sexta-feira, 27 de abril de 2012

Equidade e igualitarismo: Por quê os socialistas defendem as cotas?

Escrito por Valério Arcary Valério Arcary Historiador, professor do Cefet/SP e membro do conselho editorial da revista Outubro e militante do PSTU

``Se se entende que toda transgressão contra a propriedade, sem entrar em distinções, é um roubo, não será um roubo toda a propriedade privada? Acaso minha propriedade privada não exclui a todo terceiro desta propriedade? Não lesiono com isso, portanto, seu direito de propriedade?`` [1]Karl Marx

O limite político do liberalismo sempre foi a igualdade jurídica dos cidadãos. Os cidadãos seriam iguais diante da lei, mas desiguais entre si. A igualdade possível seria a eqüidade. A discussão das cotas abriu uma polêmica na sociedade brasileira, alguns defendendo o princípio meritocrático, e outros defendendo as políticas afirmativas. As cotas sociais e raciais são pequenas reformas ou medidas de emergência, um paliativo, que não podem inverter a dinâmica decadente do capitalismo periférico. Mas, a valorização progressiva que os socialistas fazem das cotas sociais e raciais só pode ser contextualizada à luz de uma equação mais ampla: seu compromisso com a igualdade social.

Iguais e diversos

Remetendo as formas econômicas da organização social contemporânea às características de uma natureza humana invariável - o homem como lobo do homem - o liberalismo fundamentava a justificação do capitalismo na desigualdade natural.
O marxismo percebia que os homens eram, ao mesmo tempo, iguais e desiguais. Reconhecia que a humanidade era diversa, os seres humanos possuindo capacidades e talentos variáveis, sublinhando, porém, que as necessidades mais intensamente sentidas eram iguais. Mais ou menos inteligentes, mais ou menos corajosos, todos os seres humanos compartilharam, geração após geração, uma experiência comum: a necessidade de alimentação, vestimenta, abrigo, aprendizagem, segurança e diversão foram iguais para todos.

O programa socialista inscreveu na História a necessidade da luta contra a propriedade privada para defender o direito à vida. O socialismo elevou o direito ao trabalho, à moradia, educação, transporte e lazer, como a missão fundamental da vida civilizada, e o sentido da história pelo qual vale a pena lutar. A universalização dos direitos sociais remete ao cerne do projeto socialista: a luta pela liberdade humana, em que o trabalho deixe de ser um castigo para os explorados, e passe a ser a plena realização do potencial criativo de busca de conhecimento, beleza e solidariedade.

A luta contra as opressões é indivisível da luta contra a exploração
Os socialistas insistem na centralidade da luta contra a exploração, reconhecendo a legitimidade das lutas contra a opressão. Os argumentos dos que defendem a eqüidade, a igualdade de oportunidades contra as cotas, diminui a radicalidade do combate pela igualdade social. A igualdade jurídica é o limite teórico do liberalismo. O socialismo quer mais.

A sociedade burguesa histórica nunca pode realizar sequer a eqüidade. Em país algum, os cidadãos são iguais diante da lei, porque os donos do capital podem mais. Ser branco pobre no Brasil, nunca foi o mesmo que ser negro pobre. A igualdade de oportunidades não pode corrigir, em prazos breves, estas desigualdades. Apresentar aos trabalhadores negros o mesmo programa que se apresenta aos trabalhadores brancos significa calar sobre sua condição.

O marxismo defendeu que a passagem a uma sociedade socialista deveria ser compreendida pelo critério de distribuição de ``cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades``, construído pela socialização da propriedade. Seu objetivo é a gratuidade da alimentação, da educação, da saúde, dos transportes ou do lazer. A distribuição segundo a satisfação das necessidades exigirá, portanto, ir além do regime do trabalho assalariado. O trabalho no socialismo deixará de ser um martírio, para alcançar o estatuto de plena realização humana. Os marxistas nunca se iludiram, todavia, que este princípio organizador da distribuição pudesse ser implantado imediatamente, ou à escala de um só país.

De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo o trabalho realizado. O marxismo propôs como princípio de distribuição para uma sociedade de transição "`de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo o trabalho realizado". Mas a eqüidade é ainda uma igualdade formal. Ao reconhecer que a distribuição seria regulada segundo o trabalho realizado, portanto, salários desiguais, os socialistas estavam admitindo uma distribuição desigual, transitoriamente, o que é o mesmo que aceitar algum critério de racionamento. A questão colocada seria como definir os produtos e serviços que seriam racionados, e quem os receberiam.

Os socialistas reconheceram que a diminuição da desigualdade social impulsionada pelo princípio de distribuição meritocrático - a tirania do esforço ou do talento - não garantiria ainda a igualdade social, porque estaríamos diante de um tratamento igual para os desiguais, perpetuando-a. Trabalhos diferentes, pela complexidade da educação exigida, ou pela intensidade do desgaste ou ainda do perigo, não poderiam ter salários iguais. Aceitaram a necessidade de seleção para o acesso às melhores oportunidades. Descartaram o sorteio porque seria ainda pior, premiando o acaso, e desqualificando o sacrifício ou a capacidade.

A igualdade social é, contudo, um objetivo superior à igualdade de oportunidades. A meritocracia considera de forma igual os desiguais. Os socialistas defendem que, em uma sociedade desigual, para que se diminuam as diferenças sociais, não bastaria a equidade, seria necessária tratar de forma desigual os desiguais. Admitiram, portanto, fatores de correção social e culturalmente progressivos dos critérios meritocráticos. Essa discussão, as discriminações positivas para aqueles que foram vítimas de opressões seculares, surgiu a propósito das reivindicações das mulheres e dos setores mais explorados dos trabalhadores, mas o critério é o mesmo quando discutimos o racismo.

