segunda-feira, 2 de abril de 2012

Vida e morte de um “déspota”: Sobre a decadência da “política pequena” no IFMA


Escrito por
Saulo Pinto Silva[1]
Vinícius Pereira Bezerra[2]
Renata dos Reis Cordeiro[3]



Ser proprietário é se arrogar de um bem do qual se exclui os outros do gozo. É, ao mesmo tempo, reconhecer a todos um direito abstrato de posse. Excluindo pessoas do direito real de propriedade, o possuidor estende sua propriedade sobre esses excluídos (absolutamente sobre os não-possuidores, relativamente sobre os outros possuidores) sem os quais ela não seria nada. Por seu lado, os não-possuidores não têm escolha. O possuidor os apropria e os aliena enquanto produtores do próprio poder dele, ao passo que a necessidade de assegurar a existência física força os não-possuidores a colaborar – contra a sua vontade – com sua própria exclusão, e a produzir e sobreviver em um sistema no qual viver é impossível. Excluídos, eles participam na posse através da mediação do possuidor, participação mística que esteve presente desde a origem de todos os relacionamentos dos clãs e de todos os relacionamentos sociais que pouco a pouco sucederam o princípio de coesão obrigatória, segundo a qual cada membro é uma parte integral do grupo. [...] A organização da aparência está ligada à sobrevivência do possuidor, uma sobrevivência ligada a seus privilégios, que passa pela sobrevivência física do não-possuidor, uma maneira de manter viva a exploração e a impossibilidade de ser uma pessoa (Raoul Vaneigem).

Uma das características da “política pequena”, como pensava Antonio Gramsci, é sua confortável adaptação e capitulação aos poderes instituídos, o entreguismo aos poderes todo poderosos do “poder governamental” e sua incapacidade de sobrevivência intelectual e moral quando ausente do controle dos aparelhos e sub-aparelhos estatais. Na “república dos bruzundangas”, conforte notável caracterização por analogia do Brasil como “país do futuro” feita pelo brilhante Lima Barreto, a pobreza das nossas elites não apenas se dá em relação direta com sua incapacidade de pensar, com sua ignorância subjacente, mas, sobretudo, pela reprodução dos vícios corporativos e das práticas patrimonialistas.

Assim, dirigentes dos aparelhos e sub-aparelhos estatais vêem na “política pequena” sua única “rota” de acesso necessário à manutenção no poder e na garantia de seus benefícios burocrático-patrimoniais. No Maranhão, por exemplo, quase todos os ex-dirigentes das instituições de educação superior públicas possuem assento em cadeiras parlamentares estaduais ou federais (em nome do “povo” e de seus serviços prestados em benefício do “povo”) ou mesmo estão em cargos nos segundos e terceiros escalões estaduais ou federais. Parece-nos que existe uma espécie de “cartilha de aceleração do crescimento individual” que faz com que todo dirigente sinta-se no direito inalienável de sentir-se maior do que a instituição que fizera carreira e que fora dirigente para alçar novas experiências maiores e mais significativas. A exceção permanente é a regra genérica da carreira dos “pilotos” das burocracias e sub-burocracias estatais. Um ex-dirigente que, após os “grandiosos” serviços prestados ao “povo”, decide voltar à carreira, parece-nos, uma impossibilidade histórica diante dos desejos e delírios pela manutenção do status quo.

Alguém poderia imputar-nos uma determinada violação equívoca à legitimidade das escolhas individuais. Não se trata de um infantilismo democrático, mas sim de dirigentes que se valeram do controle político das instituições públicas brasileiras, firmando contratos “impessoais” e politicamente interessados em nome de um projeto pós-mandato. A antiga máxima da utilização de um aparato gigantesco para manter relações promíscuas e imorais com parlamentares, prefeitos e grupos econômicos de interesse aqui se confirma. À brasileira, este processo se naturalizou no percurso de construção de um país exemplo da exceção permanente originária, cujo peso das relações coloniais-patrimoniais ainda urge por ser superada radicalmente.

