierarquia política, da dominação política: o direito do senhor à primeira noite, ao açoite, a decidir as questões de Estado etc.
Mas um tal sistema não servia à burguesia nascente, cujo poder econômico se assentava sobre a base de um livre contrato (o de compra e venda de força de trabalho), que deveria ser assinado entre partes juridicamente livres e iguais. Assim, toda a luta da burguesia durante o seu período revolucionário foi, em última instância, a luta pela separação dessas duas esferas: tornar a dominação econômica (sociedade civil, compra e venda de força de trabalho) independente da dominação política (Estado), ou seja, o advento da democracia.
Mais uma vez, Marx esclarece:
“Somente a Revolução Francesa completou a transformação dos estamentos políticos emsociais, ou seja, fez das distinções estamentais da sociedade civil simples distinções sociais, distinções da vida privada, sem qualquer significado na vida política. A separação da vida política e da sociedade civil foi, assim, consumada”. (p. 97)
Ou seja, segundo Marx, na sociedade capitalista, diferentemente da sociedade feudal, não há uma relação direta e evidente entre a dominação econômica e a dominação política.Dominação econômica e dominação política aparecem para o cidadão do mundo burguês como esferas absolutamente distintas. O operário, se é minimamente consciente, entende que é explorado na fábrica, mas ele não deduz daí que o mesmo patrão o domine politicamente, como classe, através do Estado burguês. Para ele, trata-se de duas questões distintas, sem ligação entre si. O Estado burguês não se apresenta para o operário como um defensor direto do patrão. O Estado burguês apenas defende as leis, votadas por deputados eleitos por todos os “cidadãos”. O patrão não obriga o operário a votar nos candidatos burgueses, nem tem o poder de impedir que o operário vote nos partidos operários. Tanto o operário quanto o burguês são “cidadãos” com os mesmos direitos e obrigações. A “única” diferença entre eles é econômica. Não há nenhuma lei capitalista que restrinja oficialmente as liberdades políticas do operário em relação ao burguês ou oficialize a dominação política do burguês sobre o operário. Todos podem organizar partidos e disputar eleições. O Estado burguês, diferentemente dos outros Estados, é representativo, e não estamental. Por isso, ele não aparece para a população como o que realmente é, ou seja, como um Estado de classe, e sim aparece como um Estado neutro, impessoal etc.
O problema do voto universal
A partir do final do século 19 -início do século 20, formou-se dentro do marxismo uma corrente reformista, que passou a ver nos processos eleitorais regidos pelo voto universal uma alternativa ao esquema de ruptura revolucionária defendido por Marx e Engels. Embora o mundo e o próprio reformismo tenham mudado bastante desde então, a discussão entre marxistas e reformistas permanece essencialmente a mesma, porque a base filosófica do reformismo permanece a mesma, qual seja: a identificação entre a forma do Estado e o seuconteúdo. Expliquemo-nos: porque o Estado republicano democrático aparece aos olhos da população como uma “casca vazia” (que pode ser preenchida com qualquer conteúdo), a esquerda reformista acredita que o Estado seja verdadeiramente isso, “oco”, que seja de fato possível conquistá-lo através das eleições e preenchê-lo com um conteúdo diferente do conteúdo burguês. A esquerda reformista acredita que a dominação burguesa seja, antes de tudo, ideológica. Acredita que a burguesia exerça apenas uma “hegemonia” sobre a sociedade civil, e não uma verdadeira dominação política e policial. Por isso, os reformistas se dedicam fundamentalmente a construir uma “contra-hegemonia”: meios de comunicação próprios, influência sobre a “opinião pública”, disputa de “espaços”, eleição de parlamentares etc.
A vitória, de tempos em tempos, de candidatos “alternativos” alimenta essa crença da esquerda reformista. A esquerda reformista acredita que o que impede os trabalhadores de votarem “certo” seja a “hegemonia” exercida pela burguesia no seio da sociedade civil. No entanto, ocorre justamente o contrário: a ideologia burguesa, a mídia e o poder econômico apenas reproduzem a dominação burguesa. Mas não a criam. É o próprio voto universal, livre de qualquer coação policial direta, que engendra o domínio da burguesia sobre a sociedade. A esquerda reformista quer vencer a dominação burguesa pelo voto, mas o voto é o própriosustentáculo desta dominação, sua raiz mais profunda.