Cotas são justas, porém insuficientes

No Brasil do início do século XXI a mobilidade social é muito pequena. O capitalismo periférico mantém taxas de crescimento que não superam as taxas de natalidade, o desemprego oscila dento de margens muito elevadas, e os salários médios ora ficam estagnados, ora caiem. A escolaridade média não supera os seis anos, quando já atingiu os doze anos na Europa do Mediterrâneo e os dezesseis anos na Europa nórdica. Pelo menos metade da população brasileira com mais de quinze anos de idade é iletrada, ou seja, não reconhece sentido no que lê. O governo Lula foi incapaz de inverter o sentido histórico decadente que se abate como um flagelo sobre a população brasileira. As cotas são um bombom em um bolo envenenado: a reforma universitária que legaliza a transferência de verbas públicas para o ensino privado, através do Prouni, anistiando as dívidas fiscais de um setor que estima faturar dezenas de bilhões de reais em 2006.

Todos sabemos que os inscritos no vestibular de acesso às universidades públicas têm igualdade de condições formais, portanto, abstratas, porque a seleção será decidida favorecendo os que tiveram melhores condições de preparação. As políticas afirmativas de cotas de acesso ao ensino público ou aos concursos públicos para afro-descendentes corrigem, parcialmente, mas corrigem, um obstáculo que só é invisível para os que secundarizam o racismo.

Opor às cotas a bandeira do acesso livre para todos parece um argumento razoável, mas não é. O ensino de qualidade significa a desmercantilização de uma das necessidades humanas mais sentidas. Nem um governo dos trabalhadores, pelo menos nas fases iniciais da transição ao socialismo num país como o Brasil, poderia garantir acesso irrestrito ao ensino superior para todos, ou em qualquer curso.

O que se está defendendo contra as cotas, portanto, não é acesso universal, mas um critério de seleção, o meritocrático. Este critério é mais justo do que o racionamento pelo preço das mensalidades - a seleção determinada pelas diferenças de classe - mas, isso não faz dele um critério igualitarista. Igualitarista é tratar de forma desigual os desiguais, favorecendo os mais explorados ou oprimidos. Os defensores da meritocracia estrita propõem à juventude operária e negra que estudem mais, fazendo mais cursinhos, e tentem o vestibular outra vez. Esta política não muda nada. A eqüidade é socialmente regressiva. Privilegia o acesso dos mais preparados, ou seja, dos filhos dos setores sociais mais instruídos, excluindo os filhos dos trabalhadores e os negros. O seu resultado será o isolamento político-social dos que defendem as universidades públicas, como a USP, as Federais e os CEFET`s, beneficiando a campanha pela cobrança de mensalidades e, finalmente, a privatização.

As políticas afirmativas para os filhos dos trabalhadores, vítimas da exploração social, e para negros e indígenas, vítimas de uma opressão específica, são insuficientes, mas justas. Por quê as universidades devem se abrir para os trabalhadores é um tema que nem mereceria polêmica: porque o abismo social brasileiro é indecente. Mas por quê as cotas para negros e indígenas são justas? Porque, apesar das diferenças raciais serem biologicamente irrelevantes, política e culturalmente elas não podem ser ignoradas, seriamente, em um país marcado pela herança da escravidão negra. Os negros são, inquestionavelmente, a parcela mais explorada do proletariado. Não importa qual é a proporção dos negros sobre o conjunto da população. O que importa é que eles são os menos instruídos e os que realizam os trabalhos mais mal remunerados.

Ignorar a condição oprimida específica da população negra, em nome de um programa comum de todos os trabalhadores contra o capital, não vai construir a unidade da classe trabalhadora, mas a sua divisão. O racismo no Brasil não é uma invenção dos líderes dos movimentos negros. Se os socialistas não defenderem, conseqüentemente, um programa contra o racismo, agora e já, e não depois da conquista do poder, e derem as costas para suas reivindicações - entre elas as cotas - estarão afastando estes movimentos da luta unificada dos trabalhadores. A demissão dos socialistas da luta contra a opressão estará favorecendo o surgimento de um movimento negro sob influência de lideranças anti-socialistas.

As políticas de cotas são insuficientes, porque não podem mudar, substancialmente, a condição do negro sob o capitalismo. A igualdade social só será conquistada quando todos os que assim quiserem - sem seleção pelo mérito ou por sorteio - possam realizar seus estudos superiores, e existam vagas suficientes em universidades com ensino de qualidade equivalente, ou seja, no socialismo. A juventude negra só terá um futuro melhor se unir sua luta com toda a juventude trabalhadora, A libertação dos negros só será possível com a libertação do povo brasileiro.


NOTAS
[1] MARX, Karl, Os debates na Dieta Renana sobre as leis castigando os roubos de lenha, in Escritos de Juventud, México, Fondo de Cultura Econômica, 1987, p.251.

Sem medo de ser Socialista, sem medo de ser PSTU!




Por Letícia Pinho*

Em 1º de Maio de 2002 houve a gota d'água de uma grande reviravolta da minha vida. Sempre me lembro desse dia como uma data que marca a certeza absoluta de que lado estava e continuo estando na história. Alguns anos depois a convicção foi aumentando: do anarquismo ao socialismo.Depois de uma jornada cheia de avanços, retrocessos, erros e acertos, encantos e desencantos decidi dar um passo adiante.

