quinta-feira, 14 de julho de 2011

Oswald de Andrade: o mais revolucionário dos modernos.


Inovador, polêmico, irônico, gozador. Oswald de Andrade é seguramente o maior nome do Modernismo no Brasil, embora alguns críticos insistam em relutar. Romancista, poeta e ensaísta inquieto, o escritor era por convicção um perturbador de ordens. A obra deste paulista, falecido em 1954, representou um corte sem precedentes com o passado parnasiano da cultura brasileira, cujo ponta-pé inicial foi dado com a Semana de Arte Moderna, em 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Como uma tentativa de ajustar as contas com a história da literatura, a 9º edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), ocorrida entre os dias 6 e 10 de julho, resolveu esse ano homenagear Oswald de Andrade, o mais revolucionário entre os modernos.

De burguês a militante socialista

Nascido em São Paulo em 11 de janeiro de 1890, pertencente a uma família rica, Oswald formou-se em Direito no ano de 1919 e fez carreira no jornalismo. Nesse período, realizou viagens pela Europa, onde travou contato com as vanguardas artísticas da época, principalmente o Futurismo. Foi o idealizador dos principais manifestos modernistas, a exemplo da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia, transformando-se em figura fundamental nos acontecimentos da cultura brasileira nos anos de 1920. Embora não se conheça ao certo de quem partiu a ideia da Semana de Arte Moderna, sabe-se pelo menos que já em 1920 Oswald de Andrade prometera para 1922 uma ação dos novos artistas “que fizesse valer o Centenário” (referência aos 100 anos da independência do Brasil).

Curiosamente, a vida e a obra de Oswald são absolutamente inseparáveis; talvez mais do que em qualquer outro escritor. Debochado e mestre da ironia, o artista viveu um importante divisor de águas em sua história, uma transformação que não poderia receber outro adjetivo que não fosse o de irônico. A mudança, inclusive, refletiria na produção literária do poeta. Riquíssimo fazendeiro de café, Oswald de Andrade se viu arruinado e falido do dia para noite em 1929, durante a crise econômica mundial. Convertido em “palhaço da burguesia”, o autor viu seu talento ofuscado e amargou anos difíceis. “Quando, depois de uma fase brilhante em que realizei nos salões do modernismo e mantive contato com a Paris de Cocteau e de Picasso, quando num só dia de débâcle do café, em 29, perdi tudo – os que se sentavam à minha mesa iniciaram uma tenaz campanha de desmoralização contra meus dias. Fecharam então num cochicho beiçudo o diz-que-diz que havia de isolar minha perseguida pobreza nas prisões e nas fugas. Criou-se então a fábula de que eu só fazia piada e irreverência, e uma cortina de silêncio tentou encobrir a ação pioneira que dera o Pau-Brasil e a prosa renovada de 22.”, chegou a se manifestar Oswald sobre o episódio.

Entretanto, o fato resultou numa essencial influência ideológica, sentida no romance Serafim Ponte Grande e na peça teatral O rei da vela, produzidas após 1930, onde análises críticas sobre a sociedade capitalista podem ser encontradas. Os agitados casos de amor também exerceram papel significativo na vida do escritor. Destes, destacam-se os casamentos com a pintora Tarsila do Amaral, em 1926, e com a escritora comunista Patrícia Galvão, a Pagu, em 1930, de quem Oswald recebeu influência política. A partir daí, ele passa a militar nos meios operários e chega a ingressar no Partido Comunista em 1931, onde permanece até 1945.

Pau-Brasil, Antropofagia e Modernismo

As mudanças inauguradas pela Semana de Arte Moderna foram profundamente influenciadas pelas transformações ocorridas no mundo no início do século 20. Grandes invenções, desenvolvimento científico e tecnológico, lutas sociais, Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa formavam o cenário que permitiu historicamente o surgimento do Modernismo e suas renovações nas artes. No Brasil, o quadro social era pintado pelas primeiras greves operárias, pelo movimento Tenentista e a fundação do Partido Comunista. Foi neste panorama que Oswald de Andrade se tornou protagonista da revolução modernista, cujos reflexos atravessaram todo o século passado, marcando a Tropicália e a Poesia Marginal.