Segundo Perry Anderson em As antinomias de Antônio Gramsci:
“A forma geral do Estado representativo, a democracia burguesa, é em si mesma o principal bloqueio ideológico do capitalismo ocidental. (…) As relações de produção capitalista colocam homens e mulheres em diferentes classes sociais, definidos por seu acesso diferencial aos meios de produção. Estas divisões de classe são a realidade essencial do contrato salarial entre pessoas juridicamente iguais e livres, que é a marca dessa produção. As ordens políticas e econômicas são, portanto, formalmente separados sob o capitalismo. Assim, o Estado burguês 'representa', por definição, a totalidade da população, abstraída de sua distribuição em classes sociais, como cidadãos individuais e iguais. Em outras palavras, apresenta a homens e mulheres suas posições desiguais na sociedade civil, como se fossem [posições] iguais no Estado. (…) A existência do Estado parlamentar é, assim, o marco formal de todos os outros mecanismos ideológicos da classe dominante. Fornece o código geral em que se transmite toda a mensagem específica a qualquer lugar”.
Ou seja, a diferença fundamental entre a dominação feudal e a dominação capitalista é que enquanto a dominação feudal se dá, como já dissemos, através da aceitação da hierarquia política como fruto da hierarquia econômica e social, a dominação capitalista se dá através da negação da existência de qualquer hierarquia política. A dominação política da burguesia aparece como autodeterminação de todo o povo pelo voto (Quem nunca ouviu um grito de “Lugar de protesto é na urna!” vindo da calçada quando estava marchando em alguma passeata?). Na sociedade burguesa, as diferenças entre os cidadãos aparecem como simples diferenças econômicas, irrelevantes para a política. Por se dar em condições de igualdade entre todos os cidadãos, a política de Estado permitiria qualquer tipo de reviravolta, inclusive as mudanças mais progressivas. Seria a arena fundamental da luta, bastando que as demandas dos cidadãos encontrem uma expressão correta em termos de voto.
Nesse sentido, o caráter repressivo do Estado, suas forças armadas etc., são vistos na república democrática burguesa não como a própria essência do Estado, mas apenas como uma consequência triste, porém inevitável, do contrato social a que todos os cidadãos estão submetidos, inclusive os cidadãos burgueses, que às vezes são presos e reprimidos. O Estado burguês aparece, assim, como res publica (coisa pública) e não como um instrumento privado ou estamental. O mecanismo fundamental de tudo isso, o eixo em torno do qual todo esse sistema gira, é o voto universal. Analisemos, portanto, um pouco mais sua natureza.
A relação sociedade–voto–Estado
Mas as coisas não estariam tranquilas para a democracia burguesa se a separação entre sociedade civil e Estado fosse seu único mecanismo de defesa. Ora, ainda que a burguesia tenha separado a sociedade civil do Estado, estas duas esferas estão formalmente conectadas por meio do voto (a sociedade vota, e com isso elege os representantes do Estado). Então, o que impede a sociedade civil de “se expressar” através do voto e, consequentemente, se expressar no Estado? Dito de outra forma: por que não há uma grande bancada de trabalhadores no Congresso? Por que quase não existem deputados negros? Como a burguesia faz para que o Estado seja não apenas “separado” da sociedade civil, mas também (e principalmente!) impermeável a ela? Esta é, verdadeiramente, a varinha mágica da democracia burguesa, sua capa de invisibilidade, sua horcrux.
