terça-feira, 29 de março de 2011

Líbia: uma revolução, duas guerras Existe hoje na Líbia uma guerra civil entre a revolução e a contra-revolução, e outra guerra de agressão imperiali

Eduardo Almeida Neto
da Direção Nacional do PSTU e editor do Opinião Socialista


Existe uma grande simpatia dos ativistas em todo o mundo pela revolução árabe contra ditaduras pró-imperialistas que oprimem estes países há décadas. Mas em relação à Líbia existe uma grande confusão. É ou não parte do mesmo processo? E agora, com a invasão imperialista, de que lado se posicionar?



A primeira confusão acontece porque as correntes stalinistas e chavistas tentam de todas as maneiras convencer que a rebelião do povo líbio é falsa e que Kadafi é um lutador antiimperialista. Com os métodos típicos do stalinismo, tentam convencer a todos que a Líbia não é parte do mesmo processo árabe.

A realidade entra pela janela, pelas portas, pelo teto: basta ver as noticias das milícias de trabalhadores e jovens nas cidades rebeladas contra Kadafi, para ver a falsidade dos stalinistas. É a mesma efervescência da praça Tahrir do Egito, que teve de se armar para enfrentar um genocida. É o que aconteceria no Egito, caso o exército tivesse reprimido a revolução. É o que pode acontecer no Iêmem e no Bahrein, caso a repressão violenta (apoiada pelo imperialismo) siga.

Existe uma revolução na Líbia, dos trabalhadores e do povo rebelado contra a ditadura de Kadafi, que começou de forma muito parecida com a do Egito e da Tunísia.

A confusão deliberada sobre Kadafi
Na verdade, Castro e Chavez confundem deliberadamente o Kadafi de quarenta anos atrás e o atual. Ele liderou um golpe militar em 69 que derrubou a monarquia e nacionalizou o petróleo, tendo seguidos choques com o imperialismo. Já na década de 90, teve um brutal giro à direita, entregando o petróleo líbio para a Shell, British Petroleun, ENI (italiana) e Total (francesa). Tornou-se um grande burguês, com negócios diretos com as multinacionais. Por exemplo, possui 10% das ações da FIAT e 7% do banco italiano Unicredit. Passou a ser recebido com festas pelos governos europeus, como Sarcozy e Berlusconi.

Kadafi teve um percurso semelhante ao de outras correntes nacionalistas burguesas que capitularam completamente ao imperialismo, como o nasserismo e o peronismo. O Kadafi de hoje não é igual ao Perón que nacionalizou as ferrovias inglesas, mas ao peronista Menen que implantou o neoliberalismo. Não é igual ao Nasser que nacionalizou o canal de Suez, mas a Mubarak.

A revolução em curso na Líbia é, portanto, muito semelhante às que estão ocorrendo em todo o mundo árabe. Mas apresenta também algumas diferenças importantes. A primeira é que Kadafi reagiu com uma repressão sangrenta, utilizando métodos semifascistas semelhantes aos de Israel, bombardeando populações civis com aviões. Por esse motivo, a revolução tomou o rumo de uma guerra civil.

Toda revolução se enfrenta com uma contra-revolução, no caso a resposta violenta do ditador. Escolher de que lado se fica em um processo como este tem enorme importância. Do lado da revolução ou da contra-revolução? Ficará registrado para sempre na história que Castro e Chavez mantiveram o apoio a Kadafi nessa guerra civil. Sustentaram diretamente a repressão e o genocídio do povo, sujando suas mãos com o sangue líbio, apoiando a contra-revolução.

E agora com a intervenção imperialista?
A segunda diferença é a intervenção militar direta do imperialismo na região.
Isso provocou outro tipo de confusão. E agora, o que fazer? Essa é a pergunta que os ativistas se fazem. A maioria está de acordo em que é equivocado apoiar Kadafi. Mas a discussão ficou muito mais confusa depois da intervenção militar do imperialismo. Isso não daria razão aos que apóiam Kadafi?

Não, não dá. O imperialismo não intervém porque Kadafi é antimperialista. Ele entregou todo o petróleo. Muito menos porque Kadafi é um ditador, já que estão apoiando nesse momento a mesma repressão no Bahrein.

O motivo para a intervenção é porque o imperialismo quer se apropriar diretamente do petróleo e estabelecer uma zona controlada no meio da revolução árabe. Não confia mais em Kadafi, porque não acredita que ele possa reestabilizar a região, mesmo que consiga uma vitória militar.