Decidi fazer uma experiência - cheia de inseguranças, dúvidas e incertezas - com o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o PSTU. Esse dia foi 26 de abril de 2012 e nesses intensos 30 dias chego a conclusão de que boa parte dos meus receios iniciais foram superados.

Hoje, 30 dias depois de uma data que sem sombra de dúvidas é um marco na minha vida, posso dizer que estou muito feliz com a minha escolha. Tem sido muito bom construir um partido tão poético e aguerrido, de luta. Mas esses 30 dias também tiveram algumas tristezas. Me deixa triste por exemplo ver que tantos companheiros ao longo desses anos, por diversão pueril ou pura falta de informação caluniem tanto o PSTU - e eu, por inúmeras vezes acreditei nessas calúnias. Somente agora pude ver se desmanchar aos meus olhos tantas coisas que injustamente proclamam aos quatro ventos.

Estou falando que o partido é perfeito? Não, longe disso. Não acredito em perfeição. E esse é outro ponto que tem colaborado bastante para a nova percepção que tenho da organização: o duro e fraterno combate às nossas debilidades, aos nosso erros, aos nossos tropeços, às nossas falhas em busca do fortalecimento das nossas fileiras nessa longa caminhada histórica.

Agradeço aos que tiveram paciência, agradeço às longas madrugadas insones debatendo sobre revolução e sobre socialismo, agradeço a todos que conheci ao longo da minha trajetória de militância, agradeço a todos que polemizaram, criticaram e apontaram defeitos no meu caminhar e nas minhas decisões políticas pois com base em tudo que dialoguei com vocês, com base em tudo que vi e vivi nessa minha (ainda) breve vida é que tenho total clareza de todo o aprofundamento político que me fez escolher esse partido como O Partido que eu quero construir.

É isso,

Sem medo de ser Socialista, sem medo de ser PSTU!

"Se cada hora vem com sua morte
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel
você perguntará por que cantamos
se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se fez cacos
antes mesmo de explodir a vergonha
você perguntará por que cantamos
se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram as árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro
você perguntará por que cantamos
cantamos porque o rio esta soando
e quando soa o rio / soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino
cantamos pela infância e porque tudo
e porque algum futuro e porque o povo
cantamos porque os sobreviventes
e nossos mortos querem que cantemos
cantamos porque o grito só não basta
e já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gente
e porque venceremos a derrota
cantamos porque o sol nos reconhece
e porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no fruto
cada pergunta tem a sua resposta
cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vida
e porque não podemos nem queremos
deixar que a canção se torne cinzas."


MÁRIO BENEDETTI: PORQUE CANTAMOS


* estudou ciências sociais na UFMA, foi Centro Acadêmico "Florestan Fernandes" participou ativamente do movimento estudantil dessa Universidade, ajudou a construir a maior ocupação de reitoria (2007), na luta contra a aprovação do REUNI. Atualmente mora em São Paulo e cursa ciências socias na USP

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A atualidade do socialismo


Editorial do Opinião Socialista.



A ideologia das classes dominantes é imposta ao conjunto da sociedade como se fosse algo “natural”, como algo que “sempre foi e sempre vai ser assim”. É muito difundida a ideia de que “trabalhando se pode progredir” e de que, quando não se alcança um nível de vida melhor, a culpa é da pessoa por incapacidade ou preguiça. Com a restauração do capitalismo no Leste Europeu, o neoliberalismo difundiu o individualismo exacerbado como meio para melhorar de vida, negando a visão coletiva da luta de classes e, mais ainda, a estratégia socialista.

Esse tipo de ideologia está apoiado no crescimento econômico, que pode dar essa ilusão de progresso social ao oferecer pequenas melhoras à vida dos trabalhadores. Hoje, no Brasil, essas posições são majoritárias nas massas trabalhadoras. Obviamente, nesse momento, os lucros dos patrões aumentam muito mais, mas isso não é discutido.

Existem momentos- em geral em crises econômicas e ascensos- em que essas ideologias se chocam diretamente com a realidade. A crise econômica europeia vem desgastando todo esse edifício ideológico. O suicídio de um aposentado na Grécia é um desses exemplos brutais, um símbolo de uma época.

Ele dizia em sua última carta: “E, sendo que a minha idade avançada não me permite reagir de forma dinâmica (embora se um colega grego pegasse uma Kalashnikov, eu estaria bem atrás dele), não vejo outra solução senão pôr, de forma digna, fim à minha vida, para que eu não me veja obrigado a revirar o lixo para assegurar o meu sustento. Eu acredito que os jovens sem futuro um dia vão pegar em armas e pendurar os traidores deste país na praça Syntagma, assim como os italianos fizeram com Mussolini em 1945”.

Estamos tratando de um aposentado de um país que, até pouco tempo atrás, era considerado imperialista. Alguém que trabalhou toda sua vida e agora se suicida por não poder mais se manter com o mínimo de dignidade. A juventude de países europeus como a Grécia, Portugal e Espanha também não tem a mínima possibilidade de reeditar o nível de vida de seus pais. O proletariado desses países está perdendo as conquistas que conformaram o chamado “estado de bem estar social”.

Os ativistas dos movimentos sociais desse país deveriam refletir sobre esse episódio grego. O crescimento atual no Brasil não vai durar para sempre. A dimensão dos ataques na Europa serve para mostrar a face verdadeira do capital. Não é por acaso que o socialismo volta a ascender.

Não existe nada mais atual que o socialismo. As crises econômicas não são um fenômeno da natureza como os tsunamis, são produtos do capitalismo. Pode-se acabar com as crises, acabando com o capital e planificando a economia.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Homem versus Máquin: Em nenhum outro período de recuperação desde a 2ª Guerra Mundial, as empresas norte-americanas foram tão rápidas em impulsionar seus gastos em máquinas e softwares e, ao mesmo tempo, tão lentas em contratar pessoas para operá-los. Isso intriga os economistas do sistema.

