sábado, 19 de fevereiro de 2011

O AMAZONAS DESEMBOCA NO NILO.



Para a recuperação e sobrevivência do capital no Egito é necessário que as suas classes dominantes e seu Estado corrompido pelo imperialismo norte-americano e sionista rebaixem ainda mais as condições miseráveis da população. Essa é a base material da revolução egípcia. Por JOSÉ MARTINS.


Para acompanhar as rebeliões que se multiplicam no Magreb, norte da África e outras economias do Oriente Médio há que se levar em conta os movimentos recentes da globalização do capital. São movimentos simples, perceptíveis a olho nu. O difícil é compreender suas formas inusitadas e a rapidez com que estão a se reproduzir em toda crosta econômica terrestre.

Vejam, por exemplo, o que se passa atualmente nas relações econômicas entre Brasil e China, duas economias dominadas no tabuleiro geoeconômico internacional. Em 2010, os novos investimentos dos capitalistas chineses na produção (indústria) no Brasil alcançaram quase US$20 bilhões. Quase a metade do total de US$ 48 bilhões de investimentos externos diretos (IED) que entraram no país no ano passado. Só este fato já revela uma clara reformatação das tradicionais relações econômicas internacionais. Até poucos anos atrás, as economias dominadas só importavam capital das economias dominantes e estavam longe de se interconectar pela expansão global das suas próprias empresas. A realidade do capital está a mudar. E coisas importantes a acontecer.

NO CORAÇÃO DA AMAZÔNIA – A maior parte dos investimentos dos capitalistas chineses (US$16 bilhões) no Brasil em 2010 foi na área das commodities – minérios e agro-negócio. Para abastecer o “chão de fábrica do mundo” de matérias primas agrícolas e industriais. Mas não é só essa dimensão da utilidade (valor de uso) do processo que conta. Essa justificativa liberal só serve para esconder o principal, a extraordinária valorização (lucro) dos capitais investidos.

O restante dos investimentos chineses no Brasil no ano passado (quase quatro bilhões de dólares) foi em setores de infraestrutura, como energia elétrica, e, finalmente, manufaturas. Aqui se localiza a natureza mais profunda destes movimentos de capitais. Os investimentos dos capitalistas chineses nas indústrias manufatureiras brasileiras (automóveis, eletrodomésticos, máquinas e equipamentos, etc.) foram equivalentes aos dos japoneses no mesmo período.

Para abastecer o chão de fábrica do mundo? Não, para superabastecer de lucros seus cofres. Sem esquecer os capitalistas brasileiros que também participam do negócio (joint ventures).

É nesses setores de manufaturados industriais que aparecem melhor novas formas de globalização. E surgem as novíssimas “indústrias mundiais”. Como na produção de motocicletas em Manaus, no coração da Amazônia:

“Nos setores de manufaturados, a atuação dos chineses muitas vezes começa pela importação maciça, o que causa desconforto aos produtores locais. É o caso da Kasinski, que traz do exterior, principalmente da China, 80% das peças para as motos fabricadas em Manaus. O segmento de motopeças é um dos que mais sofrem com a importação, o que deu origem à discussão da adoção de um novo Processo Produtivo Básico (PPB) para o setor de motocicletas na Zona Franca de Manaus. Esse movimento, porém, deve ser feito com parceiros chineses, que devem desembarcar no país para fabricar componentes num formato de "cluster" (arranjo produtivo local).


Quando a CR Zongshen - uma joint venture de capital nacional e chinês - comprou a Kasinski em Manaus, a fábrica tinha capacidade para 20 mil unidades ao ano. A partir da aquisição, depois de um total de US$ 80 milhões de investimentos, ela foi ampliada para 110 mil unidades em 2010. Segundo o presidente da CR Zongshen, Claudio Rosa Júnior, uma nova aplicação de US$ 45 milhões deve fazer com que a fábrica chegue até o início de 2013 com capacidade ainda maior, de 180 mil unidades.


Os investimentos da CR Zongshen não devem parar por aí. A empresa, diz Rosa, deve acelerar os investimentos para montar um grupo de fornecedores de motopeças no formato de cluster (um arranjo produtivo local), o que deve consumir nos próximos anos investimentos estimados em pelo menos US$ 100 milhões. A empresa faturou R$ 200 milhões no ano passado e prevê aumento de receita de 300% para este ano, reproduzindo, segundo Rosa, praticamente a mesma escala de evolução de faturamento de 2009 para 2010. Nos planos da companhia, a produção da fábrica brasileira não terá como destino apenas o mercado doméstico. ‘O Brasil deve servir de plataforma de exportação para todas as Américas’, diz Rosa.”


EMPRESÁRIOS CONFUCIANOS – Ninguém duvide que os capitalistas brasileiros também remetam massas consideráveis de IED para a China. São centenas de pequenas, médias e grandes empresas industriais do Sudeste e Sul do país, principalmente, que instalam suas filiais na China. Fazem joint ventures com capitalistas chineses nas Zonas Francas de Shanghai, Shenzhen, etc. Em busca do quê? De lucros maiores do que conseguiriam em seu país de origem.