Mais uma vez, infelizmente, o IFMA dá-nos uma lição de como nosso “ornitorrinco” pós-colonial mostra-se como impassível de mudanças substantivas sob pena de modificar nossa “vocação” direcionada ao atraso da vanguarda, ou seria à vanguarda do atraso? A recepção do pedido de exoneração do reitor pró-tempore José Costa Ferreira para “voltar à terra” pela disputa eleitoral, não poderia deixar de suscitar algum tipo de reflexão intelectual sobre a economia das práticas nem sempre simbólicas. Parece-nos que os desmandos e erros intencionais devem ser esquecidos ou mesmo ignorados, pois agora, os mais jovens devem assumir a pilotagem da “nau de urano”.
Todavia, o vocabulário tucano-petista produzido nos últimos 16 anos, por outro lado, ensina-nos (pasmem!) a refletir criticamente e com alguma inteligência sobre as heranças objetivas e subjetivas dos “antigos regimes”. O governo Lula insistia em afirmar uma determinada “herança maldita” do governo FHC, o que, aliás, não passava de um recurso retórico na “guerra” ideológica com os neoliberais de “direita” do PSDB. Quando pensamos nas artimanhas do “poder despótico” que se instalou e se reproduziu no IFMA nos últimos 8 anos e que agora se afasta, sem nenhuma explicação à comunidade escolar que o tornou “poder”, portanto, não podemos pensar outra coisa do que um mero deboche tropical. Como nossa formação cultural reproduz uma indiferença formidável, então, as coisas serão apenas passantes na vida institucional e peças do museu do esquecimento.

Mas, qual herança? O IFMA encontra-se hoje em todas as regiões do estado, com uma expansão da oferta da educação profissionalizante e superior sem precedentes na história da “república dos bruzundangas”. Apenas os “infelizes”, conforme célebre frase do nosso “déspota”, seriam capazes de insurgirem-se contra o óbvio. Entretanto, os “felizmente infelizes” estavam justamente afirmando, de maneira incontestável, que a expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica no Maranhão é uma condição apenas necessária e não suficiente para que essa expansão reflita, de igual modo, a expansão da qualidade socialmente necessária para contribuir na politização e na qualificação da maioria historicamente “excluída” dos serviços públicos. É óbvio que cidadania não se ensina na instituição educativa, pois cidadania é um processo coletivo mais genérico de assimilação do ser social burguês com todos os seus atributos, que se dá pela mediação dos processos sociais, isto é, na rua! O professor Milton Santos dizia que “não há e nunca houve cidadãos neste país”. Assim, nada mais demagógico do que em nome da cidadania do “povo” condenar de “infelizes” os críticos de uma expansão absolutamente desqualificada.

Falávamos de herança... Pois bem. Toda a expansão da rede no Maranhão respeitou critérios muito bem definidos pela tradição despótica do patrimonialismo colonial. Isto é, desde o princípio todos os dirigentes dos campi, à exceção dos campi antigos e com alguma tradição de processos de participação democráticos e de alternância de poder, são pró-tempore sem eleições de escolha pela comunidade escolar. Na verdade, aqui a “regra” da exceção permanente como regra geral se perfaz de maneira extraordinária. Os “séquitos” palacianos, que têm pavor a todo processo de participação da “plebe rude”, gritam que a legislação de exceção de criação dos institutos federais impossibilita qualquer processo eleitoral formal. Prestem atenção!, impeditivo formalista, cujo objetivo a aritmética simples do “poder despótico” sabe bem, isto é, indicar amigos e “dirigentes associados” que obedeçam os imperativos da “governança global” do IFMA. Noves fora toda e qualquer especulação, é evidente que um hegemonismo sem hegemonia se desenhava. Em vez de consulta prévia submetida à reitoria, melhor, indicação por tempo indeterminado de dirigentes “amigos” ou cooptação via acomodação de “críticos” de plantão, conforme aquela velha máxima de beijar a cruz! Aqui ainda temos uma fratura, pois uma espécie de “gincana” de dirigentes fracassados e incompetentes se organizara, em que o dirigente era deslocado multicampi, reproduzindo a sua velha incompetência amplamente conhecida, até que que um novo campus a ser destruído surgisse para sua cavalaria. Voltando ao negócio mais ou menos eclesiástico... E quem beija a cruz uma vez, beija duas, beija três, até aprender que “eles” não eram tão ruins assim e que só quem sabe das dificuldades e impossibilidades do “ser” dirigente é quem assume cargos de direção. Nada como a reinvenção do “capitão do mato” pós-moderno para acrescentar uma boa pitada de ironia na nossa trajetória vocacional de um “país do futuro”, de uma instituição devota ao “futuro” em terras paradoxalmente “dinásticas”.

