terça-feira, 3 de maio de 2011



A REORGANIZAÇÃO NA PRÁTICA

Ricardo Malagoli
Juventude do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado - PSTU

Em um momento em que várias universidades públicas sentem os efeitos do corte de R$ 3 bilhões nas verbas da educação feito por Dilma Rousseff, um texto divulgado pela Consulta Popular procura responder à questão: qual a tarefa posta para o movimento estudantil? Sem sequer mencionar esses ataques e se valendo de abstrações realmente curiosas, além de um indisfarçável sectarismo, o texto pretende mostrar que a reorganização do movimento estudantil é somente uma idéia que existe para os ativistas que constroem a ANEL. Será mesmo assim?

A prática é o critério da verdade

Não podemos tratar da reorganização sem antes apresentarmos em linhas gerais uma avaliação séria dos últimos anos no Brasil. Partamos, então, do ponto que a Consulta Popular de fato evita.

Lula assumiu o governo em um momento favorável da economia mundial. Isso permitiu índices de crescimento altos para a economia brasileira – pelo menos se comparados aos números pífios dos anos imediatamente precedentes. Essa conjuntura, aliada ao fato de que agora ocupava a cadeira presidencial uma figura com a qual a maioria dos trabalhadores se identificava diretamente e que era apoiada por importantes organizações como CUT, UNE e MST, constituiu a base material sobre a qual se assentaram os enormes índices de popularidade de que gozou o presidente petista.

O grande apoio e a relação distinta com os movimentos sociais permitiu que esse governo se utilizasse o tempo todo do engano e da cooptação para implementar projetos que, ao contrário da propaganda petista, não eram “para todos”. A balança sempre pesava mais para um lado: o das grandes empresas multinacionais, dos banqueiros, dos latifundiários.

Embora os salários tenham aumentado 53% nos últimos anos, esse dado isolado não aponta melhorias significativas da remuneração do trabalho. No capitalismo, o que é ganho para uma classe é perda para outra. Nesse sentido, o melhor método para julgar esse crescimento é comparar esse índice com os lucros da burguesia. O que se vê é o crescimento da remuneração do capital em 394,8%, muito acima do que obteve a maioria da população.

Outro dado significativo, mostrado pela PNAD de 2009, aponta que havia nesse ano 8,4 milhões de desempregados no Brasil. Essa era a mesma quantidade de trabalhadores sem emprego em 1998. Além disso, quase metade dos empregos gerados nos dois mandatos petistas se localiza na faixa de até um salário mínimo e meio, conforme aponta o Ministério do Trabalho. Ao mesmo tempo, desapareceram muitas vagas cuja remuneração variava entre três e vinte salários mínimos. Crescem, portanto, vagas com remuneração mais baixa, enquanto as com pagamentos mais altos são eliminadas.

No campo, a realidade é bastante cruel. Além da reforma agrária não ter tido avanços reais, a dureza da vida dos trabalhadores rurais é um fato incontestável: entre 2008 e 2009, aumentou em 29,7% o número de famílias ameaçadas por pistoleiros, para pegarmos um exemplo extremo. Isso demonstra que não se pode julgar um governo pelo que ele diz de si próprio.

Em sua política para educação, a tônica é a mesma. Os projetos implementados pelo ex-presidente pareciam atender demandas históricas dos lutadores pela educação pública, quando na verdade iam de encontro a essas bandeiras. Em acordo com isso, esse é o sentido do corte bilionário efetuado por Dilma. Para se ter uma idéia, a UFJF terá neste ano um orçamento 50% menor em relação ao ano passado; a UFRJ assistiu recentemente a um incêndio nas obras de um prédio histórico no campus da Praia Vermelha e descobriu-se que os trabalhadores que atuavam na reforma estavam com salários atrasados por falta de repasses da universidade para a empresa terceirizada que os contratou. Isso também se expressa nos estados: na Bahia, os estudantes da UESB lutam contra um decreto do governo Jacques Wagner (PT) que restringiu bastante o orçamento da universidade; no Pará, para cortar custos, Simão Jatene (PSDB) acaba de demitir dezenas de professores substitutos.

Mesmo com muitas razões para lutar, entidades históricas como a CUT e a UNE têm como eixo de sua política a defesa dos governos petistas e o apoio acrítico aos seus projetos. Chegamos ao ponto de ver, no início deste ano, o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo apresentar uma proposta de flexibilização dos direitos trabalhistas.

A UNE foi uma conquista dos estudantes, mas sua história de luta e compromisso com os trabalhadores e o povo pobre foi jogada na lata do lixo. A UNE de hoje não tem nada a ver com a do passado. Para retomar a história da UNE, a carta de princípios votada em Salvador, é preciso romper com a UNE. Seus congressos institucionais, controlados a mão de ferro pela direção majoritária e cujas resoluções aprovadas não deixam dúvidas sobre o seu governismo, já não têm nada do heroísmo e da combatividade dos que se reuniram em 1979 num centro de convenções ainda inacabado, sem conforto, nem presença de presidente algum para reconstruir sua entidade.