Por José Martins, Economista do Núcleo Treze de Maio.

Uma coisa muito importante na dinâmica do ciclo periódico é a renovação (ou reprodução) do capital fixo na economia nacional reguladora do sistema. Uma onda generalizada de investimentos capitalistas em novas máquinas e softwares em um curto espaço de tempo ocorre no início de um novo período de expansão. É o sinal mais claro (e necessário) da retomada para mais um período de expansão global. Nos dois últimos anos, esta renovação do capital fixo está batendo recordes na economia de ponta do sistema. Veja os números abaixo.

INVESTIMENTO FIXO 2007 2008 2009 2010 2011
Total das Empresas 6,5 - 0,8 - 17,8 4,4 8,7
Estruturas 14,1 6,4 - 21,2 -15,8 4,4
Equipamentos 3,3 - 4,3 - 16,0 14,6 10,3
Fonte: Bureau of Economic Analyses – National Data (Select NIPA Tables) – Março 2012 www.bea.gov

É uma clássica evolução cíclica e periódica do capital, tal como descrito por Marx e Engels. Nada de crise permanente e outras asneiras. Verifica-se claramente a passagem do auge do ciclo anterior (2007) para o período de crise (2008/2009) e, finalmente, para a recuperação atual (2010/2011). O ritmo de retomada dos investimentos em capital fixo do total das empresas (que chegou ao fundo do poço em 2009) é extremamente vigoroso e crescente nos dois últimos anos.

A evolução do item estruturas, que diz respeito a investimentos em novos prédios e instalações em geral, é muito importante porque indica o início da reprodução ampliada da capacidade instalada, não apenas reutilização da antiga. Acumulação ampliada do capital para novo e mais elevado período de superprodução.

O item equipamentos (máquinas e software) exprime a gigantesca onda de investimentos recorde de todos os períodos de recuperação dos ciclos anteriores. E uma coisa rara e extremamente importante: essa onda recorde de emprego do capital ocorre simultaneamente a uma persistência dos elevados níveis de desemprego da força de trabalho. Emprego recorde do capital de um lado, desemprego do trabalho de outro. Isso intriga os economistas vulgares. Vejamos com mais detalhes esta explosiva combinação de homens versus máquinas.

“EFEITO RICARDO” – O titulo deste boletim foi copiado de uma excelente matéria do The Wall Street Journal, o maior jornal de negócios do mundo. 1 O conteúdo é o seguinte: “em nenhum outro período de recuperação desde a 2ª Guerra Mundial, as empresas norte-americanas foram tão rápidas em impulsionar seus gastos em máquinas e softwares e, ao mesmo tempo, tão lentas em contratar pessoas para operá-los”.

O restante da matéria é rico em detalhes e exemplos concretos do característico método da substituição de trabalho vivo (trabalhadores) por trabalho morto (máquinas e matérias primas) na produção do capital. O mesmo método de que falava David Ricardo (não sem uma grande decepção com as ilusórias virtudes do regime capitalista) no capítulo Sobre as Máquinas, de seu principal livro, e que ficou conhecido na história do pensamento econômico como “efeito Ricardo”.
Agora, o “efeito Ricardo” explode com todas suas potencialidades no atual período de recuperação da maior economia do planeta. Em vez de contratar novos trabalhadores, observa o Wall Street Journal, empresas como Sunny Delight e a fabricante de motosserras Stihl AG estão investindo em tecnologia e outros meios de tornar as suas operações mais rápidas e mais produtivas.

A economia política vulgar, ao contrário de Ricardo e Marx, estabelece que investimentos que aumentam a produtividade acabam necessariamente criando empregos e melhorando os padrões de vida. Para eles, o atual surto de mecanização terá efeitos benéficos para ao trabalho no longo prazo. Pura ideologia. Isso tem que ser relacionado ao ciclo econômico, não ser tratado como um movimento linear ou natural, como bobagens acadêmicas de curto ou longo prazo.

SUPERPRODUÇÃO E SUPERPOPULAÇÃO – Os movimentos de contração e de expansão do exército industrial de reserva são determinados pela lei geral da acumulação capitalista, magistralmente descrita por Marx ainda no livro 1 de O Capital. Trata-se de um processo de valorização do capital. Superprodução de capital e criação de uma superpopulação relativa.

Esta lei se manifesta no curto prazo real que estamos verificando no atual período de recuperação cíclica, em que a explosão de investimentos em máquinas e software permite às empresas retardar as contratações e aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, ao contrário da evolução pacífica que propagandeia a ideologia capitalista. A criação de um exército industrial de reserva e de uma permanente superpopulação excedente às necessidades da acumulação é a verdadeira lei da população da era capitalista. Nada de tolas e naturais progressões aritméticas e geométricas da população.

O que se destaca neste momento de retomada cíclica é que esse fenômeno típico do regime de exploração capitalista de permanente expulsão do trabalho vivo da produção acontece com maior clareza nesta recuperação do que no passado. Gastos em equipamentos e contratação de força de trabalho apareciam geralmente mais sincronizados na maioria dos ciclos do pós-guerra. Desde que a economia reguladora do sistema voltou a crescer de novo em 2009, as compras de equipamentos e software cresceram 31%, ajustadas pela inflação. No período do pós-guerra, somente na esteira das crises parciais de 1982 e 1970 esses gastos cresceram mais rápido. Já o emprego nas fábricas e setor privado em geral cresceu apenas 1,4% desde 2009. Apenas as recuperações que se seguiram às crises parciais de 1980 e 2001 viram um crescimento menor do que agora.