Não nos esqueçamos, lógico, que o negócio é bilateral e que se ganha terreno político para o poder déspota à medida que resolve-se a ânsia dos amigos e “críticos” pelo poder burocrático, associada a uma generosa complementação dos rendimentos crescentes dos novos “capitães do mato”. Nada estranho para a lógica de uma economia da barganha da malandragem nacional. Não é preciso dizer quem é sempre contra greve, sim?! Aliás, muitos deles, vivem em “greve”, mas após assumirem os presumíveis cargos de direção, viram inimigos públicos de toda greve das massas trabalhadoras de “famintos” intelectualizados flexibilizados pela sociedade “pós-industrial”.

O que soa estranho, todavia, foi certa incapacidade coletiva de resistência. Se a maioria se incomoda, então, sublevação! Mas, o que estamos esquecendo é a tendência gravitacional ao poder, à bajulação do poder e ao medo do poder, ora um, ora outro, no final, ambos misturados numa “salada dialética” toda estranha. Os “economistas” e “contadores” do poder despótico valeram-se da moeda de troca pós-colonial indispensável à manutenção do poder despótico, a saber, o desejo das remoções e/ou redistribuições funcionais, esses “delírios” de desterritorialização e reterritorialização dos servidores lotados nos campi do interior do estado. Ah, sem esquecer das “ameaças legítimas” em nome do trabalho vocacional à instituição em nome do “povo” que, sem nenhum pudor, sussurravam, “cuidado” com estes “infelizes”, afaste-se da greve, não se relacione com os “talibãs”, pois "vocês estão em estágio probatório!”.

Também não esqueçamos do torturado apelo do déspota-mor, em toda sua desfaçatez, aos novos servidores para que assumissem seu papel de missionários em seus campi de lotação e que, nesta condição, toda humilhação fosse bem recebida com o generoso coração cristão. Esta diatribe despótica é tão-somente extensão da razão cínica enredada nos seus silogismos do poder, única lógica conhecida daqueles que se comportam como cães correndo atrás do próprio rabo. Certamente não iremos discorrer aqui sobre todas as arbitrariedades do poder déspota que, além dos inúmeros absurdos, retomou uma história interrompida da passivização da crítica e anulação da dissensão, caluniando, difamando, perseguindo e intimidando os “não alinhados”. Em nome da vontade geral roussouniana, o “déspota” assumiu para si mesmo todo o arbítrio da legislação de exceção permanente em nome do “projeto” responsável dos negócios mantidos em “segredo” de estado. A vontade do pensamento único e ignorante é tornar-nos meros “tarefeiros”, executores pós-fordistas das legislações de exceção e receptores de mentiras e ideologias que beiram ao cinismo em estado puro.

Alguma originalidade ifetiana? Claro que não! Na “república dos bruzundangas”, nada escapa aos tentáculos da acumulação primitiva dos poderes. Perdeu-se, assim, uma oportunidade singular de erguimento de uma instituição efetivamente politécnica e substantivamente democrática. Mas como é o poder que importa, sua reprodução irrefletida, a política toma de assalto o lugar da ética. Não é de nenhum “prazer aristocrático” que brota esta escrevinhação paródica, mas trata-se de uma exigência de nossa práxis, pois ver um ex-sindicalista e ex-lutador não somente virar um burocrata degenerado, bem como um “combatente” aos nossos interesses majoritários históricos, reclama dos “novos combatentes” a crítica teórico-prática das práticas instituídas. Como se trata de uma despedida, de um momento “fúnebre” de uma “política” que somente pode ser “pequena”, muitos celebrarão, em blocos organizados de seus carnavais “fora de época”, uma dívida com o “déspota”.

Alguns, não poucos, o transformarão em mito e o mito é a negação par excellence da política, pois é indecifrável, inquestionável e escamoteia os teoremas da “política pequena” num falso consenso à brasileira. Poucos, bem poucos, sentirão um “alívio cartesiano” com a derrocada de uma péssima direção política para a maioria e uma decadente gestão institucional em nome da maioria. Como estamos aqui, na vanguarda da luta e da resistência aos podres poderes, só temos a dizer: já vai tarde!


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[1] Professor de Teoria Econômica do IFMA, campus Maracanã.
[2] Professor de Sociologia do IFMA, campus Santa Inês.
[3] Professora, Advogada e ex-servidora do IFMA.


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