Marx explica:
“Sociedade civil e Estado estão separados. Portanto, também o cidadão do Estado está separado do simples cidadão, isto é, do membro da sociedade civil. O cidadão deve, pois, realizar uma ruptura essencial consigo mesmo. [grifo meu – H. C.] (…) Portanto, para se comportar como cidadão real do Estado, para obter significado e eficácia políticos, ele deve abandonar sua realidade social, abstrair-se dela, refugiar-se de toda essa organização em sua individualidade; pois a única existência que ele encontra para sua qualidade de cidadão do Estado é sua individualidade nua e crua (...). Apenas como indivíduo ele pode ser cidadão do Estado. Sua existência como cidadão do Estado é uma existência que se encontra fora de suas existências comunitárias, sendo, portanto, puramente individual”. (p. 94-95)
O que significa tudo isso? Essencialmente, que os membros de uma classe social determinada (o proletariado, por exemplo) não podem jamais participar da vida política do Estado organizados enquanto classe. Se querem se organizar como classe, devem fazê-lo apenas no âmbito da sociedade civil: através de sindicatos, associações, clubes etc., já que a burguesia reconhece a existência de classes sociais e o seu direito à organização própria. O que as classes sociais não devem fazer jamais é se organizar politicamente, para participar da política enquanto classe. Se querem participar da política, ou seja, se querem disputar o poder, só podem fazê-lo na qualidade de “cidadãos” individuais. Por isso, toda e qualquer tentativa feita pelos partidos da classe trabalhadora de unir a vida real da sociedade com a esfera política é logo condenada pela burguesia como “aparelhamento”: “Estão politizando o problema!”, “Há partidos envolvidos!”, “Não se deve misturar partido e sindicato!”, gritam os representantes da burguesia sempre que os trabalhadores relacionam seus problemas reais como classe com o problema do poder e dos governantes. O que está por detrás dessas frases? Ora, não se trata apenas de desmoralizar as greves ou lutas parciais. É um recado mais profundo. Os governantes estão dizendo: “Não ousem participar da política como classe!”, “Se querem participar da política, precisam fazê-lo individualmente!”, “Não confundam seus problemas coletivos com sua condição de cidadão político individual!”
Desta maneira, se aprofunda cada vez mais a alienação política individual, que nada mais é do que o reflexo da alienação do Estado em relação à sociedade civil. Ou seja, na sociedade burguesa, o trabalhador vive uma situação de dualidade de consciência. Ele separa sua vida econômica de sua vida política. Na primeira, atua coletivamente (com seus sindicatos, suas associações etc). Na segunda, atua individualmente. Só assim se sente “cidadão”. Por isso, no dia da eleição, ele brinca depois de votar: “Já cumpri meu dever de cidadão!”. Que dever era esse? Se colocar sozinho, longe de todos os olhares, de toda opinião contraditória, diante de uma urna eletrônica, de um robô, e apertar um botão. Que relação isso tem com sua condição de membro da classe trabalhadora? Para ele, nenhuma.
Desta forma, a força da democracia burguesa não reside, como pensam muitas pessoas de esquerda, na possibilidade que o poder econômico tem de influenciar o rumo das eleições. A esquerda tem apelado, em geral, a esse tipo de argumento para explicar o caráter mentiroso da democracia burguesa. Não está errado, mas é uma explicação incompleta, que não vai na essência do problema. Como explicamos mais acima, o poder econômico apenas opera sobre condições já estabelecidas, sobre um terreno já favorável: o caráter individual da participação política, do voto. O poder econômico, portanto, é importante, mas não é o essencial. A força essencial da democracia burguesa, seu poder de manipulação, reside no fato de que ela transforma homens e mulheres reais, com suas complexas relações, em simples “cidadãos”, todos iguais entre si, que se apresentam individualmente perante uma urna para depositar nela um voto que é idêntico a todos os outros votos de todos os outros cidadãos. Assim, o voto universal, essa grandiosa conquista da modernidade, é também a principal mentira da sociedade em que vivemos. A força da democracia burguesa reside na dispersão, na atomização dos membros da classe explorada em meros eleitores individuais. Desta maneira, através de sucessivas eleições, quase sem violência, o individualismo acaba se sobrepondo às determinações de classe, que aparecem para o operário como secundárias ou mesmo irrelevantes na hora do voto. Ao fim e ao cabo, em torno do voto universal, vai se criando o mito da liberdade e da igualdade entre todos os cidadãos: o mito da democracia. A burguesia pode então respirar aliviada e promover sem medo quantas eleições, referendos e plebiscitos quiser. A alienação está completa.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Presidentes de empreiteiras são presos em escândalo que envolve PT e PSDB


domingo, 16 de Novembro de 2014

É preciso exigir o confisco dos bens de corruptos e corruptores, além de reforçar a campanha por uma Petrobras 100% estatal

Presidente da construtora UTC é preso pela Polícia Federal
A Polícia Federal desencadeou nesta sexta, 14, a sétima etapa da chamada Operação Lava Jato, que investiga a formação de cartel, fraude e desvio de recursos da Petrobras. Numa ação que durou todo o dia e contou com 300 policiais em cinco estados, foram presos 21 altos executivos das nove maiores empreiteiras do país, incluindo os presidentes da Camargo Corrêa, OAS, Iesa e UTC. O vice-presidente da Mendes Júnior também está entre os detidos e os escritórios da Odebrecht foram vasculhados.
O ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, também foi detido. Duque, ligado ao PT, seria um dos articuladores do esquema e teria recebido propinas através de depósitos milinários em contas localizadas em paraísos fiscais.
Juntas, essas empreiteiras mantêm contratos que somam nada menos que R$ 59 bilhões com a Petrobras (entre 2003 e 2014). A estatal é o atual principal cliente de todas essas empresas. Segundo a polícia, outras seis empreiteiras estariam envolvidas, mas ainda não se teriam provas suficientes para uma ação contra elas.
Lava Jato
A primeira parte da operação deflagrada em março resultou na prisão do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da estatal, Paulo Roberto Costa. Inicialmente montada para investigar lavagem de dinheiro e evasão de divisas, os indícios logo apontaram para a Petrobras e um esquema de formação de cartel entre as grandes empreiteiras, que se reuniam e dividiam os contratos entre si. As licitações eram fraudadas, as obras superfaturadas e as propinas eram pagas a políticos e diretores da estatal. Entre as obras superfaturadas estão a refinaria Abreu e Lima (PE) e o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), no Rio.
Além das principais empreiteiras e da direção da Petrobras, as investigações e os depoimentos tomados na delação premiada revelariam o envolvimento de nada menos que 40 políticos, muito deles peixes graúdos.
Crise política e o rabo preso do PSDB
A inédita prisão dos presidentes das maiores empreiteiras do Brasil deve aprofundar uma crise política que já desgastava o governo Dilma. Mais do que isso, deve expor a relação promíscua e corrupta entre a direção da estatal, o governo, as grandes empresas privadas e, inclusive os partidos da oposição de direita, como o PSDB. Só para se ter uma ideia,  juntas, essas empreiteiras doaram cerca de R$ 200 milhões durante a última campanha eleitoral, valor que deve subir já que as prestações do segundo turno ainda não foram contabilizadas. Doações milionárias que irrigaram campanhas tanto do PT quanto do PSDB.
O escândalo de corrupção na Petrobras mostra um esquema bilionário de desvio de recursos públicos que, com os detalhes vindo à tona, devem comprometer ainda mais o PT e o governo Dilma. Expõe ainda, a exemplo do mensalão, como o Partido dos Trabalhadores, ao optar por governar para as grandes empresas, assumiu os esquemas de corrupção montados pelo PSDB. De acordo com os depoimentos, esse esquema de cartel e propina teria sido articulado ainda nos anos 1990, justamente o período em que FHC avançou na desnacionalização do petróleo com a quebra do monopólio e na privatização da empresa.
O PSDB, por sua vez, que tenta de forma hipócrita capitalizar politicamente o escândalo com o auxílio de grande parte da imprensa, também está envolvido até o pescoço. Ainda de acordo com o ex-diretor Paulo Roberto Costa, o ex-presidente da legenda, Sérgio Guerra (morto em março), teria recebido R$ 10 milhões de propina para desistir e pôr fim à CPI da Petrobras em 2009.
O envolvimento do PT e do PSDB com o escândalo e as grandes empreiteiras é tão grande que, mesmo com os presidentes das empresas temporariamente presos, os líderes dos partidos na CPI mista no Congresso reforçaram o acordo para blindarem as empreiteiras durante as investigações. 
Punir os corruptos e reestatizar a Petrobras
Apesar da ação inédita, é pouco provável que os presidentes das empreiteiras permaneçam por muito tempo atrás das grades. Menos provável ainda é que essas empreiteiras ressarçam  os cofres públicos de tudo o que foi desviado. Apesar desse primeiro passo, é preciso exigir a prisão de todos os corruptos e corruptores, e que os que já estão presos permaneçam na cadeia. Ou seja, é preciso punir todos os políticos e empresários envolvidos nessa maracutaia, confiscar todos os seus bens, além de estatizar as empreiteiras envolvidas.
Desde o escândalo de Pasadena está cada vez mais evidente como o processo de privatização da Petrobras está intimamente ligado aos casos de corrupção. Ao contrário do que tenta mostrar a oposição de direita, é justamente a ligação cada vez mais promíscua da estatal com o capital privado, em que o PT avançou, que origina os casos de corrupção. Mais do que nunca, é preciso reforçar a campanha por uma Petrobras 100% estatal, controlada pelos trabalhadores, que atue a serviço da população e não para enriquecer os acionistas estrangeiros ou as grandes empreiteiras.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

As cooperativas em Cuba: Avanço do socialismo?