MAIS DEMANDA E MENOS EMPREGO – Seguindo as descrições da matéria do The Wall Street Journal, Erik Brynjolfsson, um economista do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), confirma que as empresas começaram a incrementar seus investimentos com o claro objetivo de reduzir mais pesadamente a força de trabalho na primeira metade da década passada.

O ponto de virada, diz ele, ocorreu durante a crise parcial de 2001/2002, “quando as companhias perceberam que podiam fazer muito mais do que pensavam com menos gente”. Mesmo com o ressurgimento da demanda, as companhias estão mantendo a bola rolando ao gastar mais dinheiro com maquinaria e automação das funções. “É como se a economia tivesse revelado um potencial para reduzir a mão-de-obra que não havia sido concebido até a recessão”, diz Brynjolfsson.

Essa tendência na direção de máquinas e software que reduzem a contratação de mão-de-obra não se limita apenas às fábricas. W. Brian Arthur, um economista do Centro de Pesquisas da Xerox em Palo Alto, Califórnia, diz que as empresas estão cada vez mais usando software e computadores no lugar de pessoas no vasto setor de serviços do país. “Não é somente máquinas substituindo pessoas, embora haja bastante disso”, diz Arthur. “É a digitalização da economia inteira”.

Os Estados Unidos hoje estão atrás apenas do Japão no uso de robôs industriais. Os pedidos de robôs cresceram 41% até setembro de 2011 ante um ano antes, segundo a Associação das Indústrias de Robótica, um grupo comercial do país. Isso ajudou a gerar um boom maior de produtividade da força de trabalho. A produção por hora em empresas não-agrícolas cresceu 6% durante a recuperação 2009/2011. O número de horas trabalhadas cresceu apenas 1,5%.
A demanda por capital fixo aumenta a demanda agregada. Mitch Free, diretor-presidente da MFG.com, um website que fabricantes usam para comprar e vender peças e embalagem, diz que a economia fraca produziu um mercado comprador para empresas para empresas em busca de equipamento e software. “Ainda ouvimos que empresas estão com dificuldades em obter crédito”, diz ele, “mas aquelas que estão conseguindo comprar estão adorando as pechinchas em equipamentos que estão conseguindo neste momento”

A Sunny Delight está gastando US$ 70 milhões para expandir suas cinco fábricas de suco nos EUA, um investimento anual recorde para a companhia. Uma grande parte destes gastos destina-se a renovar um velho complexo situado sobre a ferrovia em Littleton, Massachusetts, nos arredores de Boston. Entre as melhorias, está uma nova e iluminada “sala de injeção”, onde máquinas injetam quatro sabores de suco simultaneamente numa linha de alta velocidade. Antes, os sabores eram injetados em linhas separadas, espalhadas por cantos diferentes da planta. Cada linha requeria um operador. Apenas duas pessoas devem controlar a nova linha combinada.

Para o início do próximo ano a empresa também espera que veículos automatizados substituam a frota de empilhadeiras da fábrica e seus operadores. “Algumas pessoas que hoje operam empilhadeiras passarão a supervisionar os veículos automatizados”, diz o gerente da planta, Dan Gray, circulando pelas cavernosas instalações, onde um líquido quente fluindo por canos suspensos exala um aroma adocicado. “Mas os outros terão que mudar para outros trabalhos na planta.” O resultado final será muito menos homens a povoar as linhas de produção. Quando a renovação do capital fixo terminar, Littleton terá menos 30% dos seus trabalhadores originais.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Todos ao Congresso da CSP-Conlutas






Existem lutas importantes no país, como as greves da construção civil, a campanha salarial do funcionalismo, as mobilizações populares contra os desalojamentos promovidos pelos governos, e muitas outras. Com as consequências da crise econômica internacional, é provável que a polarização no país aumente ainda mais.

Mas os trabalhadores precisam avançar na unificação de suas lutas e encontrar uma organização que esteja a seu lado. Cada uma das lutas tem menos possibilidades de vitórias se estiverem isoladas. E precisam superar as ilusões no governo e nas centrais (CUT e Força Sindical) que o apóiam. O Congresso da CSP-Conlutas deve ser uma alternativa a isso tudo.

A CSP-Conlutas se firmou como a principal conquista na reorganização do movimento sindical, popular e estudantil. Estamos em um momento difícil para o movimento operário: o terceiro governo petista ainda tem grande peso entre os trabalhadores, afirmando uma proposta de colaboração de classes e um plano neoliberal. A existência e o fortalecimento da CSP-Conlutas tem uma enorme importância.

A central das Lutas
Em primeiro lugar pelas lutas. Não é por acaso que em geral seu nome está ligado às mobilizações mais importantes do último período. A luta do Pinheirinho, que teve repercussão nacional e internacional foi dirigida pela CSP-Conlutas. As grandes marchas a Brasília, as únicas grandes mobilizações de peso nacional de oposição ao governo também foram comandadas pela CSP-Conlutas. As direções de sindicatos e oposições ligadas à central são hoje parte importante da campanha salarial do funcionalismo. As greves operárias da construção civil de Belém (PA) e Fortaleza (CE) foram dirigidas por sindicatos filiados a CSP-Conlutas.