Esses movimentos da globalização são avassaladores. E destruidores de ideologias. O que diriam, por exemplo, aqueles partidários dos ciclos longos, crise permanente (ou estrutural) e outras contorções espirituais, vendo um dilúvio de capital fictício chinês se transformando em clusters para produzir no meio da floresta amazônica cerca de 200 mil motocicletas por ano? Capitalistas industriais nem um pouco preocupados com títulos públicos, juros especulativos, bolhas, etc., mas apenas com montanhas de valor e de lucros industriais?

Esse é o movimento cada vez mais predominante (e determinante) no mundo do capital. Como na Kasinski, empresa situada na Zona Franca de Manaus que era propriedade, até pouco tempo, de um inovador empresário shumpeteriano nacional, agora engolido por espertos empresários confucianos. Do velho capital nacional ficou só o nome do Sr. Kasinski.

O mundo gira rápido. O mais importante disso tudo é levar a sério esse processo de valorização real (industrial) para entender como os capitalistas conseguem superar suas crises periódicas, como ocorre atualmente. É por isso que não existe crise permanente, mas crises periódicas em permanência. Se não ocorresse essa corrosiva reprodução ampliada de novos e inusitados espaços de valorização (lucro) por todos os poros do globo o capital desabaria catastroficamente aos primeiros sinais de mais um período de crise.

ÀS MARGENS DO NILO – Mas o mesmo processo também pode levar a revoluções sociais. É o que se passa atualmente na extensa região que se estende do Magreb ao Oriente Médio, onde a população também sente as dores daquela mesma dinâmica capitalista. Aqui o processo (pelo menos sua intensificação) é mais recente. E a população parece não concordar com o que os capitalistas lhes reservaram. Como no Egito, onde os capitalistas e sua nova junta militar, instalada pelos Estados Unidos e Israel para substituir seu cão de guarda anterior Hosni Mubarak, ainda encontram muitas dificuldades para restabelecer a ordem e o progresso da nação. Vejam trechos de interessante matéria do jornal egípcio Al-Masry Al-Youm:

“Industriais egipcios cortaram a produção porque os bancos continuam fechados, enquanto os sindicatos de trabalhadores levaram a revolução no país como sinal para interromper o trabalho e reivindicar melhores salários e condições... O governo sustentado pelos militares reduziu suas previsões de crescimento econômico, e o exército conclamou os egípcios a não fazerm greves, apelando a seus sentimentos patrióticos. Os militares disseram que as paradas na produção são desastrosas para a economia. Mas os sindicatos, entusiasmados pela derrubada do presidente Hosni Mubarak, na semana passada, exigem o atendimento às suas reivindicações. Mais de 12000 trabalhadores das estatais Misr Spinning e Weaving entraram em greve na quarta-feira. Na cidade costeira Damietta, cerca de 6000 trabalhadoras têxteis tambem declararam greve. Muitos dirigentes da indústria de alimentos e da tecelagem estão sofrendo greves ou mandaram os trabalhadores para suas casas por medo que as ações sociais se espalhem. Companhias como a fabricante de cerâmicas Lecico já atenderam a muitas reivindicações dos sindicatos. A indústria textil Arafa fechou as portas das suas unidades fabricantes de roupas em Tenth Ramadan City desde quarta-feira, quando os operários entraram em greve. ‘O movimento foi totalmente pacífico’, disse o dirigente Ahmed Kamal Selim. ‘Nós estamos analizando as reivindicações e algumas serão atendidas; quanto a outras, temos que discutir os valores’. ‘O exército deve falar mais pesado com os trabalhadores’, disse Mohamed Said Hanfy, presidente da Federação das Indústrias Metalúrgicas. ‘Muitos trabalhadores não têm problema nenhum, mas querem aproveitar a oportunidade apresentada pela situação política”

As classes dominantes do Egito relatam os conflitos com os trabalhadores como se tratasse de um país e de uma economia qualquer. Como se fossem nos EUA, na Alemanha, no Japão, ou coisa parecida. Pensam como seus economistas. E fazem de conta que essas reivindicações por melhores salários, atendimento à saúde, melhores condições de trabalho, moradia, etc. não estariam a acontecer se não fosse a “situação política”. Esquecem (ou fazem de conta) que esta última só explodiu por causa das condições miseráveis de existência da população que as atuais reivindicações dos grevistas podem quando muito amenizar. Esquecem (ou fazem de conta) que para a recuperação do capital industrial no Egito e para que ele continue existindo há a inescapável necessidade de que elas mesmas (classes dominantes egípcias e seu Estado corrompido pelo imperialismo norte-americano e sionista) agravem ainda mais aquelas condições miseráveis da população.

É o resultado desse embate de classes – às margens do Nilo, nas ruas das suas principais cidades e entre os muros das suas imundas Zonas Livres e suas “indústrias mundiais” – que decidirá o destino da revolução egípcia e o futuro da sua população trabalhadora.

Núcleo de Educação Popular - 13 de Maio São Paulo, SP.
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