As cooperativas urbanas, legalizadas em dezembro de 2012, são o modo preferido de propriedade não estatal [1] no setor de “trabalhadores autônomos”, microempresas, empresas mistas e cooperativas, segundo o governo cubano.
Esta afirmação é do artigo Cooperativas urbanas de Cuba: Progressos e desafios depois de um ano, da revista CubaSí, edição do verão de 2014, publicada na Inglaterra pela Campanha de Solidariedade a Cuba (Cuba Solidarity Campaign).
A formação de cooperativas por trabalhadores cubanos deve ser entendida no contexto da aprovação, pela Assembleia Nacional de Cuba realizada 2010, da demissão de um milhão de trabalhadores de empresas estatais e do processo de privatização dessas empresas. As cooperativas são a forma de combinar estes dois movimentos, pois muitas delas são formadas a partir da privatização de empresas estatais.
Segundo a revista mencionada, há dois tipos de cooperativas: “aquelas formadas do nada por grupos de trabalhadores e aquelas formadas pela conversão de empresas estatais em cooperativas. Até agora a maioria é composta por cooperativas do segundo tipo: conversões de empresas estatais”.
Como exemplos, a revista cita “mercados de alimentos, restaurantes e empresas de táxis”. Mas não são apenas pequenas e médias empresas que estão sendo privatizadas e transformadas em cooperativas. “Espera-se que os serviços de ônibus de Havana (a capital do país) sigam o mesmo exemplo”.
Tampouco apenas o setor de serviços está envolvido, pois “algumas indústrias foram convertidas, por exemplo, na manufatura de vestuário e pequenas empresas fabricantes de peças de reposição“.
O governo tem dado vários incentivos para expandir o setor, como a redução de impostos e abertura de crédito, mas até agora o “impacto das cooperativas é limitado. Há hoje 4,2 milhões de trabalhadores em cuba. Destes, cerca de um quarto estão em setores não-estatais: cerca de 500 mil em cooperativas rurais e cerca de 450 mil estão em microempresas ou são autônomos”.
Segundo o secretário geral da Confederação dos Trabalhadores de Cuba (portanto, também uma declaração oficial, pois a Confederação é um apêndice do PCC), “espera-se que um terço da força de trabalho cubana esteja empregada no setor não-estatal até 2016. Até agora, apenas 15 mil trabalham nas 270 cooperativas urbanas”.
Privatização e desemprego
Segundo o relatório apresentado pelo ministro da Economia, Adel Yzquierdo Rodriguez, à Assembleia Nacional de Cuba reunida em dezembro de 2012 (portanto quando ainda não havia a lei das cooperativas urbanas) o número de empresas não-estatais havia crescido 23% em 2012, enquanto o setor estatal caía 5,7%. O desemprego batia o recorde de 3,8%, número que não incluía os cubanos que afirmavam não estar procurando emprego.
Se a este número – que corresponde a cerca de 250 mil trabalhadores - forem somados os cerca de 1 milhão que dizem não estar procurando emprego, a porcentagem de desempregados sobe para a cifra astronômica de 18,5%, um índice equivalente aos países europeus devastados pela crise econômica. Este valor leva em conta a informação do ministro da Economia de que há 6,8 milhões de trabalhadores “potenciais” em Cuba, portanto maior que o número de 4,2 milhões informado pela revista CubaSí.
O motivo desse desemprego em massa é a demissão de trabalhadores estatais. Em 2011 foram cortados 137 mil postos de trabalho, e em 2012 mais 228 mil. O número deve crescer ainda mais em 2013 para se atingir a meta (ou superar) de um milhão de demissões no setor estatal.
Assim, existe uma necessidade premente de abrir postos de trabalho para absorver parte dessa força de trabalho “potencial”, papel que seria cumprido pelas cooperativas urbanas. As razões do governo, no entanto, não são humanitárias. Como a constituição cubana garante saúde e educação gratuitos, alimentação e habitação subsidiados e outros direitos conquistados pela revolução socialista de 1959, há uma necessidade de que, após a restauração capitalista realizada na década de 90, estas conquistas sejam retiradas, mas para isso é necessário garantir a sobrevivência de alguma forma desses trabalhadores para evitar uma explosão social.