Funcionamento democrático
Em segundo lugar porque a CSP-Conlutas é uma entidade de frente única, plural, com distintas organizações de diferentes origens, que preserva a democracia operária como base para seu funcionamento. Vivemos tempos difíceis em que as burocracias controlam ferreamente os sindicatos, e partidos impõem burocraticamente seu controle nos organismos (sindicatos, associações). A democracia operária possibilita que a base decida sobre as principais polêmicas, mantendo-se o marco da unidade.

Central que não é só sindical, mas de todos os movimentos
Em terceiro lugar, por se tratar de uma central que não é apenas sindical. A unidade entre o movimento sindical e popular, por um lado, possibilitou a unidade na luta do Sindicato dos Metalúrgicos de São José e a resistência do Pinheirinho.

A unidade do movimento estudantil com o operário é outra das marcas da Central. A ANEL se firmou também como única alternativa nacional dos estudantes contra o governismo da UNE. A vitória de uma chapa dirigida pela unidade entre a ANEL e a esquerda da UNE para o DCE da USP contra a direita mostra a força dessa alternativa.

As lutas contra as opressões machistas, racistas e homofóbicas têm um lugar importante na Central. O Movimento Mulheres em Luta vem se firmando na luta contra o machismo. O Quilombo Raça e Classe acaba de dirigir uma luta popular em São Luís (MA), além de seu peso entre os quilombos da região.

Central socialista
Em quarto lugar, a CSP-Conlutas defende o socialismo. Em um momento em que grande parte das correntes de esquerda abandonou o socialismo, é muito importante ter a CSP-Conlutas como parte do movimento de massas no Brasil.

Não existe nenhuma alternativa nacional articulada no terreno da oposição de esquerda ao governo que se compare a CSP-Conlutas. Os dois setores das Intersindicais não conseguiram firmar um pólo real alternativo à CUT e a Força Sindical. As forças que romperam o Conclat, em 2010, não conseguiram gestar uma alternativa, e uma parte delas estará presente (Fenasps) no Congresso como observadora. É hora então de construir uma alternativa unitária. Integre-se a essa luta.

terça-feira, 3 de abril de 2012

LANÇAMENTO DE LIVROS NO PAPOÉTICO


Do Blog do Jornalista Ed Wilson

Dia 05 de abril (quinta-feira), às 19h30, no Chico Discos.

O poeta e ator maranhense Dyl Pires, radicado em São Paulo, integra a Cia de Teatro Os Satyros. Lançará dia 05 de abril, seu mais recente livro de poesias, "O Perdedor de Tempo". Dyl, publicou, dentre outros, no Jornal Rascunho de Literatura, Revista Literatura em Debate e na Revista Pitomba. Levou ainda o primeiro lugar no décimo segundo Festival Maranhense de Poesia e no quinto Concurso de Poesia dos Parlapatões. Após o lançamento, o ator e poeta retornará a São Paulo, onde estreará dia 13 de abril o espetáculo "Satyros Satiricon", nova montagem da Cia de Teatro Os Satyros.

Bruno Azevedo é escritor e tradutor. Autor de “O Monstro Souza (romance festifud) e de Breganejo Blues (novela Trezoitão). Um dos articuladores da revista Pitomba, Bruno Azevedo, que investe na bizarrice como recurso na sua literatura, foi entrevistado recentemente no Programa do Jô.

O Projeto Papoético existe desde novembro de 2010 e acontece semanalmente, às quintas-feiras, reunindo um grupo seleto de convidados, que se encontram para debater arte e cultura, com leituras de poesia, contos e performances, exibição de filmes, apresentações musicais.

Completamos no dia 25 de novembro de 2011 o primeiro aniversário do Papoético, que acontece no CHICODISCOS (RUA DE SÃO JOÃO, ESQUINA COM RUA DOS AFOGADOS, ONDE TEM UM SEMÁFORO, 389 – A, ALTOS – Centro Histórico). Lá funciona um Bar Experimental, Cachaçaria com som de primeira. Entrada franca.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Vida e morte de um “déspota”: Sobre a decadência da “política pequena” no IFMA


Escrito por
Saulo Pinto Silva[1]
Vinícius Pereira Bezerra[2]
Renata dos Reis Cordeiro[3]



Ser proprietário é se arrogar de um bem do qual se exclui os outros do gozo. É, ao mesmo tempo, reconhecer a todos um direito abstrato de posse. Excluindo pessoas do direito real de propriedade, o possuidor estende sua propriedade sobre esses excluídos (absolutamente sobre os não-possuidores, relativamente sobre os outros possuidores) sem os quais ela não seria nada. Por seu lado, os não-possuidores não têm escolha. O possuidor os apropria e os aliena enquanto produtores do próprio poder dele, ao passo que a necessidade de assegurar a existência física força os não-possuidores a colaborar – contra a sua vontade – com sua própria exclusão, e a produzir e sobreviver em um sistema no qual viver é impossível. Excluídos, eles participam na posse através da mediação do possuidor, participação mística que esteve presente desde a origem de todos os relacionamentos dos clãs e de todos os relacionamentos sociais que pouco a pouco sucederam o princípio de coesão obrigatória, segundo a qual cada membro é uma parte integral do grupo. [...] A organização da aparência está ligada à sobrevivência do possuidor, uma sobrevivência ligada a seus privilégios, que passa pela sobrevivência física do não-possuidor, uma maneira de manter viva a exploração e a impossibilidade de ser uma pessoa (Raoul Vaneigem).