Oswald foi o principal responsável por dois dos mais expressivos movimentos modernistas: a Poesia Pau-Brasil, em 1924, e a Antropofagia, em 1928. No primeiro, o manifesto defendia a criação de uma poesia genuinamente brasileira, que revisasse criticamente o nosso passado histórico e se revoltasse contra a cultura acadêmica e a dominação européia, tão presentes no Parnasianismo. A Poesia Pau-Brasil reivindicava ainda a ideia de uma língua brasileira, na qual a ausência de erudição e a presença dos erros gramaticais seriam contribuições fundamentais. O poema “Pronominais” é um bom exemplo. “Dê-me um cigarro / Diz a gramática / Do professor e do aluno / E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco / Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro.”.

No segundo movimento, o da Antropofagia, ao lado de Tarsila do Amaral e Raul Bopp, Oswald lança o mais radical dos manifestos artísticos. Neste, a proposta é devorar a cultura estrangeira e absorver o que nela há de melhor. Os artistas antropófagos, entretanto, não negam a cultura estrangeira, apenas não copiam nem imitam o que vem de fora. Assim como algumas tribos indígenas primitivas, que devoravam o inimigo acreditando assimilar suas qualidades, o movimento Antropofagia propunha devorar simbolicamente o estrangeiro e aproveitar as inovações artísticas, sem perder a identidade cultural. No manifesto, Oswald de Andrade brinca e sentencia ironicamente a questão: “Tupy or not tupy, that is the question”.

Os movimentos de Oswald em nada se pareciam com o nacionalismo ufanista e de clara inclinação fascista do manifesto Verde-amarelo, liderado por Plínio Salgado, que mais tarde se uniria ao integralismo.

O revolucionário modernista

Oswald de Andrade foi parte fundamental da revolução modernista pela qual passou a cultura brasileira nas duas primeiras décadas do século 20. O escritor reunia em si mesmo, na vida e na obra, a essência das características do Modernismo, tanto na poesia quanto na prosa ou no teatro. Reivindicava o nacionalismo com um olhar crítico da realidade brasileira, a valorização do falar cotidiano, o humor, a ironia, a paródia e a linguagem sintética. O legado de Oswald abriu caminho para que as gerações seguintes continuassem experimentando inovações literárias. Parte da crítica e do público considera o autor mais um intelectual destrutivo do que um escritor construtivo, o que não passa de uma injustiça. Se sua obra não é extensa, é ao menos desbravadora.

Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, que também recebeu influência de Oswald, reconheceu a importância do primeiro modernista. “Não houve, no modernismo, personagem mais viva do que ele. Manteve até o fim, quando outros ‘heróis’ do movimento se haviam acomodado ou haviam evoluído, uma atitude tipicamente modernista”, disse Drummond. Toda a poesia de Oswald de Andrade pode ser encontrada num único volume, chamado Poesias Reunidas, onde estão incorporados os livros Pau-Brasil, Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade, Poemas Menores, Cântico dos Cânticos para Flauta e Violão e O Escaravelho de Ouro. Na prosa, também merecem destaque as obras Os condenados (trilogia) e Memórias Sentimentais de João Miramar.

A literatura de Oswald de Andrade buscou incansavelmente o ideal de todo revolucionário: a liberdade. O modernista queria liberdade na forma e no conteúdo artístico, desejava uma cultura livre da tutela européia, livre das imitações dos “sapos” parnasianos. Prova disso o escritor deixou em seu livro de memórias, quando afirmou: “Como poucos, eu conheci as lutas e as tempestades. Como poucos, eu amei a palavra Liberdade e por ela briguei”. Sem dúvida alguma, uma luta justa. Na vida e na arte.

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