Ataque aos trabalhadores
Tampouco o governo pretende que as cooperativas garantam esses benefícios aos seus empregados. Segundo a revista CubaSí, “a nova legislação [trabalhista] de Cuba impõe um limite de forma que as cooperativas não vivam da exploração do trabalho de outros... A legislação impõe dois limites. Primeiro, o trabalhador só pode ser empregado por 3 meses, e depois disso deve ser oferecido a ele a sociedade na cooperativa ou liberado”.
O novo Código do Trabalho, aprovado em dezembro de 2013, regulamenta pela primeira vez o trabalho no setor privado (embora este exista há pelo menos 20 anos!). Novamente, segundo a revista CubaSí, o código estabelece que “patrão e empregado devem estabelecer um contrato que detalha deveres e duração do emprego. Ele também estabelece ‘direitos mínimos que o patrão precisa garantir: jornada de trabalho 8 horas e no máximo 44 horas semanais, pagamento igual ou superior ao salário mínimo, pelo menos um dia de descanso por semana e pelo menos 7 dias pagos de férias por ano”.
Temos, portanto, um conjunto de ataques à classe trabalhadora cubana muito mais profundo que na maioria dos países capitalistas com alguma organização sindical. Primeiro, virá a luta entre os trabalhadores para formar as cooperativas, que aceitarão condições de trabalho muito rebaixadas para poder tocar “seu próprio negócio”. Depois, aqueles que forem empregados pelas cooperativas trabalharão por apenas 3 meses, causando uma rotatividade enorme no setor e, com isso, o rebaixamento salarial. Para isso serve a garantia de pagamento de salário mínimo, cujo valor médio é de cerca de US$ 20 mensais!
Soma-se a isso o direito a “férias” de sete dias por ano e teremos o paraíso para qualquer capitalista. Assim, nessa corrida para o fundo, as cooperativas mais “aptas” sobreviverão e engolirão as mais fracas, gerando a concentração do capital presente em qualquer país capitalista.
Onde está o socialismo?
Não só os defensores da ditadura dos irmãos Castro afirmam que em Cuba ainda vigora o socialismo, mas algumas organizações trotskistas afirmam que a ilha ainda é um “estado operário deformado”.
Nesse sentido, parece haver uma concordância entre as organizações castristas (que engloba os PC’s de todos os matizes, as organizações bolivarianas e o neo-estalinismo) e tais partidos trotskistas: a possibilidade de convivência pacífica num mesmo país do socialismo (para os primeiros) ou do estado operário (para os segundos) com o capitalismo.
A revista CubaSí afirma que as “autoridades consideram que não há contradição entre socialismo e iniciativa privada. E algumas autoridades acreditam que a última poderia cobrir 40% da economia do país enquanto o estado e o setor público mantêm 60%”.
Mas os números são mais “realistas” que essas previsões políticas e mascaradas, pois os investimentos do “estado e do setor público” são formados em grande medida por capital estrangeiro.
Segundo C. P. Harnecker, do Centro de Estudos de Economia Cubana, da Universidade de Havana, espera-se que o setor não-estatal, sem considerar os investimentos estrangeiros e as joint ventures (isto é, empresas de capital misto com o governo cubano), absorva 35% da força de trabalho e seja responsável por 44,5% do PIB até 2015. (http://pt.slideshare.net/BildnerCenter/camila-pineiro-final)
Se juntarmos os investimentos estrangeiros e as joint-ventures – os pesos-pesados do capital estrangeiro – fica claro que o projeto do governo cubano é que o capital privado tenha uma participação majoritária em Cuba, e que essa participação esteja associada ao setor do Partido Comunista encrustado nas Forças Armadas (os contratos de joint venture são feitos com as Forças Armadas) que se transformou em nova burguesia, tendo no topo Fidel e Raúl Castro.
Se juntarmos a realidade econômica da ilha, as leis de favorecimento de investimentos estrangeiros, o código de trabalho típico de países capitalistas, as novas “zonas especiais” como o Porto Mariel, onde o capitalismo reinará sem intermediários, os 18% de desempregados, os salários de miséria fica a pergunta: onde está o socialismo? Só nas fantasias dos castristas como a revista CubaSí ou nos sonhos de algumas organizações trotskistas.
Por isso, é necessário reafirmar a necessidade de uma revolução social em Cuba, que derrube a ditadura dos irmãos Castro (na verdade uma ditadura militar) e exproprie o capital privado para restaurar as conquistas – que estão sendo perdidas - obtidas pelos trabalhadores cubanos com a revolução de 1959.