A prática indica: a defesa do governo, mesmo quando suas ações se chocam claramente contra as necessidades dos estudantes por todo o país, é sempre mais importante. Nesse cenário é que muitos lutadores começaram a procurar novos meios de articular nacionalmente suas lutas, já que a velha entidade não podia mais cumprir esse papel. A ANEL é fruto disso.





O que é a reorganização?

Consulta Popular opta pelo caminho fácil de fazer uma caricatura grosseira do que o PSTU afirma ser o processo de reorganização, pretendendo mostrar que não passa de uma espécie de voluntarismo sectário.

A reorganização é um processo objetivo. Isso significa que ela não foi criada por nenhum sujeito político, seja um partido, seja uma corrente. Tem base real no fato de as entidades tradicionais do movimento dos trabalhadores e da juventude não cumprirem mais seu papel. Abre-se um espaço para que setores minoritários de massa rompam com essas entidades. As lutas passam a se dar por fora e muitas vezes contra os velhos aparatos. Foi assim, por exemplo, nas ocupações de reitoria em 2007, que passaram longe do CONUNE, e nas recentes greves em Jirau, quando o governismo fez as vezes da patronal ao não apoiar a mobilização operária.

Como poderia ser diferente, dado o inegável atrelamento ideológico-material da CUT e da UNE às administrações petistas? Totalmente cooptadas, seu programa real passa a ser a defesa de interesses de um governo que trabalha antes de tudo para os patrões. O resultado disso é que mesmo apoiando Lula e Dilma, quando os explorados e oprimidos lutam, acabam se chocando contra esse mesmo governo que pensam ser seu e contra seus representantes no movimento, que pagam o preço de se desgastar paulatinamente como via de luta.

Sejamos claros aqui: constatar a submissão das entidades tradicionais ao Estado burguês e seu gestor da ocasião, o governo, é muito importante. Não é, contudo, suficiente para indicar rupturas com uma ou outra. Qual é, então, o fundamento principal para que seja possível estimular conscientemente a construção de alternativas para o movimento de massas? O elemento central é que as lutas não passam mais por dentro da CUT e da UNE.

O resultado da batalha por uma alternativa para o movimento estudantil é demonstrado positivamente pelo fato de que hoje a ANEL é o principal catalisador das lutas por fora da entidade tradicional. Por outro lado, a falência da UNE é demonstrada pela ausência de qualquer oposição com força real dentro da entidade. Sem dúvida a esquerda da UNE tem comprometimento com as lutas, mas a verdade é que eles não conseguiram até hoje constituir a mínima unidade para polarizar e disputar de fato os rumos da entidade.

A ANEL reúne inúmeros ativistas em seus fóruns: no final de março, a assembléia nacional reuniu mais de 200 estudantes de todo o país em Belém do Pará e aprovou as definições do congresso, as campanhas do semestre, etc. A entidade é viva e intervém na realidade não por meio de uma auto-afirmação vazia, mas tomando como suas as batalhas cotidianas dos estudantes nas escolas e universidades.

Essa dinâmica só pode se dar com democracia interna. Por essa razão, a comissão executiva que toca cotidianamente a entidade é aberta. Nela há membros de diferentes partidos políticos, mas também vários independentes. Por acaso a UNE tem algo parecido com isso em seus fóruns e sua direção?

A ANEL foi a única entidade estudantil nacional que se pronunciou pelo Fora Sarney na época dos escândalos no Senado, assim como foi a única entidade estudantil que teve independência política para localizar os verdadeiros culpados da crise do ENEM: o descaso do governo federal com a educação. A ANEL também foi a única entidade que recolheu dinheiro para ajudar os trabalhadores do Haiti e isso foi assim porque a UNE viajou para o Haiti para apoiar a ocupação militar naquele país. Esses processos estão dando reconhecimento concreto para a ANEL.

Para evitar a compreensão de que a ANEL é maior do que realmente é, seremos categóricos: a ANEL é uma entidade minoritária, mas que vem organizando, articulando e dando coerência a um processo vivo e real. A comprovação disso é o reconhecimento que a entidade tem no conjunto do movimento social brasileiro e em uma parcela minoritária, porém significativa de estudantes.

A crise de direção

Este tema é especialmente importante, pois mais uma vez a Consulta vulgariza um conceito de grande importância política. Os companheiros atribuem à discussão sobre a crise de direção um suposto caráter unilateral, no qual a existência de direções traidoras determina tudo. Evidentemente, isso não é verdade. Por outro lado, tampouco é verdade que não existam direções traidoras, como faz parecer o texto da consulta popular dedicado a atacar a ANEL e sem nenhuma linha sequer de crítica à direção majoritária da UNE.

Se a UNE e a CUT fossem independentes do governo petista e ainda fossem instrumentos de luta, todos os problemas do movimento estudantil e dos trabalhadores estariam resolvidos? Não. Haveria um ascenso nas universidades e escolas, na cidade e no campo? Não. A razão disso é que há objetivamente um refluxo relativo e nisso obviamente há um acordo com a avaliação da Consulta. O problema, portanto, é outro.