Uma das características da “política pequena”, como pensava Antonio Gramsci, é sua confortável adaptação e capitulação aos poderes instituídos, o entreguismo aos poderes todo poderosos do “poder governamental” e sua incapacidade de sobrevivência intelectual e moral quando ausente do controle dos aparelhos e sub-aparelhos estatais. Na “república dos bruzundangas”, conforte notável caracterização por analogia do Brasil como “país do futuro” feita pelo brilhante Lima Barreto, a pobreza das nossas elites não apenas se dá em relação direta com sua incapacidade de pensar, com sua ignorância subjacente, mas, sobretudo, pela reprodução dos vícios corporativos e das práticas patrimonialistas.

Assim, dirigentes dos aparelhos e sub-aparelhos estatais vêem na “política pequena” sua única “rota” de acesso necessário à manutenção no poder e na garantia de seus benefícios burocrático-patrimoniais. No Maranhão, por exemplo, quase todos os ex-dirigentes das instituições de educação superior públicas possuem assento em cadeiras parlamentares estaduais ou federais (em nome do “povo” e de seus serviços prestados em benefício do “povo”) ou mesmo estão em cargos nos segundos e terceiros escalões estaduais ou federais. Parece-nos que existe uma espécie de “cartilha de aceleração do crescimento individual” que faz com que todo dirigente sinta-se no direito inalienável de sentir-se maior do que a instituição que fizera carreira e que fora dirigente para alçar novas experiências maiores e mais significativas. A exceção permanente é a regra genérica da carreira dos “pilotos” das burocracias e sub-burocracias estatais. Um ex-dirigente que, após os “grandiosos” serviços prestados ao “povo”, decide voltar à carreira, parece-nos, uma impossibilidade histórica diante dos desejos e delírios pela manutenção do status quo.

Alguém poderia imputar-nos uma determinada violação equívoca à legitimidade das escolhas individuais. Não se trata de um infantilismo democrático, mas sim de dirigentes que se valeram do controle político das instituições públicas brasileiras, firmando contratos “impessoais” e politicamente interessados em nome de um projeto pós-mandato. A antiga máxima da utilização de um aparato gigantesco para manter relações promíscuas e imorais com parlamentares, prefeitos e grupos econômicos de interesse aqui se confirma. À brasileira, este processo se naturalizou no percurso de construção de um país exemplo da exceção permanente originária, cujo peso das relações coloniais-patrimoniais ainda urge por ser superada radicalmente.

Mais uma vez, infelizmente, o IFMA dá-nos uma lição de como nosso “ornitorrinco” pós-colonial mostra-se como impassível de mudanças substantivas sob pena de modificar nossa “vocação” direcionada ao atraso da vanguarda, ou seria à vanguarda do atraso? A recepção do pedido de exoneração do reitor pró-tempore José Costa Ferreira para “voltar à terra” pela disputa eleitoral, não poderia deixar de suscitar algum tipo de reflexão intelectual sobre a economia das práticas nem sempre simbólicas. Parece-nos que os desmandos e erros intencionais devem ser esquecidos ou mesmo ignorados, pois agora, os mais jovens devem assumir a pilotagem da “nau de urano”.
Todavia, o vocabulário tucano-petista produzido nos últimos 16 anos, por outro lado, ensina-nos (pasmem!) a refletir criticamente e com alguma inteligência sobre as heranças objetivas e subjetivas dos “antigos regimes”. O governo Lula insistia em afirmar uma determinada “herança maldita” do governo FHC, o que, aliás, não passava de um recurso retórico na “guerra” ideológica com os neoliberais de “direita” do PSDB. Quando pensamos nas artimanhas do “poder despótico” que se instalou e se reproduziu no IFMA nos últimos 8 anos e que agora se afasta, sem nenhuma explicação à comunidade escolar que o tornou “poder”, portanto, não podemos pensar outra coisa do que um mero deboche tropical. Como nossa formação cultural reproduz uma indiferença formidável, então, as coisas serão apenas passantes na vida institucional e peças do museu do esquecimento.

Mas, qual herança? O IFMA encontra-se hoje em todas as regiões do estado, com uma expansão da oferta da educação profissionalizante e superior sem precedentes na história da “república dos bruzundangas”. Apenas os “infelizes”, conforme célebre frase do nosso “déspota”, seriam capazes de insurgirem-se contra o óbvio. Entretanto, os “felizmente infelizes” estavam justamente afirmando, de maneira incontestável, que a expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica no Maranhão é uma condição apenas necessária e não suficiente para que essa expansão reflita, de igual modo, a expansão da qualidade socialmente necessária para contribuir na politização e na qualificação da maioria historicamente “excluída” dos serviços públicos. É óbvio que cidadania não se ensina na instituição educativa, pois cidadania é um processo coletivo mais genérico de assimilação do ser social burguês com todos os seus atributos, que se dá pela mediação dos processos sociais, isto é, na rua! O professor Milton Santos dizia que “não há e nunca houve cidadãos neste país”. Assim, nada mais demagógico do que em nome da cidadania do “povo” condenar de “infelizes” os críticos de uma expansão absolutamente desqualificada.