Como Kadafi mantém uma base social muito reduzida, e mesmo suas forças militares são limitadas, não tem condições sequer de garantir a ocupação das cidades em que derrota as forças rebeladas. Consegue ter vitórias militares pela superioridade bélica, mas não tem condições de garantir a estabilidade da região. É muito provável que, se ganhasse a guerra, a enorme oposição ao ditador resultasse em uma guerrilha de massas.

Kadafi está dando ao imperialismo a possibilidade de lançar uma contra-ofensiva para derrotar a revolução árabe. Possibilita que a OTAN apareça "em defesa da democracia", quando o motivo real é o controle do petróleo e da região.

Mas, como então se posicionar em meio a revolução do povo líbio contra Kadafi e a intervenção militar imperialista? Não seria o caso de deixar de lado a luta contra o ditador e centrar na batalha contra o imperialismo?

Não. Existem uma revolução e duas guerras. Uma guerra civil entre o pólo da revolução e da contra-revolução contra Khadafi. Outra guerra de agressão imperialista contra um país semicolonial. Não se pode ignorar a existência de uma revolução na Líbia. Nem se pode resumir a complexidade do problema líbio apenas a uma das guerras, sob pena de uma capitulação grosseira ao imperialismo ou a Kadafi.

Nada melhor para discutir a correção de uma posição política do que baixá-la para a realidade concreta. Imaginem só a situação hoje- no dia em que está sendo escrito esse artigo- de um grupo de militantes revolucionários em Bengazhi ou Misrata, bastiões do povo rebelado. Eles não podem deixar a guerra contra Khadafi, que segue atacando essas duas cidades e matando dezendas de pessoas. Seria necessária uma unidade de ação com Kadafi contra o imperialismo? Afinal existe uma guerra de agressão imperialista. Em termos abstratos sim, mas isso é impossível política e militarmente.

O grande obstáculo é o próprio Kadafi. Se ele tivesse qualquer postura antiimperialista, no momento da agressão estrangeira teria suspendido realmente todos os ataques aos rebeldes e chamado a uma ampla unidade de ação contra as forças da OTAN. Ao contrário, seguiu atacando com métodos de genocídio. Politicamente, a unidade de ação com Kadafi é impossível pelo ódio causado na ampla maioria das massas líbias por ele próprio. Não é por acaso que existe uma revolução contra ele.

Em termos militares é impossível pela continuidade da agressão das forças do ditador. Segue existindo uma guerra civil na Líbia. Por isso, a necessidade das duas guerras. Aqueles que defendem unicamente o repúdio a intervenção do imperialismo, calando sobre Kadafi estão situados no campo político e militar desse genocida. Muitas vezes, com a melhor das intenções de lutar contra o imperialismo, ao tentar priorizar a unidade de ação com Kadafi por fora da realidade concreta da guerra civil, terminam no pólo da contra-revolução. São cúmplices dos massacres do Mubarak líbio.

Atirar também contra o imperialismo
Por outro lado, a necessidade da guerra também contra o imperialismo leva ao necessário enfrentamento com a direção do Conselho Nacional Líbio, que se auto apresenta como representante do levante contra Kadafi. Esse Conselho está apoiando a ação militar imperialista. Essa é uma atitude traidora da causa árabe por abrir as portas para que o imperialismo de recupere do duro golpe que está sofrendo com a derrubada das ditaduras na região. Um território dominado pelas tropas da ONU será um bastião contra toda a revolução árabe.

É fundamental que os lutadores em Bengazhi e outros territórios liberados retomem a atitude antiimperialista que existia na área antes da contra-ofensiva de Kadafi. Não se pode aceitar a atitude desse Conselho, praticamente de uma unidade de ação com o imperialismo. Os governos imperialistas têm como objetivo acabar com a revolução árabe. Vão querer estabelecer um território controlado por eles.

Assim que puderem, as armas norte-americanas e européias vão se virar contra as milícias armadas da oposição. Quaisquer ganhos táticos no terreno militar contra Kadafi com os bombardeios da Otan vão se transformar em perdas estratégicas para a revolução.

É muito importante que se articule um pólo antiimperialista dentro de Bengazhi e das regiões controladas pelos rebeldes. A revolução contra Kadafi não pode deixar de identificar no imperialismo um inimigo e se situar também na luta política e militar contra a agressão estrangeira. A derrota da revolução líbia pode não vir somente pelas tropas de Kadafi, mas também pela intervenção imperialista disfarçada de intenções "democráticas".

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