Nessa situação, o que faz a UNE? Por acaso faz trabalho de base? Educa a militância? Ajuda a acumular forças para a revolução brasileira? Os oito anos de Lula e os primeiro meses de Dilma não deixam dúvidas que não.

Mais impressionante é que a Consulta faça um balanço apressado das gestões da ANEL em DCE’s usando a noção de crise de direção exatamente no sentido estreito, ou seja, qualquer limitação identificada nessas gestões é de responsabilidade... da ANEL.

A unidade com a classe trabalhadora aqui e no mundo

O corporativismo da luta estudantil é um erro imenso, pois os projetos de educação não expressam outra coisa que não as relações sociais capitalistas. São elas que exigem uma força de trabalho relativamente desqualificada e para a qual, portanto, a burguesia pode pagar baixos salários.

Por isso, está no programa da ANEL a união com a classe trabalhadora do Brasil e do mundo. Não é por outra razão que as bandeiras da entidade sempre podem ser vistas nas mobilizações dos trabalhadores, como é o caso na recente greve dos terceirizados da USP e da greve dos operários da construção civil em Fortaleza. Pelo mesmo motivo, a entidade levantou sua voz contra a ocupação militar no Haiti e apoiou as revoluções árabes.

Vale lembrar que a solidariedade internacional aos movimentos de trabalhadores e estudantes é concreta: foi votado na última assembléia nacional o envio de um representante a um congresso estudantil no Egito cuja proposta é reorganizar as entidades da juventude naquele país.

Muita unidade nas lutas

A ANEL é uma entidade em construção aberta a todos aqueles que defendem o direito à educação de qualidade e, mais do que isso, que querem lutar por uma sociedade sem exploradores e explorados. Esse não é nem de longe um objetivo fácil: os inimigos são muitos e têm nas mãos condições muito superiores às dos lutadores. Nesse sentido, a unidade no movimento estudantil é uma verdadeira necessidade. É preciso reunir todos os que têm o mesmo ideal, inclusive o setor que ainda se encontra na UNE. Pela experiência das lutas em defesa da Educação, desde o início dos enfrentamentos com o projeto educacional do governo Lula, é improvável que os companheiros da esquerda da UNE tenham mais acordos com o governismo do que com a ANEL.

Os que forem ao 1° Congresso da ANEL não verão aplausos aos projetos de educação do governo Dilma, como tem ocorrido nos últimos CONUNE’s e se repetirá no deste ano. Podem esperar encontrar lá o espaço para discutir abertamente como unificar a luta da juventude com as dos trabalhadores da cidade e do campo, como o exemplo dos jovens e trabalhadores árabes pode nos dar esperanças no futuro, como combater os crescentes ataques contra a comunidade LGBT, como enfrentar o machismo e o racismo tão presentes em nossa sociedade, como trazer mais companheiros e companheiras ao movimento estudantil.

Trabalho de base x entidade nacional: uma falsa polêmica

Propor a pulverização das diversas iniciativas de luta, como faz na prática a Consulta Popular ao opor o trabalho de base à organização nacional, é o caminho certo da derrota. Essa posição despolitiza o debate, dado que evita referir os problemas parciais de cada local ao denominador comum das políticas de Estado e governo.

Fazer trabalho de base, enraizando as lutas para alcançar o maior número possível de estudantes, não se opõe à construção de uma entidade nacional. Pelo contrário: esses devem ser dois movimentos combinados que só tendem a fortalecer os ativistas e educá-los de tal forma a perceberem os problemas de sua universidade como uma realidade presente em muitos outros lugares e, indo ainda mais longe, como problemas que extrapolam os muros da academia na medida em que expressam os impasses da sociedade em geral.

É uma abstração vazia e perigosa a defesa de ações locais quando a escala nacional dos ataques exige resposta proporcional. Por isso, por não entender como separadas as duas políticas, é que haverá no Congresso da ANEL um espaço especificamente para discussão do trabalho de base. Os companheiros da Consulta Popular serão muito bem vindos para expressar democraticamente suas diferenças e ajudar a enriquecer o debate.

A resposta para os problemas do movimento estudantil está longe de se dar pela unilateralidade, ou seja, entidade nacional não serve, o que serve é trabalho de base. A construção da ANEL é um projeto que lança uma articulação nacional calcada na construção efetiva e cotidiana das lutas que materializam os problemas da educação brasileira. Isso não se consolida sem trabalho de base, mas também não se fortalece sem organização nacional. Acreditamos que a ANEL está cada vez mais se consolidando e se fortalecendo com democracia, independência, unidade, luta e trabalho de base.

Construindo nas lutas a ANEL / Assembleia Nacional de Estudantes - Livre

A mais bela de todas as certezas, é quando os fracos e desencorajados levantam as suas cabeças e deixam de acreditar na força dos seus opressores - Bertold Brecht

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