terça-feira, 9 de agosto de 2011

A economia mundial estremece As origens e perspectivas da crise econômica atual


EDUARDO ALMEIDA NETO - Da Direção Nacional do PSTU e editor do Opinião Socialista.



A crise econômica internacional voltou ao centro do noticiário. As bolsas desabam em todo o mundo. Fatos que antes eram considerados quase impossíveis se sucedem em um ritmo vertiginoso: rebaixamento dos títulos do tesouro norte-americano, ataques especulativos contra as moedas da Itália e Espanha, risco de quebra de países imperialistas.

Existe hoje uma agudização da crise econômica em curso desde finais de 2007. E a dimensão histórica desta crise pode ser sentida novamente pela gravidade dos fatos atuais.

As origens da situação atual
Tudo começou no final de 2007, com uma crise clássica da economia capitalista de superprodução e redução na taxa de lucros das grandes empresas. Logo isso se traduziu em uma queda vertiginosa na produção industrial, agravada brutalmente com uma gigantesca crise financeira. O caráter parasitário do capitalismo se manifestava em uma enorme hipertrofia financeira especulativa e um grau de endividamento inédito das famílias, empresas e estados. O sinal mais conhecido da crise foi a falência do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. Mas era o início de algo muito mais profundo que uma crise financeira: começava a mais grave crise econômica do capitalismo desde 1929.

Essa crise, mais além de suas determinações econômicas, tinha uma explicação também na luta de classes. Estava fracassando a ofensiva imperialista desencadeada pelo governo Bush para tentar retomar o auge neoliberal dos anos 90. A invasão do Iraque se empantanava com a resistência do povo, a imposição da ALCA na América Latina não vingou, começou a resistência dos trabalhadores europeus. Isso dificultou a retomada da taxa de lucros e precipitou a crise.



O primeiro momento da crise justificava o temor de uma nova depressão mundial. Houve uma queda livre da produção industrial nos países imperialistas que se aproximavam aos de 29. Havia um claro risco de quebra do sistema financeiro internacional, com os grandes bancos imperialistas à beira da falência.

Despejando dinheiro
No entanto uma gigantesca e inédita operação dos governos imperialistas mudou o cenário: os estados entregaram cerca de 25 trilhões de dólares às grandes empresas e bancos ameaçados. Esses números são apenas aproximativos, porque na verdade ninguém sabe com clareza a dimensão real dessa ajuda. Recentemente, o Government Accountability Office (um instituto do congresso dos EUA) descobriu que o Tesouro norte-americano entregou 16 trilhões de dólares em empréstimos secretos às grandes empresas. Não se trata de pouca coisa, é mais que o PIB dos EUA sendo entregue secretamente aos grandes bancos. Não houve nenhuma crise, nenhuma prisão. É provável então que essa cifra total da ajuda chegue aos 40 ou 50 trilhões de dólares, se aproximando de todo o PIB mundial (63 trilhões de dólares).

Endividamento recorde
A ação dos governos imperialistas impediu uma nova depressão. Começou então uma pequena recuperação da economia global, que marcou uma segunda fase da crise. Mas não se resolveu a superprodução existente. Nem ocorreu a queima de capital (quebra de empresas) inevitável e necessária no curso normal das crises capitalistas. A injeção histórica de capital dos governos salvou as grandes empresas, mas agravou todos os problemas existentes. Para ser preciso, acrescentou um novo e gigantesco problema: o endividamento recorde dos estados imperialistas que foi necessário para bancar essas doações às grandes empresas. Ou, para falar de outro ângulo, se criou uma nova e gigantesca bolha financeira mundial.



A dívida federal do governo dos EUA passou de 9,2 trilhões de dólares em 2007 a 14,5 trilhões em 2011, o que corresponde a 100% do PIB. A dívida alcança nos países europeus a 63% do PIB da Espanha, 76,5% na Inglaterra, 81,7% na França, 93% em Portugal, 114% da Irlanda, 120% da Itália e 152% do Grécia. É essa bolha que está estourando agora.

Para os economistas burgueses, a crise tinha acabado em 2010. Nós dizíamos que aquela recuperação era apenas uma fase de uma onda longa depressiva da economia capitalista. Existem os que não aceitam a existência dessas ondas longas. Mas independente do nome, a realidade é que estamos perante um período longo de decadência do capitalismo que se estenderá por 10-15 anos, com períodos de recuperação curta e crises maiores. Para sair desse período, o capital terá de derrotar as lutas dos trabalhadores e impor um novo grau de exploração, para poder retomar uma taxa de lucros que possibilite abrir uma nova fase ascendente.

Ataque aos trabalhadores
A evolução posterior da economia comprovou a continuidade da crise. Começando pela Grécia e Irlanda e se estendendo rapidamente para Portugal, Espanha e Itália, os países europeus enfrentar o gigantesco déficit público em que se meteram. Como as dívidas se tornaram impagáveis, os mesmos bancos que se beneficiaram dos gastos públicos em 2008-2009 exigiram que os governos passassem a aplicar duros planos de austeridade para garantir o pagamento das dívidas. Ou seja, chegou a hora de impor que os trabalhadores paguem com cortes nos serviços sociais, aposentadorias e salários o dinheiro que os bancos receberam de graça.

O capital financeiro, fração hegemônica do capital, fez com que os estados deslocassem gigantescas somas de dinheiro para evitar a quebra de grandes empresas, como seguradoras do grande capital. O resultado é que agora está ocorrendo uma crise fiscal sem precedentes na Europa e nos EUA. E já existem estados à beira da falência, como Grécia, Irlanda e Portugal. Perante isso, esses mesmos bancos exigem a adoção de planos de austeridade que têm como principal objetivo a continuidade no pagamento das dívidas, ou seja, o repasse para eles mesmos.

Essa é a origem dos planos europeus de austeridade recentes. E é também a explicação do recente acordo Obama-republicanos.

Luta de classe em cena
A crise da dívida dos governos europeus marca uma terceira fase da crise. Nela está ocorrendo um desenvolvimento da luta de classes que não tinha surgido nas anteriores. O movimento de massas começou a entrar em cena, levando a uma polarização crescente da luta de classes.




Está em curso uma verdadeira guerra social da burguesia européia para acabar com o "estado de bem estar social", promovendo um brutal retrocesso do nível de vida do proletariado. Não está em jogo apenas o repasse dos custos da crise atual para os ombros dos trabalhadores. Já está se anunciando um novo patamar de exploração sobre o proletariado, aproximando o nível de vida dos trabalhadores europeus com os dos países semi-coloniais. Se conseguirem impor um plano de austeridade, logo virá outro, mais e mais severo.

Isso já se expressa com clareza na situação da juventude dos países imperialistas, que a cada dia vê menos condições de manter um nível de vida semelhante a de seus pais. O desemprego entre os jovens atinge em muitos países 20-25%, e chega a 40% na Espanha. Não é por acaso que a juventude tem tido um papel de vanguarda nas mobilizações da Grécia, Portugal e Espanha.

A crise da União Europeia
A crise atinge o conjunto da zona do euro. A UE não é simplesmente um acordo de livre comércio, pois inclui uma união monetária. Une desiguais ampliando brutalmente essa desigualdade, a favor dos países com indústria mais desenvolvida como Alemanha e França. Os países mais fracos estão vendo suas empresas desaparecerem, e não podem recorrer a medidas de proteção cambial (como a desvalorização da moeda) por estarem presos ao euro.


Já existia um retrocesso de países que tinham um status imperialista e caminhavam para virar semi-colônias no marco da União Européia. Esse retrocesso pode dar um salto agora em países como Grécia e Portugal. Não é por acaso que membros do Banco Central europeu se referem ao acordo da Grécia dizendo que esse país tem de renunciar a sua soberania.

Por outro lado, o conjunto do sistema financeiro está afetado. Não se trata da crise de alguns países. A crise grega afeta diretamente os bancos alemães e franceses, envolvidos nos financiamentos do estado. As crises espanhola e italiana já seriam por si qualitativas, pelo peso dessas economias.

Esse nível de ataque está levando a uma polarização social e política crescente, e a uma desestabilização de vários países europeus, ainda de forma muito desigual. Nos países mais avançados existem crises políticas de governos como Berlusconi, Sarkozy, Papandreu. Além de um ascenso das lutas dos trabalhadores e da juventude pode-se observar importantes divisões entre a burguesia. Não existe uma visão comum de como enfrentar a crise entre os governos imperialistas, e existe cada vez mais crise também nas burguesias de cada um dos países. O continente europeu entrou em desestabilização.



Na luta de classes está se jogando o desfecho da crise econômica. Caso o grande capital seja vitorioso, o proletariado europeu terá o nível de vida dos latinoamericanos, os latinos se aproximarão dos chineses, etc. Países antes imperialistas se transformarão em semicolônias. Caso os trabalhadores derrotem algum desses planos, vamos ver situações e crises revolucionárias novamente na Europa, como foram o maio de 68 francês e a revolução portuguesa.

Intensificação da crise torna mais provável uma nova recessão mundial
As bolsas desabaram na semana que passou pelo temor de uma nova recessão mundial. Em vários países, a queda anulou o crescimento do último ano, voltando a patamares de 2009.

O temor é justo. Já existia uma desaceleração da economia mundial antes da intensificação da atual da crise. Na Europa, o primeiro trimestre de 2011 mostrou crescimento importante na Alemanha (1,5%) e França (1%), com estagnação na Inglaterra (0,5%), Espanha (0,3%), Itália (0,1%) e recessão em Portugal (-0,7%) e Grécia (-4,5%). Nos EUA, o primeiro semestre de 2011, como já vimos, apresentou uma desaceleração, com crescimento de apenas 0,9% do PIB. O Japão já vivia uma retração desde o último trimestre de 2010 (-1,1%), agravado pelo tsunami no primeiro trimestre de 2011 (-3,7%).

Sobre essa desaceleração vai recair os efeitos dos planos de austeridade que são claramente recessivos. Está colocada no horizonte a possibilidade de uma nova recessão mundial. A crise da dívida dos EUA pode ter sido um marco, semelhante à falência do Lehman Brother em 2008, de uma virada em direção a uma nova recessão.

Desigualdade
Existe ainda uma desigualdade marcante, com duas velocidades na economia mundial. A China segue crescendo forte com 9,7 no primeiro trimestre e 9,5% no segundo. Não se trata de nenhum mistério, mas da continuidade da aposta do imperialismo em produzir para todo o mundo nesse país com salários baixíssimos e uma ditadura repressiva. A China não é um país imperialista ascendente, são as filiais das multinacionais que estão decidindo manter esse investimento. Isso vai seguir enquanto for possível manter as exportações para o mercado mundial e, em particular, para os países imperialistas. Durante a recessão de 2008-2009, depois de uma pequena queda, a economia chinesa seguiu crescendo. Será necessário ver como evolui agora, caso se imponha uma nova recessão mundial.

Um novo cenário
Caso ocorra uma nova recessão, a situação política já não será a mesma de 2008. Existe uma polarização da luta de classes que não existia naquela época. Isso inclui ascenso do movimento de massas em vários países europeus, além da revolução árabe. Por outro lado, existe um grau muito maior de divisão nas burguesias dominantes. O comando imperialista está golpeado pela crise política nos EUA e o enfraquecimento de Obama, além de crises em vários dos principais governos europeus.

A crise econômica vai ter uma dinâmica completamente interligada à política. Caso o proletariado europeu consiga derrotar algum dos planos imperialistas de austeridade, ou o proletariado dos EUA entrar em cena, veremos a crise econômica se aprofundar.

Cartas esgotadas
Por outro lado, o grande capital vai esgotando sua capacidade de tirar coelhos da cartola para escapar da crise. A grande cartada da injeção de dinheiro público já foi usada. Parte importante da crise atual é a instabilização do sistema financeiro pela crise das dívidas dos estados e o rebaixamento da dívida norte-americana. A grande bolha financeira gerada pela política anti-crise de 2008-2009 se transformou em combustível da crise atual. Não se pode subestimar a capacidade da grande burguesia imperialista em gerar iniciativas que possam adiar a crise. Mas uma parte de seu arsenal já foi usado, e está se virando contra ela.

A crise econômica recoloca a necessidade do socialismo. A economia mundial estremece mais uma vez. O caráter parasitário do capital financeiro aparece com sua verdadeira face. Mais uma vez a miséria se espalha em todo o mundo para preservar os lucros altíssimos das grandes empresas, o luxo extravagante de uma minoria de magnatas.

É possível viver em um mundo sem crises. Elas não são fenômenos da natureza como as enchentes ou tsunamis. São um resultado periódico do domínio das grandes empresas sobre a sociedade. É necessário acabar com a propriedade privada dos bancos, indústrias e grandes comércios para poder planificar a economia em função das necessidades da população. Essa é a proposta socialista, mais atual que nunca.

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