Falávamos de herança... Pois bem. Toda a expansão da rede no Maranhão respeitou critérios muito bem definidos pela tradição despótica do patrimonialismo colonial. Isto é, desde o princípio todos os dirigentes dos campi, à exceção dos campi antigos e com alguma tradição de processos de participação democráticos e de alternância de poder, são pró-tempore sem eleições de escolha pela comunidade escolar. Na verdade, aqui a “regra” da exceção permanente como regra geral se perfaz de maneira extraordinária. Os “séquitos” palacianos, que têm pavor a todo processo de participação da “plebe rude”, gritam que a legislação de exceção de criação dos institutos federais impossibilita qualquer processo eleitoral formal. Prestem atenção!, impeditivo formalista, cujo objetivo a aritmética simples do “poder despótico” sabe bem, isto é, indicar amigos e “dirigentes associados” que obedeçam os imperativos da “governança global” do IFMA. Noves fora toda e qualquer especulação, é evidente que um hegemonismo sem hegemonia se desenhava. Em vez de consulta prévia submetida à reitoria, melhor, indicação por tempo indeterminado de dirigentes “amigos” ou cooptação via acomodação de “críticos” de plantão, conforme aquela velha máxima de beijar a cruz! Aqui ainda temos uma fratura, pois uma espécie de “gincana” de dirigentes fracassados e incompetentes se organizara, em que o dirigente era deslocado multicampi, reproduzindo a sua velha incompetência amplamente conhecida, até que que um novo campus a ser destruído surgisse para sua cavalaria. Voltando ao negócio mais ou menos eclesiástico... E quem beija a cruz uma vez, beija duas, beija três, até aprender que “eles” não eram tão ruins assim e que só quem sabe das dificuldades e impossibilidades do “ser” dirigente é quem assume cargos de direção. Nada como a reinvenção do “capitão do mato” pós-moderno para acrescentar uma boa pitada de ironia na nossa trajetória vocacional de um “país do futuro”, de uma instituição devota ao “futuro” em terras paradoxalmente “dinásticas”.

Não nos esqueçamos, lógico, que o negócio é bilateral e que se ganha terreno político para o poder déspota à medida que resolve-se a ânsia dos amigos e “críticos” pelo poder burocrático, associada a uma generosa complementação dos rendimentos crescentes dos novos “capitães do mato”. Nada estranho para a lógica de uma economia da barganha da malandragem nacional. Não é preciso dizer quem é sempre contra greve, sim?! Aliás, muitos deles, vivem em “greve”, mas após assumirem os presumíveis cargos de direção, viram inimigos públicos de toda greve das massas trabalhadoras de “famintos” intelectualizados flexibilizados pela sociedade “pós-industrial”.

O que soa estranho, todavia, foi certa incapacidade coletiva de resistência. Se a maioria se incomoda, então, sublevação! Mas, o que estamos esquecendo é a tendência gravitacional ao poder, à bajulação do poder e ao medo do poder, ora um, ora outro, no final, ambos misturados numa “salada dialética” toda estranha. Os “economistas” e “contadores” do poder despótico valeram-se da moeda de troca pós-colonial indispensável à manutenção do poder despótico, a saber, o desejo das remoções e/ou redistribuições funcionais, esses “delírios” de desterritorialização e reterritorialização dos servidores lotados nos campi do interior do estado. Ah, sem esquecer das “ameaças legítimas” em nome do trabalho vocacional à instituição em nome do “povo” que, sem nenhum pudor, sussurravam, “cuidado” com estes “infelizes”, afaste-se da greve, não se relacione com os “talibãs”, pois "vocês estão em estágio probatório!”.

Também não esqueçamos do torturado apelo do déspota-mor, em toda sua desfaçatez, aos novos servidores para que assumissem seu papel de missionários em seus campi de lotação e que, nesta condição, toda humilhação fosse bem recebida com o generoso coração cristão. Esta diatribe despótica é tão-somente extensão da razão cínica enredada nos seus silogismos do poder, única lógica conhecida daqueles que se comportam como cães correndo atrás do próprio rabo. Certamente não iremos discorrer aqui sobre todas as arbitrariedades do poder déspota que, além dos inúmeros absurdos, retomou uma história interrompida da passivização da crítica e anulação da dissensão, caluniando, difamando, perseguindo e intimidando os “não alinhados”. Em nome da vontade geral roussouniana, o “déspota” assumiu para si mesmo todo o arbítrio da legislação de exceção permanente em nome do “projeto” responsável dos negócios mantidos em “segredo” de estado. A vontade do pensamento único e ignorante é tornar-nos meros “tarefeiros”, executores pós-fordistas das legislações de exceção e receptores de mentiras e ideologias que beiram ao cinismo em estado puro.

Alguma originalidade ifetiana? Claro que não! Na “república dos bruzundangas”, nada escapa aos tentáculos da acumulação primitiva dos poderes. Perdeu-se, assim, uma oportunidade singular de erguimento de uma instituição efetivamente politécnica e substantivamente democrática. Mas como é o poder que importa, sua reprodução irrefletida, a política toma de assalto o lugar da ética. Não é de nenhum “prazer aristocrático” que brota esta escrevinhação paródica, mas trata-se de uma exigência de nossa práxis, pois ver um ex-sindicalista e ex-lutador não somente virar um burocrata degenerado, bem como um “combatente” aos nossos interesses majoritários históricos, reclama dos “novos combatentes” a crítica teórico-prática das práticas instituídas. Como se trata de uma despedida, de um momento “fúnebre” de uma “política” que somente pode ser “pequena”, muitos celebrarão, em blocos organizados de seus carnavais “fora de época”, uma dívida com o “déspota”.

Alguns, não poucos, o transformarão em mito e o mito é a negação par excellence da política, pois é indecifrável, inquestionável e escamoteia os teoremas da “política pequena” num falso consenso à brasileira. Poucos, bem poucos, sentirão um “alívio cartesiano” com a derrocada de uma péssima direção política para a maioria e uma decadente gestão institucional em nome da maioria. Como estamos aqui, na vanguarda da luta e da resistência aos podres poderes, só temos a dizer: já vai tarde!


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[1] Professor de Teoria Econômica do IFMA, campus Maracanã.
[2] Professor de Sociologia do IFMA, campus Santa Inês.
[3] Professora, Advogada e ex-servidora